Sofia Vitória. A elevação da música com palavras de Fernando Pessoa

Sofia Vitória

Sofia Vitória partilha com os nossos leitores um pouco do(s) seu(s) mundo(s). No centro da conversa esteve o seu novo trabalho “Echoes – Fernando Pessoa, English Poetry & Prose”, um disco dedicado à poesia e prosa escritas em inglês por Fernando Pessoa. «A minha principal preocupação não foi a de contactar bons compositores que escrevessem boas canções; a minha pergunta era: que compositores poderão, realmente, compreender este universo a fundo e dar-lhe vida na sua forma justa? E pensava: se Fernando Pessoa fosse músico e compositor, o que é que poderia ser a sua expressão musical? É claro que colocar este tipo de questões é, à partida, apontar para uma impossibilidade, sabemo-lo – todo o processo é altamente subjetivo e obviamente não existe isso da forma única ou ideal; mas foi, ainda assim, aquilo que me fez mover e dirigir o convite a cada um dos compositores – e tive a felicidade de contar com todas estas maravilhosas e generosas colaborações».

Muito obrigado por nos ter presenteado com esta partilha. “Echoes” é o seu novo trabalho discográfico. Como o caracteriza?
“Echoes – Fernando Pessoa, English Poetry & Prose” é um álbum dedicado à poesia e prosa escritas em inglês por Fernando Pessoa ao longo da sua vida. Pessoa estudou na África do Sul entre 1895 e 1905 e foi na língua inglesa que cresceu, que fez a sua aprendizagem formal, e que foi experimentando múltiplas formas, ensaiando a poesia dramática e tomando consciência de si próprio – numa procura constante da sua identidade e da sua relação com o mundo. Esta faceta de Pessoa tem permanecido quase esquecida, sendo que a sua importância para a compreensão, nomeadamente, do processo heteronímico é fundamental. E esta questão da identidade e do desdobramento – que eu relaciono diretamente com as questões da morte e do renascimento – é, creio, a questão base para a tentativa de entendimento do nosso lugar dentro de nós, do relacionamento com o(s) outro(s) e da nossa relação com o universo. Para este disco foram selecionados textos de Pessoa ortónimo, assim como de outras figuras criadas por si que escreveram em inglês, como Alexander Search, Charles Robert Anon, Karl P. Effield, Jacob Satan e Henry More.

Musicar Fernando Pessoa era um sonho antigo? Foi algo que ficou enraizado desde a sua participação no “Poema Bar”?
Fernando Pessoa esteve muito presente na minha adolescência, sobretudo através da poesia dos seus heterónimos Ricardo Reis, Alberto Caeiro e Álvaro de Campos; e também da poesia de Pessoa ortónimo. O meu pai era poeta e interessava-se por muitos dos assuntos pelos quais Pessoa também se interessou, como a Astrologia, a Psicologia ou a Grafologia – e, talvez também por isso, o que eu lia (e pressentia) nos textos pessoanos sempre me fez sentir em casa. Depois seguiram-se vários anos em que apenas li Pessoa muito pontualmente, pelo que o convite, em 2011, para participar no Poema Bar (um recital de poesia luso-brasileiro dedicado a Pessoa e Vinicius) foi uma oportunidade de visitar novamente o universo pessoano e, especialmente, de me aperceber do tanto que ainda havia por descobrir. Foi, precisamente, numa pesquisa que fiz relacionada com o Poema Bar que tomei contacto com as últimas palavras escritas em vida por Pessoa (“I know not what tomorrow will bring.”) e que se instalou em mim – mais do que uma vontade – uma enorme necessidade de fazer nascer este disco.

O projeto “Poema Bar” com o ator brasileiro Alexandre Borges, o pianista português João Vasco e a cantora brasileira Mariana de Moraes continua vivo?
Continua, sim: celebrámos cinco anos de recital no passado mês de outubro, numa apresentação que teve lugar no Rio de Janeiro.

Sofia Vitória, Echoes (CD Cover)Pode apresentar-nos os músicos que percorreram consigo os trilhos deste “Echoes”?
O primeiro músico que convidei foi, naturalmente, o Luís Figueiredo – pelo facto de já termos um CD gravado em parceria e de haver entre nós um enorme entendimento musical. Neste disco o Luís contribui como produtor, arranjador, compositor e músico (teclados). Convidei depois o Joel Silva, com quem também já havia trabalhado, e que é o meu baterista de eleição. Seguiram-se os convites ao José Peixoto (guitarra clássica) e ao António Quintino (contrabaixo) – que, para além de serem músicos que muito admiro, já tinham um disco gravado em parceria. Portanto, entre uns e outros, já havia trabalho de vários anos desenvolvido para trás, o que tornou tudo muito fácil e orgânico. E, finalmente, convidei o Eduardo Raon (harpa e guitarra elétrica). Já nos conhecíamos, mas nunca se tinha proporcionado tocarmos juntos, e senti que seria o elemento-chave para complementar a sonoridade e a estética que idealizava para este trabalho.

Amélia Muge, António Zambujo, Daniel Bernardes, Edu Mundo, Joana Espadinha, João Hasselberg, João Paulo Esteves da Silva, José Mário Branco, José Peixoto, Luís Figueiredo, Mário Laginha e Paula Sousa ajudaram-na a adornar as palavras de Pessoa. Como surgiram todas estas oportunidades? Desafiou-os um a um?
A minha principal preocupação não foi a de contactar bons compositores que escrevessem boas canções; a minha pergunta era: que compositores poderão, realmente, compreender este universo a fundo e dar-lhe vida na sua forma justa? E pensava: se Fernando Pessoa fosse músico e compositor, o que é que poderia ser a sua expressão musical? É claro que colocar este tipo de questões é, à partida, apontar para uma impossibilidade, sabemo-lo – todo o processo é altamente subjetivo e obviamente não existe isso da forma única ou ideal; mas foi, ainda assim, aquilo que me fez mover e dirigir o convite a cada um dos compositores – e tive a felicidade de contar com todas estas maravilhosas e generosas colaborações.

O facto de ser licenciada em Ciências da Comunicação tem ajudado nesta caminhada artística? Rentabiliza as suas diferentes formações académicas no sentido de se tornar uma artista mais completa e polivalente?
Tudo ajuda a tudo, tudo leva a tudo. Até aquilo que sentimos que não ajuda, ajuda, porque está tudo ligado. As formações académicas são coisas a que fazemos menção porque nos pedem biografias e currículos, mas a caminhada artística é a caminhada da vida – estão juntas, são a mesma coisa.

Então podemos dizer que o piano clássico, o jazz e a comunicação se mesclam criando o “todo” que é a Sofia Vitória?
São algumas das coisas que me nutriram, sim, assim como as paisagens do Alentejo, as caminhadas pela Serra da Arrábida, o mar, o sorriso do meu sobrinho, o silêncio; tudo isto me inspira e confere significado à minha vida.

Ivan Lins, Alexandre Frazão, Bruno Pedroso, Carlos Barretto, César Cardoso, Diogo Duque, Guto Lucena, João Custódio, João Moreira, João Paulo Esteves da Silva, João Rijo, João Vasco, Joel Silva, José Menezes, José Salgueiro, Júlio Pereira, Júlio Resende, Lars Arens, Luís Cunha, Luís Figueiredo, Mário Franco, Miguel Veras, Paula Sousa, Ricardo Toscano, Rui Teixeira, Vasco Agostinho e Yuri Daniel são alguns dos nomes com quem já partilhou o palco. Quais os nomes que gostaria de juntar a esta imensa lista?
Há muitos nomes que não estão nesta lista e que foram e são igualmente importantes - agradeço a cada um dos músicos com quem tive a alegria de partilhar música -, mas não existe em mim essa vontade per si de vir a tocar com músicos específicos. Sinto, sim, que existem algumas coisas que quero poder dizer antes de morrer, e a música (também) serve esse propósito.

Quando ouve os temas agora gravados e os contrapõe com o trabalho “Sofia Vitória & Luís Figueiredo - Palavra de Mulher” sente a evolução e a maturidade musicais conquistadas entretanto?
Fernando Pessoa, numa carta que escreve a Adolfo Casais Monteiro, em 1935, diz: “(...) não evoluo, VIAJO.” – e é assim, também, o meu entendimento sobre o caminho que vamos percorrendo. Tenho, aliás, a convicção de que toda a estrada que percorremos nos conduz ao lugar de onde partimos.

Muito obrigado por este tempo que dedicou aos nossos leitores. Quais os projetos que ainda não teve oportunidade de concretizar? Há algum que gostasse de ver materializado em breve?
Eu é que agradeço o convite. Na minha cabeça existem vários projetos, e todos concretizados; na prática, estou, neste momento, a desenvolver dois – que serão diferentes entre si e daquilo que fiz até agora. Pessoa diz, em “Erostratus”: “(...) variety is the only excuse for abundance. No man should leave twenty different books unless he can write like twenty different men. (...) if he can write like twenty different men, he is twenty different men, however that may be, and his twenty books are in order. ” – pelo que, quem sabe, tudo isto talvez venha a fazer um sentido qualquer quando ou se daqui a uns bons anos puder olhar para trás.

Sofia Vitória. A elevação da música com palavras de Fernando Pessoa
Nota: A presente entrevista respeita o Acordo Ortográfico. Caso a mesma fosse transcrita pela nossa entrevistada, tal não aconteceria.

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