Rodrigo Serrão. A música e o Chapman Stick.
Rodrigo tem uma vasta carreira musical e atualmente dedica-se ao Chapman Stick. A sua carreira e o universo que rodeia este instrumento musical são passados em revista numa entrevista onde fica indisfarçável o entusiasmo do músico: «Confesso que gostaria imenso de ainda assistir à generalização da utilização do stick em Portugal. Na verdade somos todos embaixadores do instrumento e hoje em dia, tão depressa alguém ouve na Coreia aquilo que faço, como o coreano influencia em Lisboa. A realidade é que a sua generalização é simplesmente inevitável e apenas uma questão de tempo: o instrumento é demasiado bom para se deixar passar... eu sei... vivo essa experiência todos os dias».
Muito obrigado por esta oportunidade que nos concede. Em que altura da sua carreira apareceu o Chapman Stick?
Obrigado eu, pelo interesse e disponibilidade. O Chapman Stick apareceu na minha vida há relativamente pouco tempo: entre março e abril do ano passado (2015). Fui convidado para uma estadia musical em Graz, cidade Austríaca que se caracterizou por extensos períodos, às vezes dias inteiros, de tempo livre. Por uma sucessão feliz de acasos, num desses momentos tive a sorte de encontrar na Internet um vídeo que despertou a minha atenção e, coisa rara, com a disponibilidade suficiente para pesquisar, ouvir e me deixar seduzir pelo instrumento. Este vídeo acabou por condicionar o resto dessa viagem e a minha vida desde então. A partir desse momento até efetivamente pegar no telefone e entrar em contacto com o seu criador, Emmet Chapman, para uma encomenda definitiva, passaram apenas algumas semanas.
Como foi a sua carreira até conhecer este inovador instrumento? Como foi a sua formação musical e em que contextos tocava?
A minha formação básica começou muito cedo, aos sete anos, vem da Flauta Transversal no Conservatório de Coimbra. Entretanto fui brincando com a guitarra, o baixo e o piano, até à descoberta, no final da adolescência, da minha primeira grande paixão: o Contrabaixo. Tal como no Stick, bastaram os primeiros compassos de uma música e, em 20 segundos, tudo se alterou e decidi vir para Lisboa, pois na altura não havia aulas de contrabaixo em Coimbra. Tudo isto sem nunca sequer ter visto o instrumento ao vivo. A formação começa então, seriamente, nessa altura. Com grandes professores e muitas horas de estudo rapidamente surgem os primeiros concertos: primeiro no Jazz, depois na música Brasileira, Cabo-Verdiana, Pop, Clássica, até descobrir aquela que tem sido a minha casa, onde junto toda a experiência acumulada e onde tenho feito o melhor do meu trabalho, como músico, compositor e produtor: o Fado.
Como caracteriza este instrumento musical? Quais as suas maiores virtudes? É um instrumento que necessita de uma maior dedicação por parte do performer?
Caracterizar o Stick não é fácil: é um instrumento que soa a uma fusão entre um baixo e uma guitarra eléctrica, mas devido à técnica com a qual é tocado e para a qual foi desenvolvido, tem uma abordagem conceptual completamente pianística. Assim, usam-se todos os dedos das duas mãos mas, em vez de teclas, pressionamos cordas. Visualmente a postura lembra uma espécie de arpa mas o que os dedos fazem tem, na realidade, muito mais a ver com as Tablas e outros instrumentos de percussão... há uma altura em que já são tantas as tentativas de descrição que deixa de fazer sentido tentar definir por comparação: é um instrumento diferente, com uma identidade própria, é um Chapman Stick.
A maior virtude é o som. O Emmet teve sempre, ao longo da história do instrumento, o maior dos cuidados em melhorar tecnicamente a sua construção, mas nunca abdicou de um conceito sonoro singular. Depois claro, é a ferramenta ideal para quem gosta de encher um espaço com música. Combina em simultâneo os três papéis: harmonia, ritmo, melodia, numa extensão do grave ao agudo até agora apenas reservada ao Piano... só que, neste caso, o Stick pode-se meter ao ombro e levar para casa.
Quanto à dedicação, precisa efectivamente de muita. De todos os instrumentos que abordei na vida, nenhum me pareceu tão fácil de emitir o primeiro som e tão difícil de tocar realmente bem - a margem de erro é enorme, o controlo tem sempre de ser absoluto e ainda está tudo por inventar: é um caso para a vida. Posso confessar que a minha média de trabalho com o instrumento raramente é menos do que 10 horas diárias.
Já gravou mais de cem discos... É uma marca estrondosa! Destas cem gravações constam participações suas em trabalhos de artistas somente portugueses? Quais os principais nomes com quem já colaborou?
A maior parte sim, são artistas portugueses, muito embora com as facilidades oferecidas pela Internet, hoje em dia se façam muito mais parcerias internacionais. É comum receber um e-mail com uma base instrumental e a ideia do produtor, gravar o meu instrumento e devolver o email... tudo sem sair de casa.
Em 25 anos de música os discos em que participei são extremamente variados. Alguns exemplos aleatórios e, aparentemente, sem ligação entre si: José Cid, Paulo de Carvalho, Anabela, Romana, D. Vicente da Câmara, Pedro Barroso, Rouxinol Faduncho, Mikkel Solnado, Maria Ana Bobone e Dulce Pontes.
Quais as suas principais influências musicais? Tem preferência por algum, ou alguns géneros musicais?
A Principal influência é fácil: J. S. Bach! É o pai da música ocidental e figura incontornável na minha vida criativa. É a casa de onde parto e onde chego sempre. É também uma das principais razões para tocar este instrumento. Depois há outras, imensas e variadas que vão desde Carlos Paredes a Peter Gabriel, de Mike Oldfield a Bill Evans, de Mozart, Amália, James Taylor, até Dire Straits... Não há na realidade uma forma de se enquadrar e fechar tudo num único género. Sou músico, logo, gosto de qualquer música desde que me apele, aprendo com todos e deixo que tudo se incorpore na música que faço.
Quais os principais nomes mundiais ligados ao Chapman Stick? Admira em particular algum desses nomes?
À cabeça da lista estará sempre o Emmet Chapman. Além do inventor do instrumento e da técnica que o acompanha, à qual decidiu chamar “free hands” (mãos livres), é um músico brilhante e ainda toca regularmente. Depois temos pessoas a fazer coisas inacreditáveis no país de origem (EUA) como Bob Culbertson, Greg Howard, Steve Adelson ou Don Schift, mas também no resto do mundo: Guillermos Cides (Espanha), Youenn Landreau (França), Jim Meyer (Canada) ou Boris Basurov (Russia). O mais conhecido talvez seja Tony Levin,baixista de renome mundial que acompanha Peter Gabriel.
O mais curioso é que a comunidade de músicos “Stickistas” é singularmente ativa e próxima, sempre centrada na figura do seu criador - quantas oportunidades tem uma pessoa de conviver com o criador de um instrumento? - e sempre pronta a oferecer apoio e a promover troca de informações. Desde ”fins-de-semana de retiro” até chamadas Skype ou partilhas no Fórum dos Stickistas, o meu contacto com qualquer destes nomes é muito fácil e quase cotidiano. Cada um está muito atento ao que todos os outros estão a fazer. Construímos as fundações e a história de um instrumento em conjunto e de forma muito unida.
Recentemente tem protagonizado algumas parcerias com a artista Maria Ana Bobone. Como surgiu esta “parceria”?
Conhecemo-nos há muitos anos mas nunca tínhamos trabalhado seriamente juntos antes de 2011. Foi por essa altura que a Maria Ana me propôs ajudá-la a desenvolver um conceito que ela mesma tinha criado: a personalização completa da sua forma de cantar Fado, acompanhada por si mesma ao Piano. Esse Conceito resultou num disco a que se chamou Fado & Piano – que é, na minha opinião, pelo talento, génio e sensibilidade da Maria Ana Bobone, uma das obras musicais mais belas e apuradas dos últimos 15 anos em Portugal.
O Rodrigo Serrão é o único músico a apresentar concertos de Chapman Stick em Portugal?
Tanto quanto sei, sim. Não fui no entanto o primeiro português a ter um Chapman Stick. Esse privilégio cabe ao Ricardo Mendes, Stickista do Porto. Na realidade, este é um título que espero seja muito temporário – a oportunidade de ver e conviver diariamente ao vivo com outros Stickistas é, de longe, muito mais apelativa.
Vem aí o seu primeiro disco a solo. Como caracteriza o trabalho “Stick to theMusic” que será lançado ainda em 2016?
É ao mesmo tempo um lançar de sementes novas e uma recolha de frutos amadurecidos nestes últimos anos. Quero com isto dizer que, depois de tantos discos, é aquele onde se ouve na primeira pessoa a minha voz, a música como a imagino no silêncio que antecede a sua criação, sem concessões, mas veiculada sempre pela nova ferramenta que me é proporcionada na forma do Chapman Stick.
Sente que a sua influência poderá originar o aparecimento de mais instrumentistas dedicados ao Chapman Stick em Portugal?
Confesso que gostaria imenso de ainda assistir à generalização da utilização do stick em Portugal. Na verdade somos todos embaixadores do instrumento e hoje em dia, tão depressa alguém ouve na Coreia aquilo que faço, como o coreano influência em Lisboa. A realidade é que a sua generalização é simplesmente inevitável e apenas uma questão de tempo: o instrumento é demasiado bom para se deixar passar... eu sei... vivo essa experiência todos os dias.
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