Entrevista com Graça Mota

Graça MotaGraça Mota é Licenciada em Pedagogia Musical pela Staatliche Hochschule für Musik und Theater Hamburg, Alemanha, Mestre em Educação Musical pela Universidade de Boston, USA e Doutora em Psicologia da Música pela Universidade de Keele, Reino Unido. Para além das suas tarefas como docente na Escola Superior de Educação do Porto, é diretora do CIPEM (Centro de Investigação em Psicologia da Música e Educação Musical). Com um vasto currículo na área da educação musical, a nossa entrevistada de hoje vai ajudar-nos a compreender o panorama atual da educação musical em Portugal e dar-nos algumas pistas para o futuro desta área num país onde a música parece ainda ser vista como um luxo…

O trabalho de investigação da Professora Graça Mota relaciona-se com a inovação em Educação Musical, desenvolvimento e avaliação curriculares em música, formação de professores, identidades musicais, narrativas musicais e prática musical e inclusão social… Acreditamos que esta sua práxis lhe tem trazido inúmeras pistas para aquilo que importará fazer para que a educação musical seja uma área respeitada e detentora de um lugar próprio na educação em Portugal. Pode partilhar connosco algumas das conclusões a que tem chegado? Por que razão, continuamos a assistir, ano após ano, a professores sem qualquer habilitação na área da música a lecionar nas atividades de enriquecimento curricular no 1º ciclo do ensino básico? Será isto revelador do grau de importância que atribuem a esta área do conhecimento?
Esta pergunta (aliás perguntas) é complexa e inclui mais do que uma resposta. Em primeiro lugar, o panorama da Educação Musical, enquanto disciplina lecionada no Ensino Básico (EB) e obrigatório, sofreu uma modificação extremamente positiva desde que em 1986 abriram os cursos para formação de professores de Educação Musical. De um panorama em que os professores eram recrutados diretamente dos Conservatórios e Academias, sem qualquer formação pedagógica e didática a qual apenas alguns adquiriam através de um estágio profissional, passou-se para a formação de professores em cursos que incluíam todo o âmbito das Ciências da Educação conjugado com uma formação musical direcionada para o ensino em contexto de sala de aula. Neste sentido, podemos afirmar que nada ficou na mesma desde então. Embora não haja ainda investigação sistemática sobre o impacto que estes docentes tiveram no terreno, a nossa experiência no contacto com as escolas nossas cooperantes, mostra uma mudança clara no papel que a Educação Musical passou a ter nas Escolas do 2º e 3º ciclo do EB. Quanto às Atividades de Enriquecimento curricular (AECs) estamos a falar de uma decisão que foi tomada no tempo da Senhora Ministra Maria de Lurdes Rodrigues, em 2007, e com a qual nós, Departamento de Música da Escola Superior de Educação do Politécnico do Porto (ESEIPP), discordámos. E fizemo-lo por considerar que se remetia para uma área extracurricular o que não tinha sido resolvido curricularmente. Ou seja, a possibilidade de os professores do 1º ciclo do EB serem coadjuvados nas áreas artísticas por um professor especialista (Art.º 8º da Lei de Bases do Sistema Educativo) nunca foi posta em prática, remetendo-se para o professor generalista a lecionação das mesmas. Aliás, e a investigação neste âmbito demonstra-o, os próprios vêm referindo não se sentirem de todo preparados neste domínio para levar a cabo um ensino de qualidade. A este propósito o nosso centro de investigação (CIPEM) realizou uma investigação de 3 anos, financiada pela Fundação para a Ciência e Tecnologia, na Região Autónoma da Madeira, onde existe um programa de Expressão Musical e Dramática no 1º ciclo do EB há mais de 30 anos, que mostrou claramente os ganhos que esse sistema traz no que diz respeito ao acesso de todas as crianças a uma Educação Musical sequencial desde o início da escolaridade obrigatória.
Com a implementação das AECs e o facto de o recrutamento de professores ter sido cometido essencialmente às Câmaras, assistiu-se a uma situação desregulada em que os parâmetros para a admissão de docentes passam na maior parte dos casos por critérios de rentabilização dos orçamentos atribuídos, independentemente da qualidade e formação dos candidatos. É uma situação verdadeiramente dramática em que, por vezes, se assiste a licenciados em Educação Musical serem preteridos por professores de outras áreas ou mesmo apenas professores generalistas, com base em decisões de ordem meramente económica. Muito embora a situação tenha vindo a ser progressivamente melhorada desde 2007, no meu entender a questão de princípio mantém-se.
Quanto ao grau de importância que em Portugal se dá à música é uma pergunta de difícil resposta na globalidade mas, neste momento, basta verificar que a Reforma Curricular do Ministro Nuno Crato acabou pura e simplesmente com a Música no 9º ano de escolaridade e reduziu significativamente o tempo que estava anteriormente atribuído no 7º e 8º.

Entre 2008 e 2010 foi Presidente da Comissão de Investigação da ISME, International Society for Music Education. A consequente partilha com pedagogos de todo o mundo advinda desta sua experiência ajudou-a certamente a compreender as razões dos sucessos e fracassos da implementação da educação musical nas escolas do ensino básico. Pode partilhar com os nossos leitores alguns dos bons exemplos que poderíamos seguir?
A minha experiência de partilha com investigadores e pedagogos internacionais é, nesse sentido, extremamente profícua já que me tem permitido compreender e comparar situações em múltiplos países e aprender como podemos melhorar o nosso próprio entendimento acerca do papel da música na vida de todos os cidadãos, em geral, e das crianças e jovens em particular. Na verdade, na maior parte dos países, mesmo os que se incluem na faixa dos países mais ricos do mundo ocidental, esta situação não é líquida. Ou seja, continua a haver muitos debates sobre o ensino da música no ensino geral e também acerca da perspetiva de que quando se entra em crise, como é o caso atual, no âmbito dos diferentes sistemas educativos são sempre as artes que mais sofrem. Serve como exceção positiva o caso do Reino Unido que publicou no ano passado o seu National Plan for Music Education em que reafirma, apesar da conjuntura económica global, a necessidade e importância de dar continuidade à música nas escolas.

Desde os anos 70 até aos dias de hoje tem havido um aumento no incremento da educação musical desde o jardim-de-infância até ao 9º ano de escolaridade. Ficamos, no entanto, com a ideia de que na fase mais importante do desenvolvimento da criança, ou seja nos seus primeiros anos de vida, esta disciplina fica, não raras vezes, a cargo de professores sem qualificação ou sem motivação para esta área. Não será perigoso este caminho sem critérios e sem objetivos claros?
Embora já tenha respondido em parte a essa questão, gostaria de acrescentar que para nós, e quando digo nós refiro-me ao departamento de Música da ESEIPP, essa questão é absolutamente crucial. O ensino da música deve começar desde os primeiros anos de escolaridade e com um professor especialista com formação de qualidade nas seguintes áreas estruturantes: Prática Instrumental e Vocal, Formação Musical, Ciências Musicais, Ciências da Educação, o que inclui a Pedagogia e a Didática quer de âmbito geral quer específico da disciplina, e Estágio supervisionado nos 3 ciclos do EB. Tudo o mais é paisagem e, já agora, perigosa no sentido da vossa pergunta.

Várias e respeitadas organizações internacionais têm defendido o direito humano à educação e à participação cultural. Inclusivamente a UNESCO refere que “a cultura e a arte são componentes essenciais de uma educação completa que conduza ao pleno desenvolvimento do indivíduo”. O que tem faltado para que esta mensagem passe para os diversos governantes?
Não consigo dar-lhe uma resposta objetiva a uma pergunta desse tipo. Apenas sabemos que há muitas variáveis que concorrem para que tal aconteça mas, por exemplo em Portugal, vale a pena perguntar que Educação Musical terão tido os nossos próprios governantes? Aquilo que, antes do 25 de Abril, dava pelo nome de Canto Coral - hino nacional e demais cantos "nacionalistas e patrióticos" para além do conceito que então se tinha de "folclore nacional"? Julgo, no entanto, que há que fazer justiça a alguns governos que deram uma importância mais significativa a esta área do saber procurando implementar mudanças a nível de programas, número de horas atribuídas, promoção dos clubes de música nas escolas, enfim, um conjunto de medidas que contribuíram para modificar algum panorama geral no que se refere a esta disciplina. Mais sobre este tema seria uma longa conversa, com outro tipo de contornos e que não cabe obviamente nesta entrevista.

Nas inúmeras publicações que tem realizado em Portugal, nos Estados Unidos, no Reino Unido, na Letónia e no Brasil, tem tido a preocupação de fazer passar a mensagem da indispensabilidade de uma boa educação musical desde tenra idade?
Julgo que sim.

Professora Doutora Graça Mota, agradecemos a amabilidade em nos conceder esta entrevista. Temos só mais uma questão que se prende com a sua vida profissional. Como convive a Graça Mota pianista, concertista com a Graça Mota pedagoga e pensadora da educação? São facetas distintas ou complementam-se e entreajudam-se?
Infelizmente, tenho vindo a descurar cada vez mais o meu lado de instrumentista o que muito me desgosta. No entanto, como também dou aulas de Teclado no âmbito da nossa Licenciatura em Educação Musical, o facto de ter uma formação sólida como pianista contribui em muito para compreender as questões que se levantam, por exemplo, quando se começa a estudar piano como segundo instrumento e numa idade já mais avançada. De certo modo, gabo-me de conseguir que num único semestre todos os meus alunos consigam tocar com algum prazer, mesmo que a um nível incipiente.

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