José Corvelo. O barítono açoriano em entrevista.
O nosso entrevistado recebeu em 2015 a Insígnia Autonómica de Mérito Profissional, pela Região Autónoma dos Açores. Foi precisamente nesta Região Autónoma que iniciou os seus estudos musicais. Frequentou o Conservatório Regional de Angra do Heroísmo e, posteriormente, o Conservatório Regional de Ponta Delgada. Rumou depois até ao Porto com o objetivo de estudar com Oliveira Lopes. A este respeito disse-nos que «O trabalho com este professor foi extraordinariamente importante e os conselhos e ensinamentos a nível interpretativo ainda hoje me soam nos ouvidos e procuro pô-los em prática e também transmiti-los aos meus alunos. A minha ligação com o professor Oliveira Lopes manteve-se para além do curso e muitas vezes trocámos ideias e lhe pedi conselhos».
José Corvelo, muito obrigado por ter aceitado o nosso convite para esta entrevista. Sendo natural dos Açores, foi lá que começou a dar forma ao seu sonho? Quando e onde começou a estudar música antes de rumar a Portugal continental?
Efetivamente foi nos Açores que tudo começou. As primeiras lições de solfejo na Banda Filarmónica e o saxofone tenor com a influência óbvia do meu pai e do meu irmão, ambos músicos da banda. Foi só com 17 anos que ingressei no Conservatório Regional de Angra do Heroísmo, frequentando também o Conservatório Regional de Ponta Delgada. Quer no Conservatório Regional de Ponta Delgada, quer no Conservatório Regional de Angra do Heroísmo, tive a felicidade de estudar com professoras que foram para mim marcantes quer ao nível dos ensinamentos e ao nível da motivação, nomeadamente a Professora Imaculada Pacheco e a Professora Luísa Alcobía Leal, com quem terminei o Conservatório, que foi determinante ao abrir-me os horizontes a nível do canto, da ópera e do lied, incentivando-me a prosseguir os estudos a nível superior.
Mais tarde aprofundou os seus estudos na ESMAE – Escola Superior de Música e das Artes do Espetáculo. Foi importante para si o trabalho desenvolvido com o Professor José de Oliveira Lopes?
Sim, ingressei na Escola Superior de Música e das Artes do Espectáculo porque era lá que estava o professor de canto com quem eu queria estudar e consegui, para felicidade minha, integrar a classe de canto do professor Oliveira Lopes. O trabalho com este professor foi extraordinariamente importante e os conselhos e ensinamentos a nível interpretativo ainda hoje me soam nos ouvidos e procuro pô-los em prática e também transmiti-los aos meus alunos. A minha ligação com o professor Oliveira Lopes manteve-se para além do curso e muitas vezes trocámos ideias e lhe pedi conselhos.
As coisas pelo Porto não podiam ter corrido melhor pois lá conquistou o prémio da Fundação Eng. António de Almeida. Esta conquista foi importante no sentido de o motivar para outros voos e outras metas?
Este foi um prémio de mérito pelo meu percurso como aluno na ESMAE e obviamente que todos gostamos de ver o nosso trabalho reconhecido e quando isso acontece também nos sentimos mais motivados a continuar o nosso trabalho e tentarmos cada vez mais aperfeiçoarmo-nos. Assim foi também quando em 2015 fui agraciado pela Região Autónoma dos Açores com a insígnia de mérito profissional. Para além da honra é também uma responsabilidade de continuar trabalhando e tentando sempre fazer melhor.
Fernanda Correia, Rudolf Knoll, Lamara Chkónia, Francisco Lázaro, Liliana Bizineche, Jorge Vaz de Carvalho, Ambra Vespasiani, Enza Ferrari, Ettore Nova e Daniel Muñoz são outros nomes com os quais conviveu no âmbito da sua vivência académica. Sente que cada um destes nomes o influenciou no âmbito do trabalho que tem vindo a desenvolver?
Sem dúvida que o meu contacto com todos eles se revelou frutífero, guardando de todos esses mestres, ensinamentos importantes. No entanto destaco três cantores com quem trabalhei mais intensamente: o barítono italiano Ettore Nova, o barítono português Jorge Vaz de Carvalho e o tenor argentino (madrileno de residência) Daniel Muñoz. Com estes aperfeiçoei-me sobretudo no campo da ópera. Nunca é demais referir Jorge Vaz de Carvalho que é uma grande referência no panorama lírico português com quem trabalhei mais regularmente, com a vantagem de ter um repertório similar àquele que é o meu repertório.
Tem protagonizado vários recitais acompanhado por prestigiados pianistas. Pode partilhar com os nossos leitores alguns desses nomes?
Tenho feito recitais, não só com piano mas também com cravo, acordeão, guitarra e mesmo piano e percussão. Os primeiros recitais que realizei foram com a pianista Carla Seixas que acompanhou todo o meu percurso desde o Conservatório até hoje. Frequentemente voltámos a trabalhar juntos e é sempre um grande prazer reencontrarmo-nos para fazer música. Dos outros pianistas com quem trabalhei e que muito admiro, posso mencionar Luís Magalhães, Joana David, Gustaaf van Manen, Pedro Ludgero, Melissa Fontoura, João Vale e João Queirós. Mas também com outros instrumentistas como a cravista Jenny Silvestre com quem fiz um programa fantástica com árias antigas, a percussionista Elisabeth Davis, o guitarrista Artur Caldeira e o acordeonista Pedro Santos com o qual tenho vindo a realizar recitais onde incluímos sobretudo o tango argentino (Gardel, Piazzola) e também várias canções napolitanas. É um programa que tem sido muito apreciado pelo público. Atualmente tenho projetos diferentes de recital quer com o pianista italiano Giosuè De Vincenti quer com a pianista romena Amelia Iliescu.
Enquanto solista, quais foram as principais obras que interpretou?
Isso é difícil responder porque não é uma tarefa fácil selecionar as principais obras. Eu destacaria talvez aquelas que corresponderam a maiores desafios e que ao mesmo tempo me tenham dado, eventualmente, mais prazer interpretar. Posso por isso talvez destacar “Messias” de Haendel, “Requiem” de Mozart, “Sinfonia nº 9” de Beethoven, “Stabat Mater” de Rossini, “Te Deum” de Dvorak, “Oratória de Natal” de Saint-Saens, “Carmina Burana” de C. Orff e óperas onde interpretei vários papéis principais como: Figaro e Conde (Le Nozze di Figaro) Leporello (Don Giovanni), voltar a qualquer um destes papéis dá-me sempre um enorme gozo; Escamillo (Carmen), D.Bartolo (Il barbiere di Siviglia), Alfio (Cavalleria Rusticana), Uberto (La Serva Padrona), Tonio (Pagliacci), Sharpless (Madama Butterfly), Dulcamara (L’Elisir d’amore), um papel ao qual gostaria de voltar brevemente, Juiz (Sweeny Todd), estive durante três meses encarnar este papel com uma magnífica encenação de João Lourenço e direção musical de João Paulo Santos e foi uma magnífica experiência; Smirnov (The Bear). Destaco ainda o desafio de ter participado em diversas estreias mundiais de várias óperas, nomeadamente “A Floresta” de Eurico Carrapatoso, numa coprodução Teatro Nacional de São Carlos / Teatro São Luiz e “Banksters” de Nuno Corte-Real, numa produção do TNSC, “Os Fugitivos” de José E. Rocha e a interpretação da obra de E. Carrapatoso em segunda apresentação “O Lobo Diogo e o mosquito Valentim”.
Algumas dessas obras ficaram registadas em DVD...
A última obra que mencionei, “O lobo Diogo e o mosquito Valentim” de E. Carrapatoso, foi gravada em DVD para a Casa da Música, com a então Orquestra Nacional do Porto. Das outras obras haverá por ventura gravações mas não comercializadas. Mas a verdade é que me interessa mais a relação direta, imediata, com o público nas minhas atuações do que propriamente o facto de gravar. O facto de serem depois gravadas não é para mim tão importante, mas claro que permitem uma outra relação com o público. Mas já que falamos em gravações, irei gravar em breve algumas canções inéditas duma compositora portuguesa.
Ao interpretar tão imponentes obras, deve ter contactado com maestros de grande prestígio...
Seria injusto da minha parte estar a destacar alguns em particular porque com todos os que trabalhei aprendi e foram fundamentais para a minha evolução como intérprete. Correndo mesmo assim o risco de não mencionar todos, eis pelo menos aqueles que recordo no momento: Osvaldo Ferreira, Pedro Amaral, Paulo Martins, Ferreira Lobo, Rafael Montes Gómez, Jaroslav Mikus, Filipe Sá, Luís Machado, Vítor Matos, Jan Wierzba, Paulo Silva, José Ricardo Freitas, Felipe Nabuco-Silvestre, Armando Vidal, Silvio Cortez, Tiago Ferreira, Pe.Ferreira dos Santos, Antº Sérgio Ferreira, Manuel Ivo Cruz, Gunther Arglebe, Virgílio Caseiro, Rui Massena, António V. Lourenço, Christopher Bochmann, J. Reynolds, Amâncio Cabral, Leonardo de Barros, Félix Carrasco, Marco Belluzi, Stephen Darlington, António Carrilho, César Viana, José Eduardo Gomes, Cesário Costa, Roberto Pérez, João Paulo Santos, Emílio de César, Martin Lutz, Hans-Christoph Rademann, Esteve Nabona, Enrico Dovico, Gregor Bühl, Marko Letonja, Zsolt Hamar, Nicola Giusti, Martin André, Nikša Bareza, Roberto Manfredini, Lawrence Renes, Giovanni Andreoli, Reynald Giovaninetti, Johannes Willig, Garry Walker e Marc Tardue.
Depois de todas estas partilhas, os nossos leitores já estrão certamente a questionar quais os próximos palcos que pisará em breve... Atravessa uma fase de muito trabalho?
Não diria uma fase de muito trabalho mas sim de algum trabalho com alguma regularidade, o que no nosso País nem sempre conseguimos. De momento estou em ensaios com a Orquestra Metropolitana de Lisboa para um concerto já no próximo dia 5 no Centro Cultural de Belém (Pequeno Auditório) A Oratória de Ascensão, BWV 11 de J. S. Bach. Posteriormente já em junho partirei para os Estados Unidos, California, onde terei um concerto com a Mission Chamber Orchestra of San Jose, dirigida pela maestrina Emily Ray. Logo de seguida, ainda em junho, novo voo até à Alemanha onde terei dois concertos com a Jenaer Philharmonie dirigida pelo Maestro Marc Tardue onde participará também a minha colega e amiga, o soprano Marina Pacheco. Ainda em junho, no dia 30, em Lisboa, no Museu da Música, terei um recital com a pianista Amelia Iliescu. Em julho participarei, nos Açores, no Festival Música no Colégio, com o prestigiado Coral de São José. No início de Agosto, mesmo antes de alguns dias de férias, ainda estarei em cena com a ópera “La Serva Padrona”. Já em Outubro estarei a cantar o Malatesta da ópera “Don Pasquale” e em Dezembro numa Grande Gala de ópera, na Casa da Música, comemorativa dos 50 Anos do Círculo Portuense de Ópera, gala essa que contará com a direção do Maestro José Eduardo Gomes. E já que falo de Ópera e do Círculo Portuense de Ópera que agora completa 50 anos de existência, lamento profundamente que depois de todos estes anos de produções de Ópera de grande nível que nos ficarão na memória, apresentadas no Porto pelo CPO com a então Orquestra Nacional do Porto, não sejam dadas condições e apoios ao Círculo Portuense de Ópera para que se volte a ter no Porto a ópera de grande nível a que nos habituou. Portanto, deixo aqui o meu apelo às entidades competentes para que tenham a sensibilidade de apoiar a ópera no Porto e esta instituição que muitas provas deu do seu mérito na produção de ópera.
Para além da carreira performativa, abraça ainda docência. Tem também uma carreira muito ativa no âmbito da pedagogia?
Para mim, a música faz-se enquanto intérprete e enquanto docente. É para mim um grande prazer poder partilhar o que aprendi com as novas gerações, o que tenho vindo a fazer. Leciono no Conservatório do Vale do Sousa e na Academia de Música José Atalaya tendo ainda funções na direção pedagógica na Academia de Música de Basto. A par disso ainda dou algumas aulas particulares. Pode-se por isso dizer que a esse nível a carreira é bastante ativa. Transmitir aos alunos aquilo que sei, as minhas experiências e ajudá-los no seu desenvolvimento, presenciando a sua evolução, é algo que me dá também uma grande satisfação e que faço com muito gosto.
Muito obrigado pelo tempo que nos dedicou. Para terminarmos, gostaríamos de saber quais os cantores que mais admira e se se sente influenciado por algum deles em particular.
Outra pergunta difícil porque são muitos os que admiro, começando por muitos colegas portugueses por quem tenho estima e admiração. Na lírica internacional atual admiro nomes como os barítonos Dimitri Hvorostovsky, Carmelo Corrado Caruso, Leo Nucci e Renato Bruson por exemplo, e isso referindo-me à voz que me desperta mais interesse por razões óbvias. Claro que também admiro muitos sopranos, mezzos e tenores. No que toca a influências, aí acho que elas são mais dos professores com quem trabalhei e que foram, na maior parte dos casos, barítonos. Depois há imensos outros que admiro, uns que já não estão cá ou que já terminaram as carreiras: Tito Gobbi, Robert Merril e Piero Cappuccilli são 3 exemplos e claro, no campo do lied, Dietrich Fischer-Dieskau.
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