Carlos Mendes e as canções de uma vida.
Carlos Mendes é um nome incontornável da música portuguesa. Com 50 anos de carreira, o músico e compositor aceitou o nosso desafio para uma entrevista através da qual convidamos os nossos leitores para uma viagem através do Portugal musical dos anos 60 até aos dias de hoje. Sobre “A Festa da Vida” que está agora na estrada disse-nos: «Este espetáculo pretende ser uma história contada, ou melhor, cantada da minha vida de canções. Pretende mostrar às gerações mais novas o que fizemos - eu e os poetas que escreveram comigo os trechos musicais. Imagine-se um jantar a dois. Eu e o público.
Um jantar onde eu sirvo a comida e as bebidas (canções) e onde o público saboreia (emoções). No fim deste encontro de canções e afetos, abraçamo-nos num fortíssimo aplauso. Ficámo-nos a conhecer melhor e a respeitarmo-nos para sempre. Apenas porque houve, verdade e afetos».
Carlos Mendes, agradecemos desde já a amabilidade em conceder-nos esta entrevista. 50 anos de carreira são certamente recheados de inúmeras recordações. Sente que Portugal e os portugueses sempre o acarinharam ao longo destes 50 anos?
O público português é conhecido em todo o mundo como o mais generoso de todos os públicos. Tem para com os artistas em geral e para com os seus em particular uma dedicação e uma disponibilidade únicas. No meu caso não fujo a essa regra. Assim sendo, o público tem-se mostrado, ao longo destes 50 anos uma fonte inesgotável de carinho, ajudando-me a superar os momentos menos conseguidos da minha carreira. É a esse público anónimo que devo a minha existência como artista. É a esse público anónimo que devo esta carreira já longa de 50 anos. Sem ele nada disto seria possível.
“Ruas de Lisboa”, “Amélia dos Olhos Doces” e “A Festa da Vida” são temas que ficarão para sempre na memória dos portugueses. Há outros temas que gostasse de evidenciar neste espaço de recordações?
Inicialmente e enquanto elemento dos Sheiks muitos temas ficaram na memória dos portugueses, recordo apenas dois, Missing you - tema que transpôs fronteiras nos anos 60 - e Lonely lost and sad. No final dos anos 60 há um tema incontornável, "Verão", que venceu o Festival da Canção em 1968. Depois, e enquanto cantor a solo, foram muitos, felizmente, os êxitos que gostaria de relembrar.
No que respeita às canções infantis, destaco o Álbum "Jardim Jaleco!”, com canções como, Burro Adalberto, Serpente Serafina, Jacaré Casca Grossa entre outras. Ainda neste campo de músicas para crianças destaco o Musical "O Natal do Pai Natal".
Existem outras canções que gostaria de evidenciar tais como, Lisboa Meu Amor, Não me Peças mais Canções, Vagabundo do Mar, Cantilena, Amor Combate, Alcácer que Vier, Arquiteto de sons, Seripipi de Benguela, e muitas muitas mais.
Atualmente anda na estrada com o espetáculo “A Festa da Vida”. O que pretende transmitir ao público com este espetáculo mais intimista?
Este espetáculo pretende ser uma história contada ou melhor cantada da minha vida de canções. Pretende mostrar às gerações mais novas o que fizemos - eu e os poetas que escreveram comigo os trechos musicais. Imagine-se um jantar a dois. Eu e o público.
Um jantar onde eu sirvo a comida e as bebidas (canções) e onde o público saboreia (emoções). No fim deste encontro de canções e afetos, abraçamo-nos num fortíssimo aplauso. Ficámo-nos a conhecer melhor e a respeitarmo-nos para sempre. Apenas porque houve, verdade e afetos.
Em 2014 recebeu a Medalha de Honra da Sociedade Portuguesa de Autores. Esta foi-lhe entregue na cerimónia 'O Homem, o Músico e o Cantor'. O representou para si este reconhecimento?
Esta medalha foi muito mais além do Autor que sou ou das canções que fiz. A Sociedade Portuguesa de Autores reconheceu "O Homem, O Músico e o Cantor", o que para mim representa o todo que eu sou (homem, músico, cantor) e não uma parte (autor). Esta cerimónia envaideceu-me, sim. Fiquei feliz e, mais uma vez, quero referir a presença em grande "daquele" que me ajudou a chegar até aqui. O Público!!
Quais as principais diferenças que sente no mundo musical de hoje relativamente àquele tempo em que começou a dar os primeiros passos nos "Sheiks"?
Bom... A diferença é como a noite e o dia. Quando comecei, no início dos anos 60, a tecnologia estava ainda muito pouco explorada. Tudo o que havia ao nível de instrumentos era extremamente rudimentar e caríssimo. Beneficiávamos na altura da existência de homens como Gouveia Machado, nome que devemos obrigatoriamente fixar, uma vez que esteve nas mãos dele o surgimento de muitos e muitos grupos que fizeram carreira com sucesso nessa época disponibilizando material (guitarras, amplificadores...) para nos iniciarmos como músicos.
A diferença para os dias de hoje é total. As transformações operadas na nossa sociedade e no mundo nestes últimos 50 anos em termos sociais, políticos, económicos, tecnológicos e culturais, foram tão grandes, que se refletiu, obviamente, em toda a música.
Não consigo, sinceramente, encontrar pontos de contacto entre o Ontem, e o Hoje, isto devido às condições que os músicos, compositores... têm agora ao seu dispor. Basta apenas falar no aparecimento da NET, para que tudo seja outra coisa. Hoje um cantor, um artista, compositor... dispõe de instrumentos de trabalho que prolongam a sua criatividade até ao infinito. No meu tempo de jovem a nossa criatividade era travada pela inexistência desse instrumento que falei.
Houve uma massificação da música nos tempos que correm, com tudo que traz de bom de excelente e com tudo o que traz de mau, de péssimo. Também quero deixar claro que hoje o mundo da música é muito mais fascinante do que era quando comecei.
Vencer um festival RTP da canção em 1968 era algo muito diferente de alcançar o mesmo objetivo atualmente? O que potenciava na vida de um artista uma proeza destas?
Esta pergunta prende-se muito com o que acabei de dizer sobre as diferenças do Ontem e do Hoje. Em 1968 ainda não se tinham operado as grandes transformações sobretudo tecnológicas que referi na pergunta anterior. Em Portugal, vivíamos um período de grande atraso relativamente a quase todo a Europa. Tal permitia que o Festival da Canção fosse, por cá, um acontecimento único, nacional - não esquecer que havia apenas um Canal televisivo - o que levava a que o público se mobilizasse em massa para o ver. Como reflexo desta hiperatenção dada ao Festival, os artistas que nele participavam tinham uma enorme exposição mediática. Tanto mais para o vencedor do certame que teria aqui o início de uma carreira bem apoiada na notoriedade que lhe dava o Festival da Canção. Nessa altura também a imprensa escrita era pouca e toda ela ou uma boa parte dela empolava este acontecimento, ou seja, explorando histórias mais ou menos fantasiosas sobre os artistas, que participavam no Concurso. Durante uns largos tempos não se falava noutra coisa. Chegavam-se a fazer apostas sobre quem ganharia o dito.
No meu caso, ao vencer duas vezes o Festival em menos de 4 anos, beneficiei de tudo o que acabei de dizer, potenciando em muito a minha vida artística sobretudo a minha notoriedade.
Nos tempos que correm os palcos são muitos, a diversidade é imensa, os canais televisivos multiplicaram-se, o desinteresse pelo "velhinho" Festival da Canção desvanece-se na poeira dos tempos. É a vida!
O que o leva a fundar em 1976 a editora discográfica independente “Toma Lá Disco”? Não se identificava com os formatos adotados na altura?
Não creio que tenha sido única e exclusivamente uma questão de «desidentificação» com os formatos da época. Creio que foi uma questão mais política. Viviam-se tempos muito conturbados e a sociedade encontrava-se muito fraturada, não só politicamente mas sobretudo culturalmente. Deste modo reunimos um grupo de artistas com o objetivo de criarmos uma cooperativa discográfica onde pudéssemos criar projetos musicais com o objetivo de propor um novo rumo para a música popular portuguesa, sem baias nem preconceitos. Contribuirmos para o movimento da música popular que se estava a desenvolver na época.
Gravaram-se nessa cooperativa muitos álbuns que hoje fazem parte integrante da História da Música Popular Portuguesa. Pessoalmente contribuí com os Singles "De Pé na Revolução" e "Família Ferrobico" e com os álbuns "Amor Combate", "Canções de ExCravo e Malviver" e "Operários do Natal". Para além de participações pontuais em álbuns de outros colegas. Foi uma experiência muito enriquecedora.
Para além dos Festivais RTP da canção, que outros prémios o marcaram e projetaram?
Houve uma época nos anos 70 em que os críticos atribuíam prémios ao melhor disco do ano. Neste contexto vi premiados os discos: Amor Combate, Canções de Ex-Cravo e Malviver, Jardim Jaleco nos anos 70 e o disco "Triangulo do Mar nos anos 80. Recebi também alguns prémios da imprensa para melhor música para teatro e aqui destaco a música da peça "O Touro" de Abel Neves levada à cena pelo Teatro da Comuna. Para além da medalha de Mérito Cultural do Município de Odivelas e a Medalha de Mérito Cultural do Município de Lisboa. Estes foram alguns prémios que contribuíram para a minha projeção como artista.
Um dos espetáculos que marcou muito os portugueses pela força que transmitia ao juntar três “pesos pesados” da música portuguesa foi o “Só Nós Três”. Com o Fernando Tordo e o Paulo de Carvalho fizeram diversos espetáculos neste formato. De quem partiu a ideia para que se juntassem neste espetáculo?
Houve nos anos 80 um programa na RTP1 intitulado Noites de Gala. Era um programa de variedades filmado no Casino do Estoril. Fui convidado pelo pivot e autor desse programa, o meu amigo e saudoso João Maria Tudela, para interpretar algumas canções mas com a condição de o fazer com um convidado á minha escolha. Convidei o Fernando Tordo e juntamente com o Maestro Pedro Osório que era o diretor musical do dito programa construímos um medley de canções nossas para apresentar no programa. Essa nossa participação converteu-se num sucesso. Ao assistir a esse sucesso, o Dr. Mário Assis Ferreira na altura diretor do Casino do Estoril propôs que fizéssemos um espetáculo incluindo o Paulo de Carvalho. Assim surgiu o concerto que nos juntou aos três.
Para além da Festa da Vida que agora anda em tournée, tem ideias para novos projetos em breve?
Para já estou muito concentrado em dois projetos: esta Tournée Nacional "A Festa da Vida" que ainda agora começou e a gravação de um Cd que revisita com novas sonoridades e arranjos canções da minha autoria que ao longo deste 50 anos tiveram grande sucesso. Sem dúvida, que tenho muitos projetos na gaveta, que a seu tempo darei a conhecer. Neste momento estou concentrado apenas e só nestes dois projetos. Não gosto de falhar, sou muito exigente e tenho um profundo respeito pelo público que não quero nunca defraudar. Por isso trabalho muito todos os dias e focalizo toda a minha atenção para o que é prioritário, neste caso, os projetos que falei.
Muito obrigado pelo tempo que dedicou aos nossos leitores. Vamos deixar-lhe 5 questões para uma resposta rápida.
Qual o seu escritor favorito?
António Lobo Antunes
Qual o disco da sua vida?
Revolver (Beatles)
Passatempo preferido...
Tocar piano
Prato preferido...
Bacalhau com Broa
Qual o filme que viu mais vezes?
West Side Story
Próximos espetáculos:
08 de abril | Lagos | Centro Cultural de Lagos
19 de abril | Lisboa | Tivoli BBVA
23 de abril | Amarante | Feira do Livro de Amarante
24 de abril | Olhão | Auditório Municipal de Olhão
25 de abril | Ponte de Lima | Teatro Diogo Bernardes
01 de maio | Maia | Fórum da Maia
Fotos: Carlos Ramos
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