Ricardo Pinheiro: «Hoje em dia temos em Portugal bons cursos de Jazz»
O guitarrista Ricardo Pinheiro revelou ao XpressingMusic as suas experiências pedagógicas e performativas. Tem tocado com os mais prestigiados músicos dizendo-nos que também estas vivências se constituem como momentos pedagógicos. «Desencadeia-se pois um novo processo pedagógico que complementa a nossa vivência académica. Nestas alturas, aquilo que aprendemos academicamente passa para o inconsciente e a criatividade ganha um lugar primordial no processo musical. Este novo processo de aprendizagem é agora mais pragmático e empírico, e torna-se fundamental na construção da nossa personalidade artística. Não há nada como pormos em prática, e com os melhores, aquilo que desenvolvemos teoricamente, mas que, sem uma roupagem artística, não nos serviria de nada. Em suma, são estes encontros que verdadeiramente permitem aos músicos exprimirem-se e partilharem em conjunto uma experiência única e transcendente».
Ricardo Pinheiro, muito obrigado por ter aceitado o nosso convite para esta entrevista. A sua formação foi realizada em diversas instituições de ensino portuguesas e no estrangeiro. Considera importante que o conhecimento advenha do maior número de fontes possível? É essa variedade de informação que o torna um músico e um investigador mais completo?
Certamente. O nosso percurso académico, musical, e pessoal é enriquecido pelas experiências pelas quais passamos. Para além daquilo que aprendemos curricularmente, ou seja, em formato de "matéria", torna-se fundamental conhecermos pessoas e partilharmos opiniões e experiências. Desta forma, o conhecimento é construído através de um conjunto de variáveis que potenciam o nosso crescimento, pelo que reconheço nas experiências pelas quais passei algo de fundamental na construção daquilo que sou hoje. Posto isto, e a meu ver, quanto maior o número de fontes de conhecimento, maior o nosso crescimento pessoal.
Há nomes que estejam evidentemente gravados neste seu percurso formativo? Pode partilhar alguns com os nossos leitores?
Fui marcado por várias pessoas. O meu primeiro professor de guitarra, Vasco Agostinho, transmitiu-me valores como o rigor no estudo e a importância de adotarmos uma atitude de seriedade e entrega total relativamente àquilo que estamos a desenvolver. Nos Estados Unidos tive a sorte de aprender com pessoas inspiradoras como Mick Goodrick, George Garzone, Bret Willmott, Ken Pullig, Ed Tomassi, entre outros. Outas pessoas com quem tive a oportunidade de contactar como Mark Turner, Peter Bernstein, ou David Liebman também foram fundamentais no meu percurso. Estas pessoas transmitiram-me não só as fundações ou tradições da música, como também me mostraram o futuro. Levaram-me a perceber a multiplicidade de possibilidades que a minha música poderia alcançar. Também fui inspirado por vários colegas meus que na altura frequentaram a Berklee, tais como Albert Sanz, Kendrick Scott, David Doruzka, Lionel Loueke, Marco Panascia, entre muitos outros.
Já em pequeno a guitarra era o seu instrumento de eleição?
Sim. Toquei órgão, mas durante pouco tempo. Comecei a tocar guitarra na escola, com cerca de 13 ou 14 anos. Toquei muito Rock e Heavy Metal. Fui autodidata até aos 18 ou 19 anos, altura em que entrei para a escola do Hot Clube e para o Conservatório Nacional. Aprendi muito sozinho, mas o estudo sistemático ajudou-me a fazer alguns atalhos e a ser inspirado por professores e outros alunos.
Aconselha aos seus alunos práticas semelhantes àquelas que protagonizou ao longo da sua carreira académica? Considera que a passagem por Universidades como, por exemplo, o Berklee College of Music pode abrir outros horizontes para aqueles que agora iniciam as suas aprendizagens de uma forma mais metodizada?
Na altura em que comecei não havia licenciaturas em Jazz em Portugal. Eu e outros músicos mais ou menos da minha geração como o André Matos, André Fernandes, Gonçalo Marques, Joana Machado, os irmãos Moreira, ou a Andreia Pinto Correia, não tivemos outra hipótese senão ir estudar para os Estados Unidos. Hoje em dia temos em Portugal bons cursos de Jazz que permitem aos alunos desenvolver todas competências necessárias para se tornarem muito bons músicos. O meio é cada vez mais competitivo e o nível dos músicos é cada vez mais alto. Isto deve-se, em parte, a estas licenciaturas. Nós, na Universidade Lusíada de Lisboa, levamos esta responsabilidade muito a sério. Organizamos palestras e masterclasses com professores e músicos estrangeiros de referência, que conferem aos nossos alunos experiência internacional. Algumas destas ações formativas incluíram masterclasses com Kurt Rosenwinkel, Dave Holand, Joe Lovano, Richard Bona, Mark Turner, Miguel Zénon, Gregory Hutchinson, Aaron Goldberg, Reuben Rogers, Eric Harland, Robin Eubanks, Stefon Harris, entre muitos outros. Há aqui uma outra questão importante: a cidade de Lisboa tem uma intensa atividade cultural, o que não acontece em muitas cidades europeias que não são capitais. Há muitos concertos de jazz, jam sessions e outros eventos que fazem de Lisboa, a meu ver, uma das melhores cidades para se estudar jazz. Com isto não quero dizer que a experiência de vida fora de Portugal não possa ser também valiosa.
A sua carreira divide-se entre a pedagogia, a composição e a performance. Quais os “palcos” que pisa em cada uma destas áreas?
Sou docente e coordenador da licenciatura em Jazz e Música Moderna da Universidade Lusíada de Lisboa. Este é o meu principal 'palco'. Também leciono na Escola Superior de Música de Lisboa e sou coordenador da linha de investigação em Estudos de Jazz no Instituto de Etnomusicologia da Universidade Nova de Lisboa, instituição onde me doutorei em 2008. Para além da atividade docente, toco regularmente em projetos como o Quinteto de Ricardo Pinheiro, o projeto Liebman/Laginha/Ineke/Cavalli/Pinheiro, Miguel Amado Group, o projeto Triology, e o projeto Cinema&Dintorni. Todos estes projetos têm discos editados. Gravei também recentemente com o saxofonista Americano John Gunther, o pianista Holandês Mike del Ferro, o contrabaixista Massimo Cavalli e o baterista Bruno Pedroso. Muitos destes projetos têm composições minhas. Para além disto, participo em conferências internacionais onde apresento os meus trabalhos de investigação (alguns deles publicados em revistas científicas como a Jazz Research Journal, a Acta Musicologica, ou a Interntional Review for the Aesthetics and Sociology of Music). Já apresentei os meus trabalhos em países como a Áustria, Holanda, Dinamarca, Espanha, África do Sul, Estados Unidos da América, Suíça, Itália, Estónia, entre outros.
Portugal é hoje em dia um bom país para estudar jazz? Muita coisa tem mudado nos últimos anos?
Sim. Conforme já referi, Portugal é um ótimo país para estudar jazz, sendo Lisboa e Porto as cidades com maior atividade nesta área.
Ao longo da sua carreira tem conquistado prémios, bolsas e outros reconhecimentos de peso. Há alguns que recorde com maior carinho, ou que assumam um significado mais relevante atendendo aos momentos em que foram alcançados?
As bolsas ajudaram-me muito no meu percurso académico. Tive a sorte de ser bolseiro, em momentos diferentes, do Berklee College of Music, do Centro Nacional de Cultura e da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento. Sem estas ajudas não teria tido condições para estudar no âmbito da licenciatura e do doutoramento. Devo muito a estas instituições. Lembro-me com algum carinho do prémio de investigação Berger/Carter Jazz Research Fund que me foi atribuído pelo Institute of Jazz Studies da Rutgers Univerity, Estados Unidos, em 2004. Tenho pena que, cada vez mais, seja difícil receber este tipo de ajudas que são fundamentais para que os jovens possam prosseguir nos seus estudos.
O Ricardo já tocou e gravou com nomes como Peter Erskine, Chris Cheek, Mário Laginha, Matt Renzi, Jon Irabagon, Bernardo Moreira, Albert Sanz, Remix Ensemble, André Sousa Machado, Dave Carpenter, João Moreira, João Paulo Esteves da Silva, Nelson Cascais, Alexandre Frazão, Demian Cabaud, Marco Panascia, Gary Moore... Estas experiências também têm o seu lado pedagógico?
Certamente. A experiência resultante da interação com estes músicos contribui para unificar as vertentes académica e artística. Desencadeia-se pois um novo processo pedagógico que complementa a nossa vivência académica. Nestas alturas, aquilo que aprendemos academicamente passa para o inconsciente e a criatividade ganha um lugar primordial no processo musical. Este novo processo de aprendizagem é agora mais pragmático e empírico, e torna-se fundamental na construção da nossa personalidade artística. Não há nada como pormos em prática, e com os melhores, aquilo que desenvolvemos teoricamente, mas que, sem uma roupagem artística, não nos serviria de nada. Em suma, são estes encontros que verdadeiramente permitem aos músicos exprimirem-se e partilharem em conjunto uma experiência única e transcendente. Digo sempre aos meus alunos que tocar em conjunto é estabelecer uma relação artística íntima e, ao fim ao cabo, trata-se de dar e receber amor.
Há poucos dias assistimos a um concerto no qual tocava com o Miguel Amado. Como tem corrido esta experiência?
Muito bem. É um enorme privilégio estar envolvido no grupo do Miguel. Trata-se de música muito bem escrita, muito orientada para o ritmo, desafiante, e na qual participam grandes músicos. O disco "The Long Rest" (Sintoma Records) foi lançado no auditório da Fundação Oriente no passado dia 16 de junho e tem sido alvo de excelentes críticas.
Há projetos pessoais para lançar em breve?
Recentemente foram editados dois discos: o disco "Is Seeing Believing?" do projeto Liebman/Laginha/Ineke/Cavalli/Pinheiro (Daybreak/Challenge Records) e o disco "The Long Rest" (Sintoma Records) do Miguel Amado Group. Nas próximas semanas sairá um disco do projeto Radio Orchestra (Ricardo Pinheiro e Jorge Moniz), e nos próximos meses o disco Gunther/Pinheiro/Cavalli/Pedroso/Del Ferro gravado recentemente.
Mais uma vez, muito obrigado. Onde poderão os nossos leitores ouvi-lo nos próximos tempos?
Obrigado eu. Irei atuar nos próximos dias 15, 22, e 29 de julho em Évora, Viseu e Castelo Branco, respetivamente. O primeiro será com o Massimo Cavalli, João Paulo Esteves da Silva e Joel Silva, e os dois últimos com o Grupo do Miguel Amado.
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