Paulo Carrilho e a obra que sistematizou o tema do Teatro Musical

Paulo Carrilho

Paulo Carrilho é o autor de uma obra que se reveste de particular importância pois a mesma veio «colmatar a escassez de conteúdos literários, em português, sobre a história do teatro musical anglo-saxónico». Mas esta entrevista não se limita a falar desta obra sobre o Teatro Musical. Falámos dos trabalhos que tem vindo a desenvolver e dos seus percursos: académico e performativo. Ao lecionar a disciplina de “História do Teatro Musical” teve mesmo de aprofundar os seus conhecimentos sobre a história dos musicais anglo-saxónicos. «Apercebi-me desde logo que era muito escassa a literatura sobre o tema na nossa língua, o que me obrigou a socorrer de literatura estrangeira. No início não me passaria pela cabeça editar qualquer livro sobre este assunto, mas com o passar do tempo apercebi-me que seria importante publicar os apontamentos que fui escrevendo para auxiliar os alunos no estudo da disciplina (e também para meu próprio usufruto), a fim de colmatar a escassez de conteúdos literários, em português, sobre a história do teatro musical americano e britânico».

Paulo Carrilho, o pretexto para esta entrevista prende-se com o lançamento do segundo volume da sua obra “Teatro Musical”, mas esperamos ter oportunidade de falarmos também sobre o(s) seu(s) percurso(s) nas várias áreas em que se movimenta. Pode então partilhar com os nossos leitores quais as principais características desta obra em dois volumes que acaba de lançar?
Muito bem. Gostaria, em primeiro lugar, de agradecer à XpressingMusic esta entrevista e saudar todos os seus leitores. Esta obra, “Teatro Musical – Uma Breve Exposição”, tem como propósito a transmissão de conhecimentos acerca da história do teatro musical americano e britânico, sem descurar o aparecimento e desenvolvimento do teatro de revista à portuguesa. O 1.º Volume começa por descrever os diversos géneros performativos (ópera, opereta, minstrel, burlesco, etc.) que influenciaram as primeiras comédias musicais americanas, dando ênfase aos primeiros compositores deste género performativo que foram, entre outros, George M. Cohan, Jerome Kern e Irving Berlin. Referindo diversas obras, compositores, produtores e artistas que tiveram um papel de destaque ao longo das primeiras quatro décadas do século XX em Nova Iorque e em Londres, o 1º Volume faz também uma resenha histórica sobre a evolução do teatro de revista à portuguesa, desde o seu aparecimento em 1851.

Teatro Musical II, Paulo CarrilhoQuanto ao 2º Volume, este tomo vem dar seguimento ao volume anterior, abrangendo agora o período compreendido entre o início dos anos 40 e os dias de hoje. Fazendo referência às diversas obras, compositores, coreógrafos, diretores e artistas que tiveram um papel de destaque ao longo destas últimas décadas no seio do teatro musical anglo-saxónico, este volume refere ainda a evolução da revista à portuguesa até meados dos anos 70, altura em que se deu a Revolução dos Cravos e em que foi produzido, pelo empresário Vasco Morgado, o primeiro musical americano em terras lusas – Godspell.

O facto de se encontrar a lecionar “História do Teatro Musical” criou a necessidade de aprofundar o tema? Este facto também o incentivou a escrever o livro?
Sim, sem dúvida. Para poder lecionar esta disciplina tive mesmo de aprofundar os meus conhecimentos sobre a história dos musicais anglo-saxónicos. Apercebi-me desde logo que era muito escassa a literatura sobre o tema na nossa língua, o que me obrigou a socorrer de literatura estrangeira. No início não me passaria pela cabeça editar qualquer livro sobre este assunto, mas com o passar do tempo apercebi-me que seria importante publicar os apontamentos que fui escrevendo para auxiliar os alunos no estudo da disciplina (e também para meu próprio usufruto), a fim de colmatar a escassez de conteúdos literários, em português, sobre a história do teatro musical americano e britânico.

Estudou canto com Liliana Bizineche na Universidade de Évora. Esta foi uma experiência muito rica e potenciadora de novas abordagens neste campo?
É verdade. Estudei canto com a Professora Liliana Bizineche no seio do Mestrado em Música na área de especialização – Interpretação em Canto. Foi realmente uma experiência muito gratificante, pois foi uma pessoa com quem criei uma forte empatia e que, sem dúvida, me ajudou a melhorar alguns aspectos técnicos vocais. Penso que a minha determinação em propor este género musical para o exame final, trouxe à universidade uma certa “lufada de ar fresco” pois não é um género habitual nos planos de estudo da disciplina de Formação Específica (Canto). É de salientar que, apesar de não ser a sua especialidade, a Professora Liliana Bizineche aceitou e incentivou convictamente a abordagem desta vertente musical que me era mais familiar. O resultado, francamente positivo, culminou num espectáculo encenado, onde recriei alguns temas de musicais que passaram por Lisboa, no âmbito da dissertação a que me propus.

Paulo Carrilho, lançamento Teatro Musical

No entanto, para trás, no seu percurso de aprendizagem, outros nomes o devem ter influenciado bastante. Maria Repas Gonçalves e Sandra Medeiros são dois desses nomes?
Sim, claro. Apesar de ter formação musical desde miúdo e estar habituado a cantar em coro, comecei a estudar canto a sério a partir dos meus 15 ou 16 anos de idade com a Professora Maria Repas Gonçalves, por quem eu tenho um carinho muito especial. Com ela completei o curso complementar de canto na Academia dos Amadores de Música de Évora, ainda quando era muito novinho. Devia ter os meus 19 anos. Fui estudar para Lisboa e continuei a trabalhar a voz com Maria Repas durante alguns anos. Mais tarde, não sei bem precisar quando, talvez com os meus 26 ou 27 anos tive a oportunidade de estudar canto com a Professora Sandra Medeiros durante cerca de dois anos. Foi também uma experiência importante, pois deu-me novos conhecimentos e outras formas de sentir a técnica vocal. Apesar de estilos e especializações diferentes, sou um fã incondicional das minhas três professoras que, além de fazerem um trabalho excepcional no ensino da técnica vocal, são, acima de tudo, cantoras extraordinárias.

Tem participado em várias experiências profissionais relevantes. O musical Leonardo Barbette Leo e os Anjos, de José Jorge Duarte e com música de Lúcia Moniz e João Henriques, no Teatro Taborda foi uma dessas experiências? Pode falar-nos um pouco da sua participação?
Estreado em 1997, Leonardo, Barbette, Leo e os Anjos foi um musical muito importante para mim pois foi a primeira vez que estive em cartaz numa produção teatral. Apesar de ser um espetáculo que não atraiu a quantidade desejada de público e que não compensou os intervenientes em termos monetários, foi, a meu ver, uma produção muito compensatória em termos de experiência profissional. Aprendi a “estar em palco” nos muitos exercícios que o encenador José Jorge Duarte propunha no decorrer dos ensaios e tive a oportunidade de conhecer e trabalhar com a grande atriz, bailarina e coreógrafa Águeda Sena que nos deu uma achega nos ensaios. Foi igualmente importante a camaradagem com os restantes colegas, nomeadamente com outros profissionais do teatro, como foi o caso da atriz Leonor Alcácer que também fazia parte do elenco.

Paulo Carrilho acompanhado do pianista Pedro Vieira de Almeida, Teatro Musical II

Ser reforço no Coro do Teatro Nacional de S. Carlos e no Coro Gulbenkian foram trabalhos que lhe deram muito traquejo musical? Eram atividades muito intensas?
Sim, deram-me muito traquejo musical de facto, embora de formas diferentes. No S. Carlos os coralistas têm de saber as suas partes de cor (e não são poucas!) devido às suas intervenções nos diversos momentos da ópera, o que exige também um certo trabalho de palco e uma atenção redobrada ao que se está a passar em cena sem perder o contacto com o maestro, o que por vezes é difícil pois o coro não se mantém estático. Obedece a uma encenação e muitas vezes movimenta-se no palco. Na Gulbenkian trabalhava-se outro tipo de repertório e dava-se mais primazia às indicações da partitura e do maestro. A concentração era também um fator indispensável. Eram atividades intensas de facto. Lembro-me que houve alturas em que tinha ensaios de manhã e de tarde no S. Carlos, até às 18:00, e depois saia a correr para chegar ao ensaio das 18:30 na Gulbenkian, correria que era feita um pouco às escondidas pois na altura havia uma certa rivalidade entre as duas entidades e não convinha que se soubesse que andávamos nos dois coros ao mesmo tempo.

Paulo Carrilho, lançamento Teatro Musical IIHá outras experiências académicas e performativas que o tenham marcado profundamente e que possa aqui partilhar?
Muito resumidamente, além do já mencionado Leonardo, Barbette, Leo e os Anjos, estou-me a lembrar do musical Os Sonhos de Einstein que esteve em cena no Teatro da Trindade em 2005. Foi um trabalho que me deu muito gozo fazer, onde trabalhei com uma série de amigos e onde voltei a ter a oportunidade de trabalhar com o encenador Claudio Hochman. Também foi marcante a temporada de dois anos no TIL (Teatro Infantil de Lisboa) onde participei em dois musicais encenados por Fernando Gomes, o qual teve a amabilidade de me escrever umas breves palavras no prefácio do 1º Volume. Mais recentemente, em 2011, também tive um papel de destaque na peça A Morte do Palhaço, uma criação do grupo de teatro O Bando, companhia que me dotou de novos e importantes conhecimentos desta arte que é o teatro, através da preparação e encenação de João Brites.

Como está atualmente dividido o seu tempo? Dedica-se em percentagens iguais à performance e ao ensino?
Infelizmente não. Posso dizer que já não entro numa produção musico-teatral há alguns anos, apesar de ir a alguns castings quando estes aparecem ou são divulgados. São cada vez mais os concorrentes nestas audições pois há uma nova leva de cantores/atores, alguns com bastante qualidade (outros nem por isso), que vão apanhando os poucos lugares e papéis disponíveis. Felizmente sou muito versátil e consigo viver das diferentes aulas que dou em diversos locais, e de alguns eventos/espetáculos pontuais que vão surgindo. Ajuda também a boa gestão financeira, pois nem todos os meses são dignos de um bom ordenado... sempre assim o foi desde que passei o meu primeiro recibo verde há cerca de 20 anos. Contudo, não esmoreço e continuo a tentar a minha sorte nos castings para musicais que me pareçam fiáveis, pois também há muita coisa que não interessa.

Muito obrigado por este tempo que dedicou aos nossos leitores. Após o lançamento da obra “Teatro Musical” ficou com vontade de sistematizar mais algum tema em livro?
Confesso que fiquei sem vontade de voltar a editar o que quer que fosse. Foram quatro anos de muito trabalho, muitas e muitas horas no sofá a pesquisar e a escrever, um trabalho quase diário que me privou de fazer muitas outras coisas de que gosto mais. Também não sinto ainda qualquer retorno financeiro digno de registo por todo este trabalho. Felizmente o investimento inicial que tive de fazer em ambas as edições, foi (e irá ser para este novo volume) recuperável ao vender as centenas de livros que estiveram e estão na minha posse devido ao acordo previamente celebrado entre a editora e o autor. Aproveito para agradecer a todos os amigos, familiares e alunos que compraram um livrinho ou dois, pois sem eles estaria bem mais endividado e com a casa cheia de livros! Por outro lado estou muito satisfeito e sinto um grande alívio por ter terminado este trabalho e saber que se trata de uma obra de referência que veio colmatar a escassez de conteúdos literários, em português, sobre a história do teatro musical anglo-saxónico. Apesar de não sentir grande apoio por parte das inúmeras entidades que poderiam dar um maior destaque a esta obra, fico de coração cheio quando recebo mensagens elogiosas de pessoas amigas e outras que não conheço, de locais tão variados e distantes como é o caso do Brasil. Sinto que o esforço valeu a pena, mas não quero repetir!

Paulo Carrilho e a obra que sistematizou o tema do Teatro Musical

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