Nuno Inácio. A flauta e o flautista: pedagogia e performance.

Nuno Inácio, a flauta e o flautista

Nuno Inácio: «Portugal continua a ser um país que não fomenta a cultura artística na formação das crianças. É um problema de base. É um problema governamental de falta de planeamento de uma cultura de criatividade artística que fizesse parte da formação escolar desde a pré-primária. Esta lacuna tem uma repercussão no comportamento dos públicos e na falta de interesse pela música clássica e pela boa música no geral. Quando se trata de algo desconhecido ou que nunca se conheceu, é mais difícil de se compreender e de ter uma atitude proactiva e de iniciativa pessoal para aprender uma nova forma de comunicação».

Nuno Inácio, a sua vida divide-se entre o palco e a sala de aula. As duas atividades “alimentam-se” entre si?
É um facto. As duas entidades complementam-se e alimentam-se. A minha atividade pedagógica advém de uma enorme experiência performativa e de muitos anos de formação com muitos Mestres, que também me transmitiram a sua experiência simbiótica entre a atividade concertista e a pedagógica. Ao ensinar os meus alunos revisito-me, tomo uma maior consciência de autoanálise e autocrítica. Devo-lhes muito porque aprendo imenso com eles. Ensinar é uma partilha. E a vida sem sentido de partilha é vazia.

Para além das aulas ainda há as masterclasses que ministra de norte a sul. Como consegue arranjar tempo para tantos momentos de partilha?
Felizmente dou muitos cursos ao longo do ano por todo país e também no estrangeiro. Algumas semanas da temporada de orquestra Metropolitana são preenchidas com atividade de música de câmara. De vez em quando tenho uma semana disponível para lecionar masterclasses. É algo que me fascina e que gosto muito de fazer!

Com que idade decidiu enveredar pelos caminhos do universo musical? A flauta foi sempre a primeira opção?
Tinha oito anos e comecei na banda da Ericeira. Foi-me atribuído um clarinete, mas depois de alguns dias a experimentar em casa, pedi à minha mãe que falasse com o maestro para me dar uma flauta. Foi um instrumento que me fascinou desde o primeiro instante, e tive a sorte de haver uma flauta disponível. Tudo começou assim.

Nuno Inácio, flauta, flautista

Quais os mestres que mais o marcaram no seu percurso formativo?
Todos sem exceção são parte integrante da minha personalidade artística e daquilo que hoje sou. Todos contribuíram para a formação de um músico, de um homem. Aquilo que determina a minha personalidade artística foi torneado por diversos fatores e muitos Mestres que tive a sorte de conhecer ao longo da vida, não só no meio musical. Tanto a minha passagem pela escola de música Luís António Maldonado Rodrigues, em Torres Vedras, como a minha licenciatura na Escola Superior de Música de Lisboa, o meu mestrado na Universidade Nova de Lisboa, os meus estudos no estrangeiro, as várias masterclasses que fiz com os maiores professores do planeta,... foi tudo muito importante.

Anthony Pringsheim, Fernando Fontes e Olga Prats são influências que ainda se espelham naquilo que faz diariamente?
Sem dúvida. Não podia deixar de ser de outra forma. Foram pessoas que se entregaram completamente partilhando e ensinando a sua vivência artística comigo. Isso é um fenómeno, uma dádiva, à qual estarei eternamente agradecido. Todos os professores que tive deixaram um pouco de si em mim e naquilo que hoje sou.

A sua passagem por Inglaterra foi um sonho concretizado? Vivenciar uma nova escola e conviver com outros músicos é algo que aconselha aos seus alunos?
A minha passagem por Inglaterra foi um momento muito importante na minha carreira académica. Foi um sonho concretizado estudar com alguém que é tido em conta como um dos maiores pedagogos do planeta e com uma experiência de dezenas de anos e centenas de alunos. O professor Trevor Wye foi um cunho fundamental no meu percurso. Conviver com colegas de outras culturas e países foi igualmente enriquecedor para me contextualizar e entender este mundo da música como um todo, que afinal é mais pequeno do que parecia.

Nuno Inácio, flauta, flautistaPassou por inúmeras orquestras mas atualmente encontra-se na Orquestra Metropolitana de Lisboa. A Metropolitana vive um bom momento?
A Metropolitana vive um bom momento. Tem uma excelente direção artística e a temporada tem uma organização apelativa e motivadora. Como qualquer outra entidade artística, a Metropolitana terá sempre espaço e humildade para querer e poder crescer. Neste momento aguardamos por um novo folego de músicos a ingressar na orquestra através das audições que faremos em dezembro. A orquestra tem alguns lugares por preencher e aguardo com expectativa a vinda de novos colegas. A minha atividade profissional na Metropolitana não se resume só à orquestra, mas também a uma intensa atividade docente onde me entrego com total dedicação aos meus alunos de flauta da Academia Nacional Superior de Orquestra. Tenho muito orgulho no trabalho aqui realizado, espelhado pelo grande sucesso que os meus alunos têm na continuação do seu percurso além-fronteiras e na ingressão no mercado de trabalho. Na ESML sou docente de Música de Câmara desde 1999. A Música de Câmara é a essência da comunicação entre músicos, e como tal deve ser bem aprendida e fomentada pois será das principais atividades na carreira de um músico. A MC está sempre presente em tudo o que se faz na performance musical, mesmo em concertos a solo! A comunicação, a partilha, a interação na música é algo que me fascina e que adoro ensinar.

Portugal continua a ser um país que dá pouco trabalho às orquestras?
Portugal continua a ser um país que não fomenta a cultura artística na formação das crianças. É um problema de base. É um problema governamental de falta de planeamento de uma cultura de criatividade artística que fizesse parte da formação escolar desde a pré-primária. Esta lacuna tem uma repercussão no comportamento dos públicos e na falta de interesse pela música clássica e pela boa música no geral. Quando se trata de algo desconhecido ou que nunca se conheceu, é mais difícil de se compreender e de ter uma atitude proactiva e de iniciativa pessoal para aprender uma nova forma de comunicação. Nós, músicos, temos uma missão pedagógica e didática importantíssima na sociedade que nos envolve. As orquestras em Portugal devem ter uma função apelativa para cativar os públicos que nunca tomaram contacto com esse fenómeno. Devíamos ter uma rede nacional de cultura que permitisse uma intensa atividade orquestral e musical para que se pudesse enriquecer a cultura musical portuguesa, sem exceção de território! Embora haja apoio, é pouco. Há muito trabalho a fazer. É uma questão de base, de cultura, de educação. O teatro, o cinema, a música, a dança, a pintura, são manifestações artísticas que moldam o ADN da cultura de um povo. Isto não pode ser negligenciado.

Mas para além da Orquestra Metropolitana atua noutros contextos ligados à música de câmara... Quais os projetos que abraça atualmente neste âmbito?
Integro vários projetos artísticos fora do âmbito da Metropolitana. Colaboro por exemplo com o Ensamble D'arcos e o Moscow Piano Quartet, e desde há vários anos que atuo em duo com o pianista Paulo Pacheco. Iniciei uma colaboração recente com harpista Carolina Coimbra depois de alguns recitais de música de câmara o ano passado, tocámos recentemente o concerto para flauta e harpa de Mozart com a OML sob a minha direção. Todos os anos costumo ter recitais com o cravista Marcos Magalhães onde abordamos exclusivamente repertório barroco para flauta e cravo.

Nuno Inácio, flauta, flautistaAlemanha, França, Espanha, Inglaterra, Dinamarca são países nos quais já se apresentou. Cada país tem públicos muito distintos. Há alguma história que o tenha marcado numa destas digressões?
De facto todos os países têm públicos diferentes e formas distintas de acolher a cultura musical. Também dependendo do evento em questão ou tipo de recital. Recordo por exemplo um recital muito interessante que fiz com o pianista Paulo Pacheco e o violoncelista Marco Pereira em Frankfurt, no âmbito de uma seleção europeia de jovens artistas com objetivo de atuar no Banco Central Europeu, integrando este festival. Foi extremamente gratificante, com um público altamente culto e com a presença da Sra. Medici, membro da família mais influente do ponto de vista cultural na Europa desde o século XVII! Um privilégio.
Outros recitais igualmente marcantes e muito peculiares são aqueles que ocorrem no âmbito de convenções internacionais de flautistas. São de uma enorme exigência, pois estamos a tocar para colegas que conhecem tudo acerca da flauta e da interpretação do repertório. Não sendo um recital, mas igualmente marcante foi a minha presença no concurso/audição internacional para primeiro flautista da Filarmónica de Berlim (2014) onde tive o privilégio de ter sido selecionado entre 20 candidatos para efetuar esta prova e ter deixado um pouco do meu som naquela sala magnífica da Filarmónica de Berlim. Foi o concurso mais exigente que fiz e fez-me crescer bastante!
No âmbito académico, fui recentemente convidado para lecionar na ESMUC (Escola Superior de Música da Catalunha), preenchendo algumas ausências pontuais do flautista Vicens Prats.

Em que consistiu a sua experiência em 2012 no âmbito da 8ª Convenção Internacional de Flauta da British Flute Society (Manchester)?
Foi extremamente marcante. Foi o meu primeiro recital numa convenção internacional de flautistas. Quando se é convidado para tocar uma convenção internacional, sobretudo uma tão conservadora quanto a da BFS, é sempre motivo de grande orgulho, motivação e responsabilidade!
Foi-me atribuído um horário de recital nobre, na maior sala do Royal Northern College of Manchester. Uma honra. Eu e o pianista Richard Shaw interpretámos exclusivamente repertório francês, e felizmente correu muitíssimo bem. Estas convenções são sempre rampas de lançamento para que conheçam o nosso trabalho, e a de Manchester foi muito importante.

De todos os prémios alcançados ao longo da sua carreira, há alguns que tenham um significado especial pelo momento, ou pelas circunstâncias em que foram conquistados?
O 1º Prémio no Concurso L'U.F.A.M, em França, foi o meu primeiro concurso internacional, quando tinha 21 anos. Foi um elemento motivador, embora não dê grande importância a competições...

Fernando Lobo, Eduardo Patriarca e Sérgio Azevedo dedicaram-lhe obras. O que sente um músico nestas circunstâncias?
Gratidão. Amigos, excelentes criadores que nos brindam com a sua arte, é uma grande honra!

Muito obrigado por toda esta partilha. Há projetos novos para breve?
No dia 15 de dezembro às 18:00 tocarei com o (enorme) Artur Pizarro a Sonata de Prokofiev, no salão nobre do teatro de S. Carlos.
Há várias masterclasses agendadas (Lisboa e Porto) e em maio de 2017 irei estrear o concerto para flauta e orquestra do Sérgio Azevedo, com a OML, sobre a direção de Pedro Neves.

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