Fernando Marques Ensemble. A Canção de Coimbra no Presente.
«(...) nos últimos anos, a Canção de Coimbra tem vindo a perder grandes referências históricas que marcaram as suas épocas e as diferentes gerações. Figuras como, por exemplo, Luís Goes (...) deixaram-nos fisicamente. Apesar [disso] alguns membros das novas gerações de guitarristas, ainda, podem ter o privilégio de aprender guitarra de Coimbra e de conviver com o Mestre Jorge Gomes. No entanto, o mais preocupante é que as grandes referências tardam em ser substituídas por novos nomes, novos exemplos a seguir e naturalmente que esta situação, de perda de referências, tem vindo a abrir uma espécie de terreno vazio. Infelizmente, aquilo a que se assiste é a uma tentativa de preenchimento desse vazio, de forma oportunista, por indivíduos cujos objetivos não passam necessariamente por fazer arte».
Como caracteriza o projeto Fernando Marques Ensemble? A renovação da Canção de Coimbra é o principal objetivo?
O Fernando Marques Ensemble é um projeto musical que se enquadra numa corrente de renovação da Canção de Coimbra. O principal enfoque deste projeto centra-se, por um lado, na valorização da palavra, através de uma estreita ligação à poesia, e, por outro lado, na abertura a outro tipo de instrumentos e linguagens musicais.
Apesar de uma preocupação estética que tem como horizonte a busca de novos caminhos, a paisagem musical não esquece a essência do canto e da guitarra de Coimbra, elementos nucleares da sonoridade coimbrã. Assim, os músicos que constituem o Fernando Marques Ensemble têm, na sua maioria, um percurso musical ligado a diversos grupos de fado de Coimbra, cantando ou acompanhando vários artistas em espetáculos e edições discográficas.
No que concerne à questão da renovação da Canção de Coimbra e tendo em conta o panorama atual, penso que essa renovação é fundamental e não pode limitar-se a um discurso politicamente correto ou de circunstância. De facto, recentemente a questão da renovação tem sido muito apregoada e discutida, mas muito poucas vezes explorada de forma efetiva, salvo honrosas exceções.
Para além da problemática da renovação, nos últimos anos, a Canção de Coimbra tem vindo a perder grandes referências históricas que marcaram as suas épocas e as diferentes gerações. Figuras como, por exemplo, Luís Goes, que inspiraram sucessivas gerações, quer pela sua obra, pelo seu exemplo ou pelo seu caráter humanista, deixaram-nos fisicamente. Apesar do exemplo anterior, alguns membros das novas gerações de guitarristas, ainda, podem ter o privilégio de aprender guitarra de Coimbra e de conviver com o Mestre Jorge Gomes. No entanto, o mais preocupante é que as grandes referências tardam em ser substituídas por novos nomes, novos exemplos a seguir e naturalmente que esta situação, de perda de referências, tem vindo a abrir uma espécie de terreno vazio. Infelizmente, aquilo a que se assiste é a uma tentativa de preenchimento desse vazio, de forma oportunista, por indivíduos cujos objetivos não passam necessariamente por fazer arte.
Assim, face a este contexto, há muito que sentia a necessidade de intervir e de contribuir, de forma ativa, para que este movimento de renovação se pudesse efetivar. Naturalmente que para prosseguir estas intenções tive que, em primeiro lugar, aprofundar estudos ao nível da formação musical e, em segundo lugar, encontrar uma equipa comprometida com as minhas intenções.
Como nasceu este ensemble?
Este ensemble surgiu no final de 2010 na preparação da participação no Festival Cantar Abril 2011. O facto de em 2011 termos conseguido alcançar a final do referido Festival permitiu que a ideia inicial se consolidasse e que o trabalho em grupo pudesse prosseguir. Por outro lado, desde 2007 que eu começava a reunir alguns temas inéditos com o objetivo de um dia os poder gravar e o facto de estar envolvido na construção de um novo projeto acabou por se tornar num importante estímulo para que essas ideias musicais pudessem florescer.
Quem são os elementos que embarcam nesta viagem musical? Todos eles têm trabalhado no âmbito da Canção de Coimbra?
Para além de mim participam Manuel Coroa (Guitarra de Coimbra), Steve Fernandes (Guitarra Clássica), Rui Namora (Guitarra Clássica), João Cação (Contrabaixo), João Ferreira (Piano), Jorge Correia (Violoncelo), Jorge Cravo (Voz), Jorge Machado (Voz) e Nuno Silva (Voz).
Destes elementos, nem todos têm um percurso associado à Canção de Coimbra. Assim, no que diz respeito aos músicos com um percurso ligado a este género musical, temos elementos que acabam por representar diferentes gerações e sensibilidades: Jorge Cravo, por exemplo, representa a geração de oitenta do século passado; eu próprio, Jorge Machado, Nuno Silva e Rui Namora, representamos a geração de noventa do século passado e, por fim, o Manuel Coroa e o Steve Fernandes, que são dos mais importantes representantes das mais recentes gerações da Canção de Coimbra, do século XXI. Por outro lado, João Cação, João Ferreira e Jorge Correia têm um percurso mais ligado à área do Jazz ou da música clássica e nunca tinham estado envolvidos num projeto desta natureza.
Foram estes os elementos, com as suas diferentes sensibilidades e abordagens, que deram o seu contributo fundamental para a construção deste trabalho.
O novo CD chama-se “(des)Encontros”. Houve alguma razão especial para que este fosse assim designado?
Sim! Ao longo de todo este percurso, que durou vários anos, acabei por me cruzar com muitas pessoas que, por uma ou outra razão, acabaram por não chegar ao fim desta viagem. Deram-se, efetivamente, alguns desencontros que foram pessoais e, também, com uma certa forma de fazer música que se instalou neste género musical. Durante todo este processo de construção existiram realmente muitos desencontros...
No entanto, o prefixo (des) está entre parêntesis e os encontros, também, acabaram por se dar. Esses encontros acabaram por surgir tanto com as pessoas que acreditaram naquilo que eu pretendia realizar, como com as ideias que foram surgindo e com as diferentes formas de estar na música. De facto, no final de tudo o mais importante foram mesmo esses encontros e penso que é isso que ficará deste trabalho. Se os encontros não tivessem surgido este trabalho teria ficado irremediavelmente na gaveta.
Considera arriscada a abordagem que se protagonizou neste CD? Não temeram os comentários dos mais conservadores?
Quando se procuram trilhar novos territórios há sempre uma certa dose de risco associado. Alguns poderão pensar que teremos ido longe demais, outros pensarão que se poderia ter ido mais além... Tendo tudo isto presente, o enquadramento que se procurou dar aos instrumentos que não fazem parte da formação base dos grupos tradicionais foi sempre no sentido de respeitar a matriz deste género musical. Assim, o nosso trabalho criativo procurou sempre respeitar esse legado do passado. Deste modo, independentemente do caminho a seguir, o resultado final tinha de se traduzir numa sonoridade que facilmente se pudesse reconhecer como verdadeiramente coimbrã.
Relativamente à questão dos possíveis comentários de setores mais conservadores, penso que quem se propõe realizar um trabalho sério e musicalmente honesto, no sentido de renovar um género, não se pode focar nesse tipo de questões. Na minha perspetiva, o enfoque terá de ser sempre direcionado para as convicções artísticas e para o trabalho em equipa. Se nos preocuparmos muito com essas questões acabamos por ficar condicionados e, neste momento, a Canção de Coimbra necessita que se lute por ela e necessita de gente que trabalhe e arrisque, no sentido de cativar novos públicos.
Embora o projeto já exista há algum tempo, pensa que este disco poderá levar a vossa música a outras paragens?
Tenho a convicção de que este disco nos fará chegar a um maior número de pessoas e a outras paragens. No entanto, também tenho a plena consciência de que este género musical se enquadra num nicho de mercado muito específico e chegará apenas às minorias. Pese embora todas as coisas boas que temos, infelizmente, vivemos num país que ainda não percebeu a riqueza e a diversidade da música que por cá se vai fazendo. Basta atravessar a fronteira de automóvel e ter o autorrádio ligado para se perceber a diferença. Por outro lado, se se tratar de uma edição de autor, sem o suporte de uma editora (como é o caso), menos hipóteses haverá e tratando-se de um projeto sediado em Coimbra, menos ainda.
Apesar do cenário que acabei de descrever, também vivemos numa época em que existem outras plataformas que podem e devem ser exploradas, no sentido de se divulgar os trabalhos realizados numa dimensão global. Graças a esse potencial tem-nos sido possível estabelecer alguns contactos que poderão levar a nossa música a outras paragens durante o presente ano.
Já há datas marcadas para a apresentação deste disco ao vivo?
De momento estamos a trabalhar no sentido de fechar algumas datas, tanto na cidade de Coimbra como na região centro. Posso confirmar, em primeira mão, que estaremos presentes no ciclo “Sagração da Primavera 2017”, nas Quintas do Conservatório de Música de Coimbra.
De todos os sonhos que tinha para este projeto, há alguns que ainda não se tenham concretizado?
Penso que ainda é cedo para se fazer um balanço e apesar do grande objetivo, que passava por editar este disco, estar concretizado há muito trabalho por realizar. De uma forma muito realista, os nossos objetivos passarão sempre por fazer chegar a nossa música ao maior número de pessoas possível e, também, por mostrar ao público em geral que a Canção de Coimbra não é um corpo morto que apenas se resume à repetição exaustiva dos temas clássicos. Tenho a convicção de que este género musical não está condenado a uma cristalização direcionada para o mercado turístico.
Em 2004, integrando um outro projeto, participei na gravação de um disco de originais e recordo-me de já nessa altura declarar a alguns órgãos de comunicação social que era necessário quebrar o ciclo de um certo “vira o disco e toca o mesmo”. Passados alguns anos essa situação, lamentavelmente, persiste. Continua a assistir-se, apesar dos discursos direcionados para a necessidade de renovação do género, suportados pelo desenvolvimento de uma certa componente de comercial e de marketing, a um interminável ciclo de gravação de clássicos.
No entanto, teimo em crer no potencial deste género musical e quero acreditar que o melhor ainda está para vir.
Muito obrigado pelo tempo dedicado aos nossos leitores. Onde poderemos encontrar o vosso CD (des)Encontros à venda?
Eu é que tenho de agradecer a possibilidade de me poder expressar de forma muito aberta sobre o nosso projeto.
Neste momento, para obter informações sobre os locais de venda do CD poderão contactar-nos através da nossa página web ou através da nossa página de Facebook.
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