Carlos Canhoto. O saxofonista fala-nos do cd “Shout”.

Carlos Canhoto, Saxofone

O nosso entrevistado é doutor em Música pela Universidade de Aveiro, tendo sido o primeiro saxofonista português a obter esse grau em performance. É licenciado em Saxofone e Música de Câmara pelo Conservatoire National de Cergy-Pontoise e em Ciências Musicais pela Universidade Nova de Lisboa. Na entrevista de hoje damos particular atenção ao cd “Shout”, uma gravação em que se estreia a obra Capriccio para saxofone soprano solo da autoria de Christopher Bochmann. Não deixamos no entanto de destacar o seu percurso académico e musical. Sobre a investigação referiu: «De facto rejeito a visão tradicional de que ou se é bom músico ou bom investigador, ou de que a investigação é uma área para músicos frustrados. A investigação atrai-me e é possível conjugar as duas vertentes. Ultimamente tenho-me dedicado sobretudo à performance enquanto investigação – um campo que está a florescer na musicologia – mas espero voltar em breve também a uma abordagem mais tradicional da investigação. Há áreas de sombra na investigação em performance para cuja iluminação espero também poder dar algum contributo».

Como descreve o cd “Shout” é um trabalho muito especial para o Carlos?
O CD “Shout” é, de facto, um trabalho especial para mim. Em primeiro lugar porque é o primeiro CD em que participo no qual o saxofone está em destaque como solista. Não é, em rigor, um CD a solo porque a componente camerística com piano está, naturalmente, muito presente (apesar de o CD incluir duas peças a solo). Em segundo lugar porque se trata de um reportório que me diz muito e há uma opção estética deliberada que eu acho que é a que faz sentido. Olhar a música como forma de expressão mesmo quando essa expressão é a dos abismos da natureza humana e das contradições do mundo em que vivemos, sem concessões ao fácil: ao fácil de ouvir, ao fácil de vender... e também ao fácil de tocar. A verdade na arte acima de tudo. Em terceiro lugar porque tive um prazer especial em tocar com a Natalia Riabova. É uma grande pianista, uma acompanhadora formidável – e o facto de ser requisitada em permanência é disso uma prova - e uma das pianistas que melhor dialogam com o saxofone.

Carlos Canhoto, Saxofone

O facto de ter gravado pela primeira vez a obra Capriccio para saxofone soprano solo de Christopher Bochmann torna ainda mais especial este registo?
Sim. Tenho uma grande admiração pela figura de Christopher Bochmann pelo seu papel na cena musical portuguesa e pelo seu trabalho como compositor. O Capriccio surgiu de um interesse comum: o de Christopher Bochmann em escrever uma peça a solo para saxofone soprano e meu em estrear uma peça a solo dele – e o facto de a peça ser para saxofone soprano, pelo qual nutro especial predileção, só reforçou o meu interesse. Foi assim que tive o prazer de fazer a estreia desta peça em 2007. A sua inclusão nesta gravação foi natural, tanto mais que se trata de uma obra na qual, embora não haja nenhuma referência extramusical, não é difícil estabelecer um paralelo entre os contrastes tímbricos, dinâmicos e técnicos que o saxofone soprano permite e que o compositor explora e a própria vida nos seus contrastes, dramas e contradições, na natureza extrema que tantas vezes a caracteriza – tal como caracteriza este Capriccio, uma obra de extrema virtuosidade.

Carlos Canhoto, ShoutNo entanto, estrear obras de outros compositores, tais como Antonin Servière, Pedro Amaral, Amílcar Vasques Dias, António Chagas Rosa, José Carlos Sousa, Eduardo Patriarca, Sérgio Azevedo, Paulo Vaz de Carvalho, Duarte P. Dinis Silva, Helder Gonçalves, Anne Victorino d’Almeida e Fernando Lapa, é algo que tem feito com regularidade. Podemos dizer que nas suas interpretações tem privilegiado os compositores portugueses?
De facto, tenho. Por um lado é uma opção natural: sou português e resido e trabalho em Portugal. Não faria sentido menosprezar os compositores portugueses em benefício de compositores estrangeiros só porque sim, ou talvez porque fosse mais fácil internacionalizar a minha carreira se tocasse sobretudo compositores de outros países... Mas não, não funciono assim. Tanto mais que há compositores portugueses muito, muito interessantes.

Houve algum tipo de apoios para a gravação do “Shout”?
Sim. Houve o apoio fundamental da DGArtes, através dos Apoios Anuais de 2015. O Síntese – Grupo de Música Contemporânea foi apoiado na sua programação anual, que incluía a gravação e edição deste CD. Houve também outros apoios: da Câmara Municipal de Castelo Branco/Cultura Vibra (as gravações tiveram lugar no Cine-Teatro Avenida, de Castelo Branco), da Escola Superior de Artes Aplicadas de Castelo Branco, do Teatro Municipal da Guarda. Há o apoio do Movimento Patrimonial pela Música Portuguesa na distribuição do CD. E há também o apoio importante, tanto no fornecimento de material como na divulgação, das marcas Selmer e Vandoren.

Carlos Canhoto, Saxofone

É membro fundador do Síntese – Grupo de Música Contemporânea. O Síntese tem-se constituído como um meio privilegiado para a divulgação da música e dos músicos? Fale-nos um pouco do trabalho que tem desenvolvido nesse âmbito...
Sem dúvida. O Síntese tem tido uma atividade constante desde a sua fundação em 2007, da qual se destaca a realização dos ciclos de música contemporânea da Guarda, que já contam com dez edições. Nestes ciclos foram estreadas diversas obras que encomendámos a compositores portugueses – a criação de novas obras é um dos eixos do nosso trabalho – e algumas de compositores estrangeiros: procuramos sempre que o ciclo inclua grupos ou solistas de outros países. Os ciclos são sempre acompanhados de atividades pedagógicas (ensaios abertos, por exemplo) em colaboração com os agrupamentos de escolas, que possibilitam às crianças de diversas idades um contacto precoce e próximo com a música contemporânea. O Síntese preocupa-se também com a circulação das obras (um dos problemas da música contemporânea) e com a aproximação da música contemporânea a um público não iniciado. Para isso temos feito, por exemplo, uma série de “Concertos no Património” em igrejas, fábricas recuperadas, lagares de azeite ou museus. É também preocupação do Síntese o registo e divulgação das obras e, por isso, temos procurado ter alguma atividade na edição de CD's: para além do primeiro CD do próprio grupo (com o título “2010”), o Síntese editou já um CD com obras para vila solo (por João Pedro Delgado) e, agora o “Shout”. Para breve estará a edição do novo CD do grupo.

A investigação é outra área pela qual se sente atraído? O Instituto de Etnomusicologia – Centro de Estudos em Música e Dança (INET-MD) também ocupa parte do seu tempo...
De facto rejeito a visão tradicional de que ou se é bom músico ou bom investigador, ou de que a investigação é uma área para músicos frustrados. A investigação atrai-me e é possível conjugar as duas vertentes. Ultimamente tenho-me dedicado sobretudo à performance enquanto investigação – um campo que está a florescer na musicologia – mas espero voltar em breve também a uma abordagem mais tradicional da investigação. Há áreas de sombra na investigação em performance para cuja iluminação espero também poder dar algum contributo.

Carlos Canhoto, SaxofonePara além da parte performativa e de pesquisa, abraça ainda a carreira docente de forma muito ativa. Leciona na Escola Superior de Artes Aplicadas do Instituto Politécnico de Castelo Branco e nos conservatórios da Guarda, Covilhã e Castelo Branco. Considera importante esta partilha constante? Quais as vantagens que advêm desta intensa carreira ligada ao ensino?
É mais fácil ver as desvantagens que as vantagens... O cansaço às vezes é inacreditável, e a elasticidade e energia que é preciso ter para dar resposta a todas essas realidades são grandes. Mas as vantagens residem, sobretudo, nessa partilha: são realidades diferentes, todas elas constituem experiências humanas e pedagógicas únicas e tenho um núcleo de alunos em cada escola que procuro orientar da melhor forma. Há, naturalmente, a vantagem de poder partilhar com alunos de várias escolas a minha maneira de estar na música e no saxofone. Mas é claro que esta situação não poderá durar por muitos mais anos.

Onde poderão os nossos leitores ouvir em breve o saxofone do Carlos Canhoto?
No dia 14 de julho em Palmela, com a Natalia Riabova e o programa do “Shout”, num concerto integrado no 6º Festival Internacional de Saxofone de Palmela. Será na Sociedade Filarmónica Humanitária, às 19 horas. Depois estamos a planear uma série de concertos com este programa mas, até à data, o único que tem data confirmada é o de 14 de janeiro de 2017 no Teatro Municipal da Guarda.

Muito obrigado por estes momentos de partilha que nos proporcionou. Há outros projetos para editar em breve?
Sim. Para além do novo CD do Síntese, que se chamará “Poesis” e que deverá sair em Outubro, tenho o projeto de gravar um novo CD com obras inéditas para saxofone solo. Será em 2017.

Carlos Canhoto. O saxofonista fala-nos do cd “Shout”.

"Shout" inclui obras para saxofone solo e com piano de Gabriel Fauré, Mark-Anthony Turnage, Ryo Noda e Richard Rodney Bennett. É um reportório paradigmático da representação expressiva da dialéctica entre a vida e a morte e é simultaneamente expressão profunda e rigor formal.

Gabriel Fauré (1845-1924)
1 - Élegie, op. 24 (1880)

Mark-Anthony Turnage (1960)
Two elegies framing a shout for soprano saxophone and piano (1994)

2 - Elegy 1
3 - Shout
4 - Elegy 2

Christopher Bochmann (1950)
5 - Capriccio for soprano saxophone (2007)*
*primeira gravação mundial / first world recording

Ryo Noda (1948)
6 - Maï for alto saxophone (1975)

Richard Rodney Bennett (1936-2012)
Sonata for soprano saxophone and piano (1988)
7 - I. Poco Allegro
8 - II. Scherzando
9 - III. Andante, “In memory of Harold Arlen”

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