Rita Dias e o projeto “6 em Ponto”. A entrevista no XpressingMusic revela os pormenores deste projeto e dá-nos a conhecer um pouco mais sobre a sua protagonista.
Rita Dias nasceu em Coimbra em 1989 e atualmente vive em Lisboa. Apresenta o seu novo projeto “6 em Ponto” como uma “síntese das suas referências estéticas”. É sobre este projeto e o papel que a música e a escrita desempenham na sua vida que falaremos nesta entrevista.
XpressingMusic (XM) – Rita, o “6 em Ponto” é o seu primeiro projeto enquanto autora mas não é a sua estreia enquanto cantora… Pode falar-nos um pouco do seu percurso até ter chegado aqui?
Rita Dias (R.D.) – Sempre vivi com música no meu quotidiano. Desde os serões de flauta e de canto para a família, passando pelos clubes de música na escola, pela gravação de um hino, pelo Conservatório Regional de Coimbra, até chegar à tuna, na faculdade, onde senti realmente, e de forma mais madura, o que era pisar um palco e o que era cantar sozinha para transmitir uma mensagem a alguém. Acabou por ser um percurso informal, onde todos os intervalos das obrigações se destinavam a descobrir o que poderia fazer mais com a música ou através dela. E neste ano de 2012, já com vida profissional estabelecida, não foi diferente. A minha paixão pela música fez voz grossa, quis sair da esfera privada e o projeto 6 em ponto nasceu, alimentado por muita vontade.
XM – O projeto “6 em Ponto” é o trabalho que melhor espelha a sua personalidade e criatividade?
R.D. – Não consigo avaliar se é o trabalho que espelha melhor a minha personalidade ou a minha criatividade. Posso garantir que é um projeto que tenho trazido ao colo, com a mais séria dedicação. A escolha do repertório espelha a minha estética, o que gosto de ler quando ouço e o que gosto de ouvir quando leio. O que faço em palco – contar uma história – espelha a necessidade de dar sentido à escolha de um repertório, não deixando fugir a atenção do público. Valorizo a forma e o conteúdo, tentando equilibrar as suas importâncias. E isso talvez seja um traço da minha personalidade, de facto. A criatividade é subjetiva. Deixo ao critério do observador.
XM – O Conservatório Regional de Coimbra foi importante no aprimorar das suas performances vocais/musicais?
R.D. – Entrei no Conservatório tarde, apenas para aprender a cantar e sem nenhum conhecimento musical aprofundado. Foi importante para perceber o universo onde habita a teoria musical, para conhecer compositores de referência, para ter noção do ritmo e da disciplina. O Conservatório é uma escola séria, oferece um caminho que se deve estabelecer desde cedo. Eu quis furá-lo a meio, esforcei-me para recuperar a matéria perdida, mas o estudo musical colidiu com o estudo obrigatório e acabei por abandonar as aulas após completar o primeiro ano.
XM – Mais tarde veio… o Rio de Janeiro… O que lhe trouxe o Brasil ao nível da música que hoje produz? Teve assim tanta importância o facto de ter vivenciado uma cultura diferente da portuguesa?
R.D. – O Rio de Janeiro trouxe-me o jeitinho português, algures entres a saudade do destino e a alegria de viver a paz do presente. Isso foi determinante para a minha forma de ver a música, para a minha interpretação das canções e para a vida, de uma forma geral. Sou de Coimbra, a cidade do conhecimento formal e do fado profundo. Fui um baú fechado de nostalgia e vim um baú aberto de sorrisos. A cultura carioca, as rodas de samba, as ruas com histórias ainda hoje ecoam quando fecho os olhos. E, sem dar por nada, lá vai a mão para a palavra brasileira ou o assobio para a bossa-nova.
XM – Como conjuga a música tradicional portuguesa com a música popular brasileira? São mais os pontos que unem estas duas realidades do que aqueles que as separam?
R.D. – Conjugo bem a música tradicional portuguesa com a música popular brasileira porque não sei viver apenas com uma delas. Mas não é uma ligação puramente sentimental. Veja-se o fado e o samba. O fado nasceu nas ruas e nas tabernas, na necessidade de expurgar as vidas duras, nas pessoas mais simples. Depois tornou-se oficial. Hoje é Património da Humanidade. O samba veio do calor da dança negra africana, chegou aos morros do Rio de Janeiro pela mão de gente pobre e trabalhadora. Depois tornou-se oficial. Hoje é Patrimônio da Humanidade. Ambos tendem para a simplicidade das palavras e para a manifestação dos (des)amores ou dos (des)prazeres do quotidiano. Mas há mais música portuguesa para lá do fado e mais música brasileira para lá do samba. O ponto de interseção dependerá do olhar da pessoa que as decida abordar. Eu acredito que as duas realidades se intersetam, então, para mim, haverá sempre mais pontos que as unem do que aqueles que as separam. “Não tem jeito”!
XM – Sabemos que, para a Rita, nem só as sonoridades entre estes dois países se unem. Também os seus compositores de referência são brasileiros e portugueses. Quer destacar algumas das suas influências mais marcantes?
R.D. – Nomeio dois artistas, um do Brasil e um de Portugal. O Chico Buarque foi o meu cicerone brasileiro, apresentou-me História, vida madura, amor bonito, figuras importantes. Mas há um ponto que destaco como fundamental: pela mão dele, voei até à mão de outros artistas relevantes. Na altura, “Estava à toa na vida/ O meu amor me chamou/ Pra ver a banda passar/ Cantando coisas de amor”. Deste lado, quem me recebeu da minha jornada brasileira foi o António Zambujo. Conheci-o através de um dueto com a Roberta Sá (em Fado Partido) e, pelas suas escolhas, pude retornar à poesia de Vinícius e às imagens guardadas na memória, mas na companhia das sonoridades da terra portuguesa, tão bonitas. Uma espécie de “dois em um” que me satisfez. E, hoje, parece que “Trago no peito o segredo dos mares por navegar”; parece que trago Quase um fado.
XM – Em palco, não se apresenta sozinha. Quais os músicos que viajam consigo neste projeto?
R.D. – Em palco, tenho tão simplesmente uma família de três mais-que-tudo. O Filipe Almeida (viola) é um músico extraordinário, é meu amigo há mais tempo e foi absolutamente determinante para que chegasse até aqui. Além da direção musical que estabelece no grupo, é meu parceiro de composição. Isso não se explica! O Pedro Nobre (piano) e o André Rosinha (contrabaixo) são as cerejas do topo do bolo. Músicos de jazz e de exceção, com uma cultura vastíssima e um ouvido muito apurado, trazem para as canções um brilho que também não consigo explicar. Só ouvindo… Sempre que nos juntamos, surpreendo-me como se fosse a primeira vez.
XM – Gostávamos que deixasse aqui alguns conselhos para os jovens músicos que ambicionam concretizar os seus projetos musicais… Considera possível viver da música?
R.D. – Considero possível tudo aquilo em que acreditamos de forma racional e emocional. A razão porque traz lucidez às decisões. Não dá para viver com os pés nas nuvens: o dinheiro paga contas, a qualidade requer trabalho e por aí adiante. A emoção porque acredito que precisamos de sentir o que fazemos para sermos verdadeiros. E a verdade perante os outros e perante nós próprios é um ingrediente essencial. Algures no meio (des)conhecido, e próprio de cada um, estará a virtude. Não me atribuo legitimidade para dar um conselho fértil; sou muito nova. Posso, apenas, dizer o que tem tido impacto em mim: aprender a ouvir, sem destrinça ou preconceito. É útil em qualquer mundo, principalmente no mundo da música.
XM – Agradecemos mais uma vez o facto de ter aceite o nosso convite para esta entrevista. Para terminar, gostaríamos de lhe perguntar se tem novos projetos para nos apresentar em breve…
R.D. – Posso adiantar que sim, que haverá um novo projeto ainda em 2013, com músicas originais. A música Choraminguice, que já está no meu site (www.ritadias.com), é uma antecâmara. Podem ouvi-la também na Antena 1. Desejo que gostem! E quem agradece, naturalmente, sou eu, pela oportunidade que a XpressingMusic criou para me dar a conhecer ao seu público.
"Choraminguice"
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