Liliana Jordão e o “despertar” para o Fado
Liliana Jordão partilhou com o XpressingMusic – Portal do Conhecimento Musical alguns dos seus sonhos e das suas ambições enquanto fadista. Relativamente ao lançamento de um primeiro disco não mostrou pressas nem precipitações, pois «Há quem opte por gravar trabalhos simplistas, sem qualidade, mal preparados, e que não apresentam nada de novo. O estúdio, apesar de ser limitativo, deve colher o melhor que há em nós. Se não arrepiar, não vislumbro qualquer mérito em gravar. E deve arrepiar o mesmo quando ouvido num rádio com dificuldades em captar sinal, numa tasca com bancos de madeira, ou no melhor auditório do mundo perante uma plateia gigantesca. A gravação está a ser preparada, e em constante evolução de ideias, porque é do seu crescendo que obtemos notoriedade perante os destinatários. A demora acrescida? Não há editoras a apostar em fadistas que não estejam já no topo, e fazer algo com qualidade demora tempo e tem os custos próprios das edições de autor».
Liliana, agradecemos desde já a amabilidade demonstrada desde a primeira hora. Como é que uma pessoa das Tecnologias da Comunicação e do Marketing desperta para o Fado?
Sempre fui uma apaixonada pela música em geral. Onde quer que estivesse tinha que haver música a tocar. Fosse no carro com os meus pais, fosse em casa, no rádio ou na TV. Sim, eu era daquelas miúdas que gravava o Top+! Também sempre gostei de cantar, mas só em casa ou na escola, para o grupo de amigas mais chegadas! Hoje olho para trás e vejo que só aos 28 anos, quando comecei a cantar fado, é que me senti preparada e com coragem para cantar em público. O fado apareceu “de mansinho” na minha vida e já “tardiamente”. Não posso afirmar que tenho raízes no fado ou que cresci a ouvir fado. Não. Assumo que só comecei a prestar mais atenção ao fado com esta nova geração de fadistas, nomeadamente a Ana Moura e a Mariza. A partir daí a paixão foi crescendo, diariamente, levando-me a querer saber mais, ouvir mais, conhecer mais.
Assume-se como leitora compulsiva e melómana incontornável. Como têm, essas características, entrado no seu crescimento enquanto fadista?
Todos somos fruto do que lemos, ouvimos e, em geral, da nossa interação com aquilo que nos rodeia. Seria indissociável desta faceta fadista o facto de adorar ler de tudo um pouco e, acima de tudo, dar um cunho pessoal àquilo que quero efetivamente cantar. Selecionar um poema e associá-lo a uma determinada música revela acima de tudo que privilegio, em primeiro lugar, a interpretação, e essa começa na escolha do poema. Preciso bebê-lo, interiorizá-lo e senti-lo um pouco meu. Daí para a frente, trata-se de dar voz ao eco que esse poema e/ou essa música tiveram em mim. Quem ouve o resultado final tem que ter vontade de saltar da cadeira, ao invés de aplaudir apenas de forma discreta e disfarçada. Se não empolga, não vale a pena, e significa que a fórmula não está correta.
Ana Moura é a sua principal influência ou há outros nomes que figurem nessa galeria?
Como todos os iniciados em qualquer lide, somos despertados por quem está no topo quando nos dedicamos a uma causa. E sim, Ana Moura foi e é uma grande referência, mas não é a única. À medida que me fui aculturando com o género fadista, fui-me revendo noutras vozes e estilos próprios, das quais posso destacar Raquel Tavares e Kátia Guerreiro. Porém, e como nada nasce do vazio, não deixo de ter por referência, pese embora não seja propriamente seguidora do estilo, a inovação, timbre e posturas próprias que nos deixaram Amália, Maria do Rosário Bettencourt, Argentina Santos, Beatriz da Conceição ou Hermínia Silva.
Sente o Ribatejo como o seu porto seguro?
Foi aqui que nasci e cresci, e aqui que despertei para o género musical do fado. Seguro, apenas no sentido de ser uma área geográfica onde acontece muito fado e se torna tão frequente poder cantar como se o fizesse em qualquer casa de fados de Lisboa, apenas em localizações diferenciadas. Assumo-me como fadista, e canto em qualquer parte com igual segurança, porque o estilo e a interpretação não podem nem devem mudar. Inseguro seria achar que teria que ficar no meu cantinho, e não mostrar o que me distingue perante os meus pares.
Não faltará a toda essa motivação e empenho um álbum para mostrar ao mundo aquilo a que realmente vem?
Sim, sem dúvida que falta, e esse é um fruto há muito desejado. Porém, a vida é feita de opções. Há quem opte por gravar trabalhos simplistas, sem qualidade, mal preparados, e que não apresentam nada de novo. O estúdio, apesar de ser limitativo, deve colher o melhor que há em nós. Se não arrepiar, não vislumbro qualquer mérito em gravar. E deve arrepiar o mesmo quando ouvido num rádio com dificuldades em captar sinal, numa tasca com bancos de madeira, ou no melhor auditório do mundo perante uma plateia gigantesca. A gravação está a ser preparada, e em constante evolução de ideias, porque é do seu crescendo que obtemos notoriedade perante os destinatários. A demora acrescida? Não há editoras a apostar em fadistas que não estejam já no topo, e fazer algo com qualidade demora tempo e tem os custos próprios das edições de autor.
Sente que poderá vir a ser um grande e respeitado nome da world music?
O mercado é que poderá responder a tal expectativa. Posso inovar, sem contudo descaracterizar a matriz fundamental que é o fado. É ainda óbvio que para isso é preciso produzir resultados musicais que sejam vendáveis, exequíveis em estúdio e fora dele, e que sejam televisíveis e radiofónicos. As coisas podem ser resultado de mérito próprio, desde que aliados a alguma sorte e inteligência na forma de a procurar, desde que não abdiquemos de princípios basilares dos quais não prescindo, e possamos dizer que não somos apenas fruto de lobbies que nos projetaram apenas “porque sim”.
Como sente o momento atual que se vive em torno do fado? Considera que o fado virou moda?
Diria que virou moda em tudo quanto é bom e que é mau. Moda boa porquanto tem hoje uma projeção além-fronteiras que há uma década atrás apenas esteve ao alcance de alguns artistas verdadeiramente excecionais, e além disso, atinge hoje faixas etárias impensáveis noutros tempos. Verifico também uma gigantesca evolução nos instrumentos, no acompanhamento musical, na estética do género, e na cosmética fantástica nos arranjos. A vertente negativa da moda é que revela um excesso de oferta de muito produto defeituoso e sem qualidade, ao ponto de não se distinguir o que é bom, do que é mediano ou mau. E sim, temos um grande défice de cultura musical, e chegamos a vender ao público estrangeiro produto de má qualidade. Em Espanha, se um matador de toiros não se exibir ao nível esperado, recebe silêncio ou assobios, não aplausos. Em Itália, gasta-se metade do Corriere della Sera do dia seguinte para fazer crítica musical especializada à ópera do dia anterior.
O que nos traz, em sua opinião, a Liliana Jordão de novo para o panorama musical português, nomeadamente para este género musical?
As linhas melódicas do fado pese embora estejam muito exploradas, não estão, de molde algum, esgotadas. Há ainda muito para se fazer em matéria de poesia nova em melodias tradicionais, da mesma forma que em termos vocais e instrumentais, o fado ainda pode ser vestido com tantas roupagens quantas aquelas que a nossa imaginação permitir. Há tantas coisas maravilhosas que se podem fazer com uma guitarra portuguesa, uma viola e um baixo, que não tenho dúvidas de que o céu é o limite. Temos assistido a esse fenómeno de enriquecimento do fado em todos os aspetos desde há 20 anos para cá, e suponho que a evolução continuará.
Onde poderão os nossos leitores ouvi-la em breve?
Tenho por regra não estar privativa em qualquer ponto específico, de forma que os espetáculos irão decorrer nos mais variados espaços e locais. Diria até que estou em constante digressão. Nos próximos meses, além de atuações na Suíça e talvez em Angola, irei estar a fazer um périplo por várias localidades do Ribatejo, e também na cidade de Lisboa.
Agradecemos mais uma vez a atenção. Pode apresentar-nos os músicos que sobem ao palco com a Liliana Jordão?
Habituei-me, pese embora ande nisto há, relativamente, pouco tempo, a ser criteriosa na escolha de quem partilha o palco comigo. Há coisas que não se preparam numa semana. Aprendemos a respirar uns com os outros, e tornarmo-nos exigentes com quem partilha conosco estados de alma e a responsabilidade de estar em cima de um palco. A função é divertir e animar, e por isso respeito o público escolhendo sempre os melhores, porque o espetáculo tem que ser um todo, e funcionar como um Universo. Permito-me também distinguir melhores de virtuosos bacocos, que preferem confundir o todo com a parte. Geralmente, e se estiverem disponíveis, privilegio o acompanhamento do Paulo Leitão, na guitarra portuguesa, do Gilberto Silva, na viola, e do Fernando Nani no baixo. O Paulo (meu marido), o Gilberto e o Nani são acima de tudo amigos e companheiros de viagem. São músicos com uma sensibilidade acima da média, uma técnica irrepreensível, perfecionistas até ao limite e uma fonte de conhecimento inesgotável. É graças a eles que tenho crescido e amadurecido e são eles que me permitem aventurar por todas as linhas melódicas do fado, sem me imporem qualquer limite. Acima de tudo tocam com alma e coração e imprimem tudo o que sentem ao que estão a tocar. E isso é o que faz toda a diferença. E isso não tem preço.
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