Rui Baeta em entrevista fala-nos do(s) seu(s) percurso(s)
Rui Baeta falou-nos da sua aprendizagem, das suas paixões e de algumas recordações. Entre os momentos mais marcantes destacou: «A minha estreia a solo com a Orquestra Gulbenkian no Grande Auditório da Fundação e o maestro Muhai Tang, tinha eu 22 anos! Os Dias da Música no CCB em que por 3 dias se cria a ilusão de que a música erudita tem expressão em Portugal. Do São Luiz recordo com muita amizade a última vez que lá cantei, foi na minha estreia do papel de Marcelo na ópera La Boheme; no São João também cantei, mas é de teatro que me lembro... Hamlet, encenado por Ricardo Pais, interpretei Laertes, irmão de Ofélia, a experiência profissional mais difícil de todas as que já vivi! Do São Carlos lembro a primeira vez que lá cantei, foi no concerto dos laureados do prémio jovens músicos, tinha 24 anos, pedi um desejo mesmo antes de entrar no palco, de vir a cantar lá muitas e muitas vezes... Felizmente tem-se realizado».
Rui Baeta, muito obrigado por ter aceitado o nosso convite para esta entrevista. Com que idade percebeu que a música iria ocupar um lugar de relevo na sua vida?
De nada, com muito gosto! Apesar da educação musical ter estado sempre presente na minha formação desde muito pequeno, foi a partir dos 13 anos que comecei a dar-lhe a devida importância, e o primeiro grande dilema académico-profissional terá sido aos 20 anos quando decido trocar o curso de História de Arte da Universidade Nova de Lisboa pelo curso Superior de Canto na Escola Superior de Música de Lisboa. Terá sido aí que me decidi a "tentar" ser músico profissional, também porque já estava há 2 anos a cantar no Coro Gulbenkian para o qual entrei com 18 anos! Foi uma sorte tremenda e estarei eternamente grato aos maestros que me selecionaram tendo permitido a experiência musical mais fantástica que um jovem aspirante a cantor profissional pode ter. E claro, sempre tive o apoio dos meus pais, sem o qual jamais nada disso teria sido possível.
Filomena Amaro e Luís Madureira foram nomes muito importantes na sua formação?
Sem sombra de dúvida! Eu acredito sinceramente que somos muito dos professores que tivemos. E disso me lembro sempre que estou a ensinar... é uma enorme responsabilidade e o facto fica marcado na vida do aluno. Diria que Filomena Amaro, com quem estudei no Conservatório Nacional, me marcou por - entre tanto que me ensinou - me fazer acreditar que o mais importante é a interpretação musical, que é como quem diz "o sentimento". Talvez convenha explicar que na música clássica só com muito conhecimento, anos de prática e maturidade é que o intérprete consegue encontrar, na música, espaço para se expressar, dado todo o rigor estilístico que o repertório exige... De Luís Madureira, numa fase de ensino já mais avançado, nas escola Superior de Música de Lisboa, terá sido a importância da palavra na música e da sua correta pronúncia na voz cantada e, obviamente, na voz falada! Foi Luís Madureira que me proporcionou o profundo contacto com o conhecimento da voz falada para teatro, domínio no qual é unanimemente considerado como a grande referência. Gostava ainda de nomear alguém que apesar de não ter sido meu professor foi extremamente importante para a minha formação artística e ainda não tive oportunidade de lhe dizer: o Maestro Fernando Eldoro.
O que o levou a prosseguir estudos na Mozarteum Internationale Sommerakademie, na Áustria e na Académie Francis Poulenc, em França? Portugal não lhe oferecia o que procurava nessa fase da sua formação?
Na altura o grau académico mais elevado do curso de canto era a licenciatura e numa fase de aperfeiçoamento artístico o intérprete deve tentar aceder àqueles que, num contexto internacional, considera serem os mais indicados. No meu caso fui para Salzburg para estudar técnica vocal e pedagogia com Richard Miller e, na Academie Francis Poulenc, interpretação de repertório francês com François LeRoux.
Quais os nomes que mais o marcaram durante estes períodos em que estudou fora?
Nomes e personalidades, as que já disse, inquestionavelmente. Mas marcou-me muito o facto de sentir que, pela primeira vez, fazia algo que era generalizadamente valorizado, eu e qualquer músico. Isso contrastou muito com a realidade portuguesa que conhecia e, infelizmente, ainda conheço. Países como França, Áustria, mas também Espanha ou Itália, têm séculos de valorização da chamada alta cultura (cultura erudita)...
Ser semifinalista do Festival e Concurso Internacional de Canto do Canal Mezzo foi algo muito relevante para a sua carreira, ou foi somente mais um reconhecimento como tantos outros que tem obtido?
Analiso essa experiência por duas perspetivas distintas, a artística e a pessoal. Artisticamente é obvia a questão do reconhecimento, tanto mais que era um concurso internacional em que participavam cantores da Europa, dos Estados Unidos, do Canada... Pessoalmente foi muito difícil, muito solitário. Fui sozinho para a Polónia e para a Bulgária, onde não conhecia ninguém e o ambiente dos concursos de canto não é propriamente amigável... Agora reconheço que apesar da voz, não tinha maturidade para tais exigências.
Muito antes tinha alcançado o 1º Prémio no Concurso RDP Jovens Músicos em 1999. Nessa fase da sua vida os prémios eram mais importantes? Sentiu alguma projeção graças a essa conquista específica?
Para mim esse concurso foi sem dúvida mais importante que o anterior e sim, há uma fase da vida em que os prémios são de facto importantes. Quando ainda se tem pouca experiência profissional e apenas as notas do percurso académico, o bom resultado num concurso de excelência e reconhecido mérito artístico pode dar o impulso certo. Assim foi.
Apresenta-se regularmente em recitais e isso dá-lhe o privilégio de trabalhar com grandes pianistas. Pode destacar alguns deles?
Apesar de já ter trabalhado com vários pianistas, destaco aqueles com quem desenvolvo um trabalho mais aprofundado. São eles: Jeff Cohen, Paulo Pacheco, João Vasco, Ruben Alves e João Paulo Santos. Não podiam ser mais diferentes entre si, desde a personalidade artística, a abordagem pianística e o próprio repertório.
O Rui já se apresentou em concertos e recitais em países como os Estados Unidos, França, Suíça, Espanha, entre muitos outros. Como sente que os músicos portugueses são vistos nestes países?
Quando alcançam esses circuitos musicais, são vistos como músicos profissionais, como quaisquer outros, não interessa a nacionalidade. A questão é chegar até la. Há países que estabelecem pontes de acesso muito mais fácil do que Portugal.
Guarda algumas recordações especiais de apresentações suas em salas como o Grande Auditório Gulbenkian, o Centro Cultural de Belém, o Teatro Municipal de São Luiz, o Teatro Nacional São João, o Teatro Nacional D. Maria II e o Teatro Nacional de São Carlos?
Oh sim, muitas! A minha estreia a solo com a Orquestra Gulbenkian no Grande Auditório da Fundação e o maestro Muhai Tang, tinha eu 22 anos! Os Dias da Música no CCB em que por 3 dias se cria a ilusão de que a música erudita tem expressão em Portugal. Do São Luiz recordo com muita amizade a última vez que lá cantei, foi na minha estreia do papel de Marcelo na ópera La Boheme; no São João também cantei, mas é de teatro que me lembro... Hamlet, encenado por Ricardo Pais, interpretei Laertes, irmão de Ofélia, a experiência profissional mais difícil de todas as que já vivi! Do São Carlos lembro a primeira vez que lá cantei, foi no concerto dos laureados do prémio jovens músicos, tinha 24 anos, pedi um desejo mesmo antes de entrar no palco, de vir a cantar lá muitas e muitas vezes... felizmente tem-se realizado.
Quais as principais formações que já integrou?
Tive a enorme felicidade de ter feito a minha estreia no São Carlos em 2001 com a ópera The English Cat, encenada por Luís Miguel Cintra e dirigida por João Paulo Santos cujo elenco tinha os cantores Carlos Guilherme, Luís Rodrigues, Jorge Vaz de Carvalho, Mário Alves, Ana Ester, Helena Vieira, Susana Teixeira, Wagner Diniz, Ana Paula Russo, Ana Ferraz... eram os melhores cantores da época e alguns ainda o são, tanto tempo depois. Integrar elencos desta qualidade acaba por ser bastante marcante. Lembro também quando cantei com Renato Bruson, num concerto dirigido por Claudio Scimone na Fundação Calouste Gulbenkian. Mais recentemente tenho cantado com colegas de altíssimo nível como Fernando Guimarães ou Ana Quintans com quem cantei a Paixão Segundo São João de Bach, Orquestra Gulbenkian dirigida pelo Maestro Michel Corboz.
Quais os projetos que abraça atualmente? Pode falar-nos um pouco de cada um deles?
Posso falar dos que já se encontram em desenvolvimento, já que há projetos que ainda esperam luz verde... Atualmente estou em ensaios para o concerto que farei com a Orquestra Clássica do Sul dirigida pelo maestro Rui Pinheiro em que irei cantar Les Nuits D'ÉtÉ, ciclo de 6 canções para voz e orquestra de H. Berlioz. Acabei de gravar em CD a ópera-monólogo O Corvo de Luís Soldado e tradução de Fernando Pessoa do poema The Raven de E.A.Poe que será lançado em breve e entrará em tournée, depois de ter estreado no Palácio do Sobralinho com encenação de Alexandre Lyra Leite. Preparo uma série de concertos da Cantata Mundi cuja autoria partilho com Rodrigo Leão e Ana Margarida Encarnação, em que, com o Coral Ossónoba, coro amador por quem tenho enorme amizade (foi onde comecei a cantar com 13 anos quando vivia em Faro) cantarei os solos de barítono. Também desenvolvo com o pianista Paulo Pacheco o projeto de recuperação da canção erudita portuguesa que terá como primeira escolha as magníficas canções para voz e piano do compositor Tomás Borba (que me foi dado a conhecer pelo seu musicólogo especialista o Padre Duarte Rosa) figura incontornável no universo musical português do início do século XX mas atualmente pouco conhecida. E deixo sempre um espaço na agenda para convites de última hora.
Outra das suas paixões é a pedagogia. Não deve ser fácil conciliar a carreira de performer com a carreira docente... Quais as instituições de ensino por onde já passou e em quais se encontra a lecionar atualmente?
Gosto muito de ensinar sim. Nem sempre é fácil conciliar as duas atividades, mas com uma certa ginástica de calendário e a compreensão dos diretores das instituições torna-se possível sem qualquer prejuízo para o aluno. Lembro com muito carinho o Conservatório de Beja, o primeiro local em que fui professor, ainda estudava... era novíssimo! Como professor não ensino técnica vocal e interpretação só para cantar, também ensino voz falada para representação (por exemplo atores) ou comunicação (locutores ou jornalistas). Por isso fui professor de voz residente no Teatro Nacional D. Maria II, na Universidade de Évora, I. P. Caldas da Rainha, na Companhia Olga Roriz e, presentemente, na Nicolau Breyner Academia e na Academia Inatel-Teatro da Trindade.
Também tem aceitado convites para participações pontuais enquanto ator. A representação é outra área pela qual sente fascínio?
Sinto sim, fascínio enorme mesmo! Mas artisticamente é como cantor que me realizo e onde sou feliz, daí aceitar apenas pontualmente algumas propostas. Por acaso vai estrear em breve o filme de animação Rodencia e o Dente da Princesa cuja voz dei a duas personagens. São oportunidades que me surgem e não consigo recusar! Tenho muitos interesses diferentes, alguns até incompatíveis no entender de algumas pessoas... mas para mim a carreira de cantor lírico não é um sacerdócio com voto de castidade.
Onde e quando poderão os nossos leitores ouvir o Rui Baeta?
Para já, nos dias 26 e 27 de março com a Orquestra Clássica do Sul em Moncarapacho e Tavira, e depois é estarem atentos e irem acompanhando a minha atividade profissional já que a divulgação de concertos de música erudita é muitas vezes insuficiente e pouco eficaz. Eu vou avisando e fazendo o que posso e sei para tentar reduzir essa questão.
Muito obrigado pelo tempo que dedicou à nossa equipa e aos nossos leitores. Como vê o atual panorama musical português? Portugal é hoje um país com melhor educação musical e que produz mais e melhores músicos do que nos tempos em que iniciou a sua formação?
Eu é que agradeço o espaço que deram a esta minha entrevista e à divulgação da minha atividade artística. Sim, Portugal é hoje um país com mais e melhores músicos e o analfabetismo musical está a diminuir. Há orquestras clássicas, conservatórios e filarmónicas de norte a sul do país e poucos serão os interessados que não terão tido oportunidade de usufruir essas vivências. Mas Portugal está na Europa e é como tal que tem de se posicionar no que refere à cultura. Tem que desenvolver mecanismos que enraízem a valorização de expressões artísticas cuja excelência obriga a tão absorvente dedicação, como cantar ópera, tocar violino ou dançar ballet. Esse património também é nosso, também é cultura portuguesa.
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