Dan Costa. A carreira do pianista e a Suíte Três Rios.
Dan Costa falou-nos do disco que vem aí e que tem como título “Suíte Três Rios”. O nosso entrevistado reflete naturalmente uma imensidão de influências que em si surgem como algo muito natural. Contactou e contacta de perto com alguns dos grandes nomes da música em geral e do jazz em particular, mas nem toda a música o impressiona. «Talvez seja pela minha própria natureza mista que tenha sempre a necessidade de arranjar meios para me enriquecer culturalmente e por consequência tentar contribuir, dando aquilo que recebo. Embora seja um grande prazer trabalhar com diversos músicos, não posso dizer que esteja aberto a qualquer abordagem musical. Toca-me a música que comunica grande sensibilidade, que reflete uma vivência, espelhando-a da forma mais transparente e sincera possível».
Dan Costa, como caracteriza este trabalho discográfico que será lançado no dia 17 de julho?
“Suite Três Rios” surgiu de uma forma muito natural aquando da minha estadia no Brasil, onde vivi de 2012 a 2013. É um olhar pessoal sobre determinados elementos do universo rítmico brasileiro, cruzados com o jazz e a música clássica, que foram importantes no meu percurso. Este meu primeiro álbum, gravado no Rio de Janeiro este ano, também reflete a minha ligação com a natureza, uma vez que o nome (título) tem a sua inspiração no “encontro das águas” na Amazónia, marcado pelo encontro do Rio Negro com o Rio Solimões. As minhas próprias origens refletem uma confluência de culturas no seio do contexto europeu, que influenciaram este trabalho e a minha forma de sentir e viver.
O disco conta com convidados de peso. Pode apresentar aos nossos leitores o elenco que compõe este álbum?
Foi um prazer poder contar com a participação da Leila Pinheiro, cantora que sigo desde tenra idade e cuja expressividade vocal marcou a quarta faixa do álbum, o único tema cantado que tem por nome simplesmente “Bossa Nova”. Inicialmente esse tema era instrumental e precisava de um letrista, mas a resposta positiva ao meu convite por parte da Leila me deu o impulso para ser eu próprio o autor da letra. De seguida contatei o saxofonista de São Paulo, Teco Cardoso, que contribuiu com um belo solo na “Modinha”, e, mais tarde, o aclamado violoncelista Jaques Morelenbaum, que toca na primeira faixa do álbum, que termina com um improviso piano-sax-violoncelo. O guitarrista Ricardo Silveira ajudou na recolha dos restantes músicos – o saxofonista Marcelo Martins, o trombonista Vittor Santos, o contrabaixista Alberto Continentino e o Rafael Barata, baterista que conheci em Espanha no ano passado. O percussionista Marcos Suzano, que participou em grande parte dos grandes álbuns brasileiros, tocou no “Baião” como convidado especial.
Aquilo que agora ouvimos é certamente fruto de um amadurecimento e de um percurso académico e performativo. Como foi esse percurso? Quais as principais instituições por onde passou?
Inicialmente estudei música clássica no sul da França, onde passei a minha adolescência. Durante esses 6 anos já tinha interesse pela improvisação, mais especificamente pelo jazz e a música brasileira, tanto assim que o primeiro tema de jazz em que improvisei, aos 14 anos, foi “O Barquinho” do Roberto Menescal. Também havia, não obstante, interesse pelas origens portuguesas, que me fizeram mergulhar no universo do Fado. O meu interesse por estilos um pouco mais comerciais, principalmente oriundos do meu país natal, a Inglaterra, levaram-me a uma candidatara à escola LIPA do Paul McCartney, onde acabei por ficar. Não me identifiquei muito, porém, com a música que lá se fazia, uma vez que ansiava pelas cores ricas do jazz e os ritmos brasileiros – por ironia do destino, ao ingressar na ESMAE, no Porto, foi-me dada a possibilidade de fazer um período de intercâmbio na UNICAMP, São Paulo, no Brasil, onde musicalmente me senti mais em casa.
Então Portugal acabou por fazer parte da sua rota no âmbito da formação...
Sim, principalmente quando mergulhava no universo fadista, que constitui, a meu ver, um dos palcos principais da poesia portuguesa, principalmente a partir da Amália e posteriormente do Carlos do Carmo. Acabei por apresentar, também, um projeto de fado cantado com piano e guitarra em palcos como a Casa da Música, em 2009. No âmbito académico, foi na ESMAE no Porto que me diplomei em jazz em 2014.
Sabemos que conquistou um diploma de mérito em “modern music performance” no Sir Paul McCartney’s Liverpool Institute for Performing Arts in the UK. Este reconhecimento foi muito importante para o Dan?
Foi sim, mas foi ainda mais significativo o convite para ficar mais tempo. Decidi não seguir esse caminho devido aos meus interesses musicais, como explicava há pouco. A experiência nesse mundo permitiu-me, porém, conhecer músicos de vários países com os quais ainda estou em contato. Foi também o palco de vários projetos nos quais participei, trabalhando com diversas bandas e na produção de musicais.
Neste âmbito do reconhecimento académico houve outras conquistas que o tenham marcado?
Talvez a mais inesperada tenha sido o prémio concedido pelo Rotary Club como melhor aluno da Escola Superior de Música Artes do Espetáculo, no ano passado. Eu não sabia dessa prémio – e aparentemente os meus colegas também não – por isso foi uma surpresa agradável, principalmente pelo que a ESMAE representa no ensino do jazz, mas principalmente pelo prémio ser baseado em resultados académicos num curso prático e não depender de um júri.
O facto de ter estudado música na UNICAMP - Universidade Estadual de Campinas (São Paulo, Brasil) marcou-o ao ponto de querer muito gravar um disco no Brasil?
A música brasileira sempre esteve presente na minha vida. Em Londres, a minha mãe colocava discos do Jobim e outros e eu ia sempre procurar “A Turma do Funil” – não me cansava de ouvir essa canção. Claro que estudar num centro de pesquisa como a UNICAMP permitiu-me entrar nesse mundo popular e também conhecer os grandes artistas eruditos, como Villa-Lobos, Camargo Guarnieri e Radamés Gnattali, que adaptaram a vivência do povo local a um universo de raiz europeia.
Kevin Hays, Scott Colley, Kurt Rosenwinkel, Jorge Rossy, Chick Corea e César Camargo Mariano são alguns dos nomes onde foi “beber” conhecimento. Sente que cada uma dessas experiências, presenciais ou não, se espelha na música que compõe?
Esta pergunta é um pouco difícil de responder, uma vez que todos nós músicos espelhamos uma amálgama de influências. Diria que o César Camargo Mariano teve o seu impacto no contexto da interpretação da música popular brasileira para piano – principalmente samba e choro. Em termos de linguagem norte-americana, já têm comparado alguns elementos ao Chick Corea mas também ao Keith Jarrett, que nunca tive o prazer de conhecer. Continuo a ser apreciador da guitarra de Kurt Rosenwinkel, mas também de Lage Lund.
A sua convivência com tantos e tão prestigiados músicos, bem como a sua passagem, em trabalho, por países como o Reino Unido, França, Finlândia, Alemanha, Espanha, Grécia e EUA, fazem do Dan um músico mais completo e com uma maior abertura às diferentes abordagens musicais?
Acredito que sim. Talvez seja pela minha própria natureza mista que tenha sempre a necessidade de arranjar meios para me enriquecer culturalmente e por consequência tentar contribuir, dando aquilo que recebo. Embora seja um grande prazer trabalhar com diversos músicos, não posso dizer que esteja aberto a qualquer abordagem musical. Toca-me a música que comunica grande sensibilidade, que reflete uma vivência, espelhando-a da forma mais transparente e sincera possível.
“Suíte Três Rios” sairá em digressão pelos palcos mundiais?
Novidades estarão disponíveis em breve no meu site, onde também será possível ver um documentário relacionado com o disco.
Muito obrigado pela atenção que dedicou aos nossos leitores. Tem já outros projetos para sair da gaveta em breve?
Surpresa! (risos)
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