David Miguel fala-nos da composição e do ensino da música em Portugal.
«Sou claramente defensor de uma perspetiva em que os professores do ensino básico e secundário têm uma fortíssima influência sobre o modo como os alunos encaram a aprendizagem musical e que só com paixão e dedicação, além de toda a competência técnica necessária, se atingem os objetivos. Eu tive isso e tento sempre passar essa ideia aos alunos com que me tenho cruzado».
«Tenho uma certa impressão de que referências assim, um certo tipo de perfil, uma mais elevada capacidade de reflexão e conhecimento começam a escassear no ensino superior de música em Portugal, e isso não é bom. Não por falta de gente capaz, felizmente, mas por outras razões. A academia está muito deteriorada pelas condições de acesso à carreira, pela estabilidade e condições de trabalho que se oferece aos professores, e pela massificação da procura sem uma serena consolidação da oferta».
Olá David. Embora natural do Fundão, foi em Coimbra que iniciaste os teus estudos em composição. Antes disso houve alguma aprendizagem musical noutros contextos?
Olá! Começo por agradecer o convite para esta entrevista e felicitar todos na XpressingMusic pelo extraordinário trabalho que têm realizado. É preciso situar no tempo e no espaço. Por um lado, tive algumas aulas mais informais para aprender a tocar guitarra e tecla. Depois disso houve uma fase de adolescência em que, junto com alguns amigos, me iniciei no meio das bandas de garagem. Foi uma experiência muito interessante e enriquecedora a que devo uma noção prática da relação entre improvisação e criação. Passar por esse processo de composição e improvisação partilhada foi muito interessante. Aliás, creio que os músicos com uma aprendizagem “clássica” no sentido mais formal e etário do termo, só terão a ganhar ao envolverem-se em contextos de criação partilhada, pois daí saem conhecimentos muito importantes para uma compreensão aprofundada da linguagem musical. Por outro lado, a Academia de Música e Dança do Fundão dava os primeiros passos nos anos 90. Foi aí que tive as primeiras aulas de música num contexto formal e foi determinante para um conjunto de experiências que levaram à decisão de ir para Coimbra, onde encontrei o ambiente artístico e social que procurava no momento.
A professora Ana Magalhães foi a pessoa que mais te incentivou a prosseguires os teus estudos nessa área da composição?
Quando fui para Coimbra eu já sabia que o objetivo não era ser instrumentista. Embora, claro está, eu considere que qualquer compositor só tem a ganhar ao tocar um instrumento ou cantar. Já sabia que o objetivo era seguir composição no ensino superior, era ser compositor. Tive a felicidade de pelo caminho ter como professora a Ana Magalhães, que teve um papel também muito importante no percurso e nas escolhas. As aulas eram sempre interessantes e a paixão pelo ensino, pela composição e pela análise foram fortes influências. Outro aspeto interessante é a abertura para diversos estilos combinado com um lado humano invulgarmente generoso. Sou claramente defensor de uma perspetiva em que os professores do ensino básico e secundário têm uma fortíssima influência sobre o modo como os alunos encaram a aprendizagem musical e que só com paixão e dedicação, além de toda a competência técnica necessária, se atingem os objetivos. Eu tive isso e tento sempre passar essa ideia aos alunos com que me tenho cruzado.
Podemos dizer que Luís Tinoco, Carlos Guedes, Eugénio Amorim, Filipe Vieira, Nuno Côrte-Real e Dimitris
Andrikopoulos foram outros pilares fundamentais dessa tua formação?
Foram todos importantes porque cada um tem diferentes ensinamentos a dar. Na música há quem defenda que um aluno se deve manter com um professor durante vários anos; e quem defenda que se deve contactar com diferentes professores ao longo da sua formação. Esta parece-me melhor para um compositor em formação e aconteceu de forma natural, não premeditada. Isso porque na ESMAE estava instituído o princípio de rotatividade para os alunos de composição, pois um aluno não poderia escolher o mesmo professor em anos seguidos. O primeiro impacto foi determinante, sem dúvida. Foi um universo muito vasto que se abriu. Naquele tempo as licenciaturas eram de quatro anos (ou cinco, conforme os casos), do processo de Bolonha ainda nem se falava, e a Casa da Música ainda nem construída estava. Falo de cor mas no ano em que entrei foi provavelmente a única vez que se assistiu a uma turma de nove (!) alunos de composição. Foi uma experiência muito boa, estávamos todos virados para o mesmo e com muita força.
Destacaste músicos que muito admiro e quero também referir um outro nome que foi absolutamente determinante para a forma como encaro a análise musical e o ensino: Miguel Ribeiro-Pereira. É um dos grandes nomes que temos, um pensador para quem no centro do tanto que sabe está... a música. Tenho uma certa impressão de que referências assim, um certo tipo de perfil, uma mais elevada capacidade de reflexão e conhecimento começam a escassear no ensino superior de música em Portugal, e isso não é bom. Não por falta de gente capaz, felizmente, mas por outras razões. A academia está muito deteriorada pelas condições de acesso à carreira, pela estabilidade e condições de trabalho que se oferece aos professores, e pela massificação da procura sem uma serena consolidação da oferta. Cabe-nos a nós, músicos e profissionais da área, lutar contra isso. Ainda assim, conseguimos concretizar projetos e formar músicos que nada ficam a dever ao que se faz fora de Portugal.
Mais tarde, sob a orientação da compositora Sara Carvalho defendeste a dissertação: “O Ensino Aprendizagem da Análise Musical Através de Estratégias de Questionamento”. Foi desta convivência, no âmbito do Mestrado, que surgiu a possibilidade de trabalhares com Sara Carvalho na organização do ENCAPE 2016 - Encontro Nacional de Composição e Análise Musical: Perspetivas Educacionais?
Sim, foi com bastante naturalidade. Durante todo o processo de investigação-ação fomos abordando vários assuntos que acabaram por consistir em temas de que partilhamos perspetivas, tanto convergentes como divergentes. Assim nasceu a ideia de realizar um encontro provavelmente inédito desde que se deu a reforma de 1983 no ensino artístico. O ENCAPE 2016 acabou por resultar como esperado e até superou as expectativas, porque os diversos oradores deram um contributo formidável para o debate sobre o ensino da análise e da composição em Portugal, a duração pareceu-nos adequada e o público presente foi muito participativo e deu ótimas propostas. Há também que referir o compromisso e empenho da direção do Conservatório de Música de Coimbra para que o encontro se realizasse. Temos muitas ideias sobre o que fazer daqui em diante para dar continuidade a este debate, a este contributo. Porém, a principal é não apressar a repetição do ENCAPE. O principal defeito deste tipo de iniciativa é o risco de ser inconsequente e não queremos que isso aconteça. Este ano estamos a preparar a publicação do Livro de Atas do ENCAPE 2016. Quando esse trabalho estiver concluído vamos estudar o que fazer a seguir, com calma e assertividade.
O ensino de música é outra área sobre a qual te tens debruçado ao nível da investigação. O que tens feito neste âmbito e a que conclusões tens chegado?
Comecei a interessar-me por uma linha de investigação através da minha amiga Maria Antónia Costa Reis, que já havia realizado trabalho sobre o questionamento. Descobri que é um assunto com enorme validade no ensino da música e que merece ser estudado. Acabou por ser um campo em que revi muitas das minhas opções pedagógicas. Resumidamente consiste no estudo das questões e dos diversos fatores que se relacionam com uma aprendizagem mais reflexiva. As conclusões são sempre arriscadas mas posso afirmar com segurança que devemos ensinar a pensar, a refletir, em vez de seguir uma matriz meramente reprodutiva do conhecimento. Os alunos não estão habituados a debater, a colaborar, a argumentar! No centro de tudo isto, estão as questões: o tipo de perguntas, a dificuldade cognitiva das perguntas, o tempo de espera pelas respostas, a forma como o professor encara e direciona a resposta, entre muitos outros aspetos. Uma conclusão aparentemente óbvia mas gritante quando vemos os resultados é esta relação direta: quanto melhores as perguntas do professor, melhores as perguntas do aluno, mais capacidade o aluno tem para fazer melhores perguntas. E tudo isto ensina-se, não resulta do carácter do aluno nem do professor, através de mecanismos e técnicas que ajudam qualquer professor a estar mais à vontade com um contexto educativo não centrado na sua autoridade. Estaremos a formar pessoas com muito mais competências e autonomia. A aprendizagem musical também partilha destes princípios e tenho estudado os efeitos desta abordagem nas aulas de análise musical.
Acabas de lançar o teu site oficial. Quais os principais objetivos deste site? Funcionará como um catálogo das tuas composições? Haverá também espaço neste site para as tuas reflexões no âmbito da pedagogia musical?
O site tem como principal objetivo reunir as várias referências e ligações. Comecei a notar que o meu trabalho necessitava de um sítio centralizado onde toda a informação pudesse estar concentrada, pois até agora havia biografias, obras, gravações, edições, tudo espalhado por muitas páginas. Não aprecio particularmente o funcionamento dos websites em jeito de blogs ou de páginas de facebook. Se não pões um post durante uma semana, um mês, ou seja lá que tempo for, parece que não andas a fazer nada e isso não podia estar mais longe da verdade. Vivemos num tempo de imediatismo, de “headlines”, e não me identifico com isso. É aquela noção de promoção e publicidade que eu não ambiciono, como se por não ‘postares’ nada não estás artisticamente vivo. Faço a gestão da minha carreira sem pressões. Gosto de compor quando tenho algo a dizer e não acredito na inspiração. O que podem encontrar no site que agora lancei é um portfólio do meu trabalho que vai da composição à investigação. Neste campo o site serve principalmente como ligação para os diferentes trabalhos que vou apresentando, pois prefiro apresentar as minhas reflexões formalmente e não, como disse, ao jeito de “posts”. Tenho alguns textos que escrevi ao longo dos anos que são menos académicos, é verdade, mas ainda não decidi se opto por divulgar ou não. A seu tempo decidirei, se considerar que é pertinente. Além disso, tem também uma secção onde se podem ouvir diversas obras minhas e aceder aos sites para consulta e compra das partituras. Aproveito para convidar os leitores a visitar, conhecer e ouvir o meu trabalho.
Para ti foram importantes as colaborações com o Serviço Educativo (SE) da Casa da Música (CdM)? Que contributos te trouxeram estas experiências levadas a cabo entre 2005 e 2010?
Os contributos foram diversos e gostava de destacar um: o Curso de Animadores Musicais é para mim a atividade mais acertada que o SE da CdM tem, desde sempre. Porque a filosofia por trás dos vários projetos que ali se realizam podia ficar demasiado estanque ou demasiado exclusiva dentro das portas da CdM. Porém, com a formação de pessoas que valorizam um tipo de competências muito concretas para contextos educativos - digamos - um pouco mais informais, cumpre-se um dos propósitos de uma casa que tem um certo serviço público associado à sua natureza. Claro que o curso não procura emular tudo, mas está imbuído de uma filosofia e um espírito que se observam nas restantes atividades do SE. Tive a felicidade de frequentar o curso, logo o primeiro, e colocar em prática no SE, noutras atividades fora da CdM e inclusivamente nas minhas aulas de Análise e Técnicas de Composição. Os professores das disciplinas teóricas só têm a beneficiar de uma formação que os prepare para situações e contextos mais pragmáticos. Ou até os professores de música como um todo, têm muito a beneficiar ao perceber melhor como se processa a aprendizagem musical em atividades práticas e não só no que dizem os métodos, as escalas, ou os sistemas de análise. Há uma busca de sentido e de significado nisto tudo que me parece mais relacionado com gostar de música, gostar de aprender música, do que com a reprodução de umas peças nas audições de natal. Se não formos por aí, pelo lado do gosto pelo ensino e pela aprendizagem musical – sem comprometer um objetivo artístico elevado - vamos colocar em risco o que de bom nos trouxe a expansão do ensino da música a partir de meados da década passada.
És atualmente professor na Escola Artística do Conservatório de Música de Coimbra. A tua atividade neste contexto é muito intensa? Sobra o tempo necessário para que te dediques à composição?
Sobra sim, mas não tanto quanto eu gostaria. Dedico-me com muita intensidade ao ensino da música e também a outras questões relacionadas com o sistema de ensino. Além das componentes técnica e artística da música, interesso-me pelas vertentes filosófica, pedagógica, administrativa e legislativa do sistema e isso, confesso, leva-me algum tempo. Mas acredito que é por um bem maior, por uma causa. Os professores do ensino artístico são, geralmente, ora desconhecedores, ora indiferentes. Essa não é a minha postura, simplesmente não consigo ser indiferente. Além disso, somos muito críticos uns dos outros, não estamos habituados a um debate construtivo, ao confronto de ideias e a uma argumentação validada para construirmos um sistema de ensino artístico forte e de qualidade. Há diversas questões sobre as quais tenho algo a dizer e um contributo a dar. Sou defensor do ensino público, da expansão da rede pública, da revisão dos contratos de patrocínio para que mais alunos sejam beneficiários em vez da manutenção de interesses instalados e que se acabe com a exploração dos docentes. Não entendo como se pode exigir a um professor na área da música que seja bom professor e ao mesmo tempo atribuir-lhe tarefas de puro teor administrativo ou até de auxiliar, além de, claro está, ser bom músico! É uma situação inenarrável e torna as pessoas infelizes. Para mim, um exercício de poder com efeitos e reconhecimento está na filosofia de escola e não na planificação das aulas, nas atas de reuniões, ou nas inúteis horas das componentes não letivas. Uma outra situação tem a ver com o ensino profissional: todos falam e todos assobiam para o lado em simultâneo, mas o número de cursos profissionais que abriu por todo o país é, evidentemente, incomportável. Tornar acessível o ensino artístico especializado através do financiamento dos regimes articulado e integrado pareceu-me acertado (mantendo também o regime supletivo com financiamento total) para transformar a nossa sociedade mais culta, informada e artisticamente mais elevada, tanto com melhores profissionais como com mais amadores e entusiastas. Mesmo que isso seja educação artística misturada com ensino artístico especializado, já não é nada mau. Já o ensino profissional massificado, não se entende qual o enquadramento que tem. Acredito que com os anos haverá uma regulação automática entre a oferta e a procura desses cursos e estabilizará. Por isso, a composição acaba por conviver com estas problemáticas a que também me dedico.
Onde poderemos encontrar as tuas obras? Quais as editoras com que trabalhas atualmente?
Nunca tive uma preocupação muito grande com a publicação das minhas obras, talvez porque o mercado de compra e venda de partituras em Portugal seja muito residual, especialmente de compositores contemporâneos. Parece-me, no entanto, que essa situação está lentamente a mudar: surgiram algumas editoras com gente de grande valor e a apostar em projetos inovadores. Talvez levado também por isso acabei, nos últimos anos, por começar a dar mais atenção a esse aspeto. Tenho obras publicadas na AVA Musical Editions e na Libellus Usualis, encontrando-se prevista para muito breve a publicação do meu primeiro Quarteto de Cordas pelo Movimento Patrimonial Pela Música Portuguesa e o início da colaboração com o MIC - Centro de Investigação e Informação da Música Portuguesa. Além disso é possível encontrar algumas peças simples e arranjos no Sheet Music Plus, que é uma forma mais imediata de chegar a um outro público com um tipo de peças mais específico que não as obras principais. Aproveito também para dar um conselho aos compositores que tenham ideia de divulgar a sua música mas não se revejam na política de algumas editoras relacionadas com os direitos de autor: há alguns anos decidi experimentar colocar umas obras minhas no site que todos conhecem, o IMSLP, sob uma licença Creative Commons. Mais tarde surgiu a possibilidade de as publicar comercialmente numa editora que tem uma política de gestão dos direitos de autor na qual me revi, e então contactei o site para que fossem retiradas. Fiquei muito surpreendido com a atitude dos responsáveis do IMSLP ao referirem que, uma vez disponibilizadas no site, não as iriam retirar. Houve uma intensa troca de contactos e verificação de aspetos legais mas o assunto não teve o desfecho que eu pretendia. Neste caso em particular, a promoção e divulgação que resultaria da edição dessas obras perdeu-se e, aquilo que inicialmente pareceu uma forma interessante de promoção no IMSLP, acabou por ser prejudicial. Portanto, tenham muita atenção à divulgação das obras no mundo digital e às questões relacionadas com os direitos autorais.
O teu reportório contempla obras para coro, música de câmara, orquestra, colaborações em teatro, instalações e arranjos para diversas formações. Estas composições surgem a partir de encomendas específicas?
Surgem de tudo um pouco. Algumas são encomendas, outras são escritas para uma determinada situação, ou ainda compostas porque é o que me apetece escrever. Tenho apreciado todas as circunstâncias em que surgiu oportunidade de escrever e, mais importante, apresentar as obras. No meio artístico, vejo que muitas colaborações surgem de circunstâncias de camaradagem, de amizade, o que é ótimo e muito boa música é criada assim. No meu caso também há situações dessas, embora reconheça que muito poucas. Isso, na verdade, é um reflexo de caráter. Não tenho um caráter de me relacionar ou expor muito socialmente e tenho a convicção de que daí resultam menos encomendas, menos exposição mediática, menos solicitações. Estou muito confortável com essa opção e torna-me ainda mais agradecido pelos convites que tenho recebido. Ambiciono dar resposta a todos e mesmo que num momento não seja possível, noutro o será e o mais importante é que o resultado vá ao encontro dos objetivos da encomenda e dos meus princípios composicionais. Eu encaro a composição assim, confortavelmente ponderando cada novo projeto e o momento artisticamente mais relacionado com o estilo que quero escrever. Esta questão é talvez a mais importante. A minha música tem, naturalmente, muita influência de períodos e técnicas da chamada “música clássica”, ou “música erudita”, mas não posso nunca negar que tem um fortíssimo toque de um estilo de música popular diferente, de “música pesada” (risos). Eu comecei nas bandas e ouvia Metal bastante antes de começar o caminho e descoberta da “escola clássica”. Por isso, a minha música tem sempre um toque de profundidade e obscura luminosidade que vem daí, do Metal, e ao longo da minha carreira tenho procurado afinar e conjugar, cada vez melhor, esses dois mundos que adoro e me apaixonam. Não procuro soar a “Beethoven com distorção”, nem a metal-sinfónico, nem a Elend, nada disso. Procuro uma sonoridade que me defina e considero que ao longo dos anos o tenho conseguido cada vez mais, o que me deixa muito feliz.
Para além da carreira docente e no âmbito da composição ainda te dedicas a outros projetos?
Sim, ao longo dos anos tenho tido diferentes colaborações. Gostaria de destacar o Coro Anonymus, pois trata-se de algo mais do que um coro. Desde 2010 que tenho colaborado com regularidade passando por diversas funções, como maestro, como membro da direção, como cantor e também compondo. Identifico-me com os projetos que ali têm germinado, desde o “Cantar e Contar o Amor”, os “125 anos do Nascimento de Fernando Pessoa”, o “Maestros-Compositores”, entre outros. O Coro Anonymus dedica-se exclusivamente à execução de obras de compositores contemporâneos portugueses. Já estreou e encomendou inúmeras obras, contando com a dedicação de muitos dos meus colegas compositores. Claro que manter este tipo de atividade reduz em muito as solicitações para concertos e também faz com que a manutenção de um efetivo de coralistas seja mais desafiante. Mas com esforço e dedicação se tem conseguido conceber e desenvolver coisas que muito raramente se veem no panorama coral português.
Temos hoje muitos compositores portugueses a compor com regularidade e a fazer carreira nesta área. A que achas que se deve este crescimento?
Para mim, em primeiro lugar, tem a ver com determinação. Aprecio bastante ver as pessoas seguir aquilo de que mais gostam e seguir a sua ambição. Além disso, acabamos por seguir uma tendência global nesse sentido. Há também fatores que se relacionam com o sistema de ensino. Por um lado, no início do século houve algumas mudanças no ensino superior de composição que resultou num maior número de alunos a frequentar e também em mais professores. Por outro lado, um pouco mais recente, um crescimento muito significativo de alunos a frequentar os cursos secundários de música e a perceber que há diversas carreiras na música. Globalmente assistimos a um certo efeito de bola de neve desta expansão do ensino de música. Creio, ainda, que há outros fatores que são bastante mais determinantes. Há mais estruturas que fazem encomendas, há mais apoio para a exposição e circulação das obras, embora nos anos mais recentes algo se tenha retraído. Há também muitos intérpretes cada vez mais interessados em música nova. Porém, mantemos alguns problemas crónicos. Falta-nos uma rede nacional de concertos que conte sistematicamente com música nova. Falta evitar o que acontece na maioria das vezes, em que as obras são estreadas e depois nunca mais são ouvidas. Gravações online e CDs conseguem, hoje em dia, reduzir esse efeito, mas ainda assim persiste. Falta-nos bastante mais promoção e divulgação consequentes, especialmente nos meios internacionais que se ocupam da circulação de obras e compositores. Dependemos demasiado da iniciativa individual. Falta-nos escala para um mercado de compra e venda de partituras que efetivamente ajude a sustentar os músicos e a manter vivo o mercado de encomendas. Ninguém vive só de encomendas e também temos de encarar seriamente essa questão se queremos que as diferentes gerações de compositores que vão surgindo possam ganhar a vida e expressar-se livremente.
Muito obrigado pelo tempo que nos dedicaste. Tens projetos novos para lançar em breve?
Eu é que agradeço! Sim. Em breve será editado um CD do Coro Anonymus com duas peças minhas. Estou a escrever uma peça para o Ensemble MPMP que se destina também a um trabalho discográfico, e uma peça para quarteto de guitarras e coro para o Coro Autêntico, um projeto do maestro e compositor Gonçalo Lourenço. Fui convidado para apresentar a comunicação “A análise musical no ensino da música: desmistificar a disciplina através do questionamento” no 1º Congresso do Ensino Artístico Especializado da Fundação Calouste Gulbenkian. Estou também a desenvolver uma ação de formação com o nome “Técnicas de questionamento para professores: abordagens teórico-práticas sobre as questões no ensino-aprendizagem” cujo principal objetivo é apresentar o questionamento de forma que permita aos professores melhor compreender este tema, experimentando diferentes técnicas e mecanismos, e possivelmente replicá-los na sua prática educativa. Outros projetos que não posso ainda revelar serão oportunamente divulgados no meu site que convido a visitar: www.davidmiguel.pt.
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