Desidério Lázaro. O Jazz e um sax mais improvisador do que em ensemble.
Desidério Lázaro não se sente muito atraído pelo trabalho em contexto de orquestra pois, como nos disse, não gosta de estar sentado. Neste âmbito revelou: «sinto-me mais como um improvisador do que como um músico de ensemble. No entanto tive o privilégio de tocar em boas orquestras. Para além das orquestras das escolas por onde passei, também toquei com a orquestra do Hot, Reunion, um par de temas com a de Matosinhos, e mais uma ou outra». Quanto às masterclasses e outras formações com reputados nomes da música, revela-nos que muitas não têm o interesse esperado. «Na maior parte das vezes os músicos estão cansados, vieram de viagem, e acabam por falar muito do lado pessoal da carreira. É importantíssimo, claro, mas depois de ver 10 ou 15 iguais começa a perder a piada. (...) Continuo a achar que a música, esse universo místico e curioso, comporta uma viagem exclusivamente individual e individualista e, como tal, resulta da audição de discos, concertos e do que daí foi retirado pelo indivíduo. Tudo o resto são teorias».
Agradecemos desde já o facto de ter aceitado o nosso desafio para esta partilha com os nossos leitores. O início da sua formação passou pela música clássica, tendo inclusivamente feito parte de orquestras e até bandas filarmónicas. Nesse tempo era a única alternativa para aqueles que se queriam dedicar aos sopros?
Nunca pensei em música circunscrita em géneros, nem em pequenino nem hoje em dia, já adulto. Mas na altura queria ser clarinetista numa orquestra, esse era o meu sonho.
Quando sentiu o chamamento do jazz?
Quando ouvi o “Blue Train” do John Coltrane, esse disco fez-me querer inclusivamente mudar-me para o sax tenor.
Paulo Gaspar e Pedro Moreira foram, em certa parte, responsáveis pela sua adesão de “corpo e alma” a uma carreira no universo do jazz?
Claramente. Paulo Gaspar apanhou-me a meio do sonho da música clássica e serviu de ponte para o jazz. Depois segui com o Pedro Moreira, excelente professor.
Ir para Amsterdão, mais especificamente para o Conservatorium van Amsterdam, estudar com Ferdinand Povel, Jasper Blom e Dick Oatts foi, na altura, um sonho tornado realidade? O que absorveu de cada um destes mestres?
Foi uma tremenda experiência, viver na Holanda. O ensino é fantástico e cada um dos professores tinha muito a ensinar. O que mais retive de todos foi o respeito pela música tonal. O ensino jazzístico lá é bastante tonal e incide sobre o aprimoramento do ouvido.
Paralelamente ao seu crescimento enquanto performer foi crescendo o desejo de compor? Foi esse desejo que o levou a fundar os seus próprios grupos?
Sem dúvida, a vontade de compôr acaba por sugerir o resto.
Tocar no contexto de Big Band, também é algo que o fascina? Que experiências já abraçou nestes contextos?
Dentro da música jazz, já me fascinou mais. Não gosto de estar sentado, por um lado, e sinto-me mais como um improvisador do que como um músico de ensemble. No entanto tive o privilégio de tocar em boas orquestras. Para além das orquestras das escolas por onde passei, também toquei com a orquestra do Hot, Reunion, um par de temas com a de Matosinhos, e mais uma ou outra.
David Binney, John Clayton, John Taylor, Peter Bernstein, Joe Lovano, Greg Tardy, Larry Goldings e Chris Potter são alguns dos nomes com os quais já teve oportunidade de trabalhar no âmbito de workshops e masterclasses. Considera importante esta partilha com tão grande número de mestres? É uma forma de absorver diversas correntes e criar um estilo singular?
Depende muito de quem vem falar. Na maior parte das vezes os músicos estão cansados, vieram de viagem, e acabam por falar muito do lado pessoal da carreira. É importantíssimo, claro, mas depois de ver 10 ou 15 iguais começa a perder a piada. Mas algumas foram bem interessantes. Continuo a achar que a música, esse universo místico e curioso, comporta uma viagem exclusivamente individual e individualista e, como tal, resulta da audição de discos/concertos e do que daí foi retirado pelo indivíduo. Tudo o resto são teorias.
2010 foi o ano de lançar algo em nome próprio. “Rotina impermanente” traduz o seu estado de espírito naquele momento?
Traduzem sempre o estado do momento, os discos, as composições... Nesse primeiro encontrava-me numa depressão profunda, foi o meu escape para sair dela.
“Samsara” teve um sabor especial tendo em conta que o facto de ser editado por uma editora da qual é co-fundador?
De certa forma, sim.
“Cérebro: Estado Zero” é um título que reproduz o que sentia após a conclusão do seu Mestrado em Jazz Performance na Escola Superior de Música de Lisboa (risos)?
Está diretamente relacionado com a prática de meditação que mantenho, intermitentemente mas com regularidade, há alguns anos.
Quais os projetos que integra atualmente?
Dentro do universo jazz e música popular são raros os projetos que se mantêm. Mas acabo de colaborar em 4 discos que têm gerado concertos: Miguel Amado, Luís Barrigas, Cícero Lee e Isabel Rato. Volta e meia há também concertos com Tora Tora Big Band. Estou ainda a participar num bailado com música do meu amigo Bruno Pernadas, enfim, não há um ano igual a outro.
Paralelamente à carreira de performer, também dá aulas. Encontra-se a lecionar em mais do que uma instituição? O trabalho ligado ao ensino permite-lhe ser mais reflexivo relativamente à parte performativa?
Ensinar é talvez a melhor forma de aprender. Tem sido uma aprendizagem constante ao longo destes anos. Tenho muito a agradecer aos meus alunos-professores.
Mais uma vez muito obrigado pelo tempo que nos dispensou. Onde o poderemos ver e ouvir em breve?
Tora Tora no Hot a 1 e 2 de julho e, com o Miguel Amado, tocarei em Viseu e Castelo Branco nos dias 22 e 29 de julho. Durante o mês de julho estarei com a companhia nacional de bailado a tocar no Romeu e Julieta no Teatro Nacional Dona Maria II.
Fotos: João Hasselberg
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