Filipe Raposo e um piano desassossegado?
«A inquietação é uma parte fundamental do meu processo de criação, assim como faz parte da vida em geral. Diria, ser Inquieto é ser Humano. Esta Inquietação está presente desde as maravilhosas pinturas rupestres da gruta de Lascaux até aos nossos dias. Toda a arte espelha o interior do seu criador, pelo menos esta é a minha visão da arte. O disco não revela apenas o desassossego, nele podemos encontrar muitas soluções para as perguntas que serviram de mote para a sua criação, mas também nessas mesmas soluções estarão outras perguntas que darão origem a próximos discos - próximas inquietações».
Muito obrigado por nos ter concedido um pouco do seu tempo para esta entrevista. Como foi o seu percurso de aprendizagem até rumar ao Royal College of Music em Estocolmo?
O meu percurso de aprendizagem começou quando eu tinha cerca de 11 anos. Comecei a estudar piano com um professor privado, que foi uma figura chave no gosto e estímulo pelo piano e pela música. Ele preparou-me para a entrada no conservatório nacional onde frequentei as classes dos pianistas José Bon de Sousa e Anna Tomasik e Analise e Técnicas de Composição com o professor Eurico Carrapatoso, curiosamente uma disciplina que leciono atualmente na Academia de Música de Santa Cecília. Na Escola Superior de Música de Lisboa estudei Composição. O gosto pela música improvisada / Jazz fez com que paralelamente fosse descobrindo, por minha autoiniciativa, estas linguagens musicais, frequentando inúmeros workshops e aulas privadas. Quando optei pelo Royal College of Music em Estocolmo, queria estudar com a compositora Ann-Sofi Söderqvist e com o pianista Ove Lundin, que admirava muito artisticamente e que tinha sido professor do Esbjörn Svensson, conhecido pelo seu trio E.S.T. Estes dois anos em Estocolmo seriam também uma espécie de longa residência artística para desenvolver o mais recente disco - Inquiétude - gravado lá mesmo em Estocolmo.
A paixão pela composição, área em que é licenciado pela Escola Superior de Música de Lisboa, andou sempre lado a lado com a devoção pelo piano?
Sim, lembro-me das minhas primeiras composições escritas. Lembro-me de escrever com a idade de 12, 13 anos para pequenas formações de música de câmara (piano, violoncelo e flauta transversal), instrumentos que tinha à minha disposição. Eram tardes enormes à procura do som, da sequência de notas, da harmonia perfeita - tardes perfeitas. Paralelamente a improvisação (composição em tempo real) ocupava já uma parte significativa do meu tempo ao piano. Era sobretudo um jogo nesta idade, um jogo que se foi tornando sério - uma paixão para a vida.
Enquanto pianista, compositor e orquestrador tem trabalhado com diversos nomes da música e do cinema Português. Pode falar-nos das suas experiências mais relevantes neste âmbito?
O último trabalho que fiz em cinema foi com os realizadores que muito admiro profissionalmente, para além da amizade que partilhamos - O Luís e o Gonçalo Galvão Teles para o filme - O Gelo. Estou neste momento a preparar a próxima longa do Luís Galvão Teles. É um prazer enorme descobrir a partitura em branco com o realizador e ao mesmo tempo dar som ao filme.
O que significou para o Filipe a sua participação na exposição Fashion Inovation 3 – Museu do prémio Nobel em Estocolmo. Foi um momento marcante para a sua carreira?
Este convite aconteceu quando era estudante em Estocolmo. Todos os anos, o Museu do Prémio Nobel faz uma exposição com os prémios Nobel de cada ano. Nesta exposição convidam jovens artistas ligados à música e design para interpretarem os prémios. Escrevi uma composição para piano e eletrónica, baseada num poema de Fernando Pessoa - Tenho em mim todos os sonhos do mundo - para o prémio nobel da Física.
Pode falar-nos um pouco do trabalho que desenvolve com a Cinemateca Portuguesa?
O meu trabalho como pianista residente da Cinemateca Portuguesa começou em 2004. Nestes últimos 12 anos tenho tido o privilégio de acompanhar ao piano e compor para mais de duas centenas de filmes que fazem parte da história do cinema primitivo. Este trabalho permitiu desenvolver uma estreita comunicação entre o som e a imagem, realizador e compositor. Apenas anos mais tarde percebi, quanto o cinema tinha influenciado o meu modo de escutar a música e a vida.
Traz na sua bagagem três discos em nome próprio. First Falls conquistou o Prémio artista revelação da Fundação Amália. Foi um reconhecimento importante, tendo em conta que foi o seu primeiro disco?
Foi muito gratificante ter recebido este prémio revelação da Fundação Amália. Apesar de não ser um músico de fado, tenho tido o prazer de gravar, compor e arranjar para algumas das vozes mais importantes do nosso país - Camané, Carminho, Joana Amendoeira, Mafalda Arnauth. Esta ligação entre géneros musicais tem sido um importante farol em termos artísticos e tenho aprendido imenso sobre o Fado, com estas partilhas.
Depois veio “A Hundred Silent Ways” era já um disco mais maduro do que o “First Falls”?
A Hundred Silent Ways é um disco pensado para piano solo, e diverge do First Falls em primeiro lugar pela formação instrumental. Os discos são como filhos e é tão difícil escolher o disco que mais apreciamos, no entanto percebemos claramente as diferentes personalidades de cada um. Eles são a síntese de um período da história da vida de um compositor / músico. É um disco pelo qual tenho um gosto muito especial - talvez tenha sido um período da minha existência muito especial também.
O disco “Inquiétude” é autobiográfico? Revela algum desassossego do Filipe Raposo enquanto músico, enquanto criador?
A inquietação é uma parte fundamental do meu processo de criação, assim como faz parte da vida em geral. Diria, ser Inquieto é ser Humano. Esta Inquietação está presente desde as maravilhosas pinturas rupestres da gruta de Lascaux até aos nossos dias. Toda a arte espelha o interior do seu criador, pelo menos esta é a minha visão da arte. O disco não revela apenas o desassossego, nele podemos encontrar muitas soluções para as perguntas que serviram de mote para a sua criação, mas também nessas mesmas soluções estarão outras perguntas que darão origem a próximos discos - próximas inquietações.
Muito obrigado por esta partilha que nos proporcionou. Há projetos novos para breve que possa revelar aos nossos leitores?
Há projetos novos, ainda a fase de maturação. Penso que no início de 2017, já terei algumas novidades sobre o meu novo disco. Para já, este ano estreará o novo filme do Luís Galvão Teles com a minha banda sonora. Convido os leitores a espreitarem a minha página pessoal ou página oficial de facebook onde poderão saber das novidades.
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