Trio Pangea e o trabalho “Portuguese Trios Anthology”
O violinista espanhol Adolfo Rascón Carbajal, o pianista francês Bruno Belthoise e a violoncelista portuguesa Teresa Valente Pereira formam o Trio Pangea que se prepara para lançar “Portuguese Trios Anthology” numa colaboração com a Naxos. «Neste primeiro disco estão incluídos os trios de Luiz Costa, Cláudio Carneyro e Sérgio Azevedo, sendo este último dedicado ao Trio Pangea. Ao juntar estes compositores neste CD, quisemos pôr em evidência os profundos contrastes que a música de cada um transmite ao ser ouvida ininterruptamente. O trio de Luiz Costa, embora tenha sido composto em 1937, caracteriza-se pelo seu romantismo e a sua forma é bem clássica. Tem sempre uma receção entusiasta do público! O trio de Cláudio Carneyro (1928), composto anteriormente ao de Costa é curiosamente muito mais experimental e livre, em três andamentos completamente diferentes, joga com temáticas populares, melodias íntimas de inspiração romântica e experimenta novas técnicas compositivas. Por fim, o trio Hukvaldy de Sérgio Azevedo (2013) e dedicado ao Trio Pangea, foi construído a partir de um fragmento de obra do compositor checo Janácek que vai sendo progressivamente distorcido e modificado dando origem a material completamente distinto».
Muito obrigado por terem aceitado o nosso convite para esta entrevista. Antes de falarmos deste Portuguese Trios Anthology editado pela Naxos, gostaríamos que nos descrevessem um pouco a origem do Trio Pangea. A Teresa Valente Pereira considera que o Trio Pangea nasceu com objetivos muito específicos?
O prazer é nosso! Na realidade, o Trio Pangea surgiu da minha amizade de longa data com o Bruno e, uns anos mais tarde, com o Adolfo. Com os dois tive a oportunidade de trabalhar em música de câmara e com os dois me entendia muito bem. Com toda a naturalidade, o passo seguinte foi juntarmo-nos os três para tocar. A partir daí os projetos começaram a surgir. Tivemos oportunidade de interpretar grandes obras, como por exemplo os trios de Schumann, Fauré, Shostakovich ou Debussy em diversos concertos e festivais, em Portugal, Espanha e França. Exemplos desses concertos foram o Festival do Estoril, os Concertos Antena 2, Fundação Eng. António de Almeida, Dias da Música, Museo Evaristo Valle, Auditórios dos Conservatórios de Bilbao e Oviedo, Temple du Luxembourg, Auditorium Giovaninettti, Auditorium de Dreux, entre outros. Paralelamente, estabelecemos interessantes colaborações com compositores contemporâneos como Emmanuel Hieaux (França), a quem dedicámos o nosso primeiro disco “Une Goutte d’ombre”, editado pelos Disques Coriolan e que está disponível na Fnac, Alberto Colla (Itália) e Sérgio Azevedo, do qual gravámos o trio, presente no primeiro volume da antologia Naxos.
E quem são os Trio Pangea? Podem apresentar-se?
O Trio está formado pelo Adolfo Rascón Carbajal, violinista espanhol, pelo Bruno Belthoise, pianista francês e por mim, Teresa Valente Pereira, violoncelista portuguesa. Embora cada um de nós se sinta profundamente ligado à sua terra de origem, todos nós vivemos ou passámos longas temporadas no país vizinho (ou quase vizinho), passo a explicar: eu vivo há mais de dez anos em Espanha, sinto-me portuguesa mas a minha casa está em Espanha, o Adolfo viveu em Portugal quase um ano e adora Lisboa e Sintra e o Bruno já é quase português de tantas vezes que esteve em Portugal! Estas vivências conjuntas e bem misturadas resultaram numa interessante troca cultural e musical, constituindo a nossa própria identidade como grupo de música de câmara.
Bruno Belthoise, para além do Trio, cada um de vós abraça diferentes projetos? Também dão aulas?
Sim, sou professor no Conservatoire de Houilles (perto de Paris), paralelamente desenvolvo diversos projetos, tanto a solo, em discos, recitais, concertos narrados, como integrando diversos grupos de música de câmara. Ao longo dos anos também tenho vindo a gravar em disco muitos compositores portugueses, escrito artigos, realizado masterclass e conferências. O interesse pela pedagogia levou-me a organizar numerosos concertos para jovens e a lançar coleções de partituras orientadas para jovens pianistas, como é o caso do “Repertório para Pianistas”, editado pela AvA Musical Editions. A minha paixão pela cultura portuguesa originou não só a descoberta dos compositores do vosso país e a sua particular ligação com França, mas também a literatura e poesia, na minha opinião, a mais bela das poesias contemporâneas. A Teresa e o Adolfo dão aulas esporadicamente a alunos que os contactam a título particular ou em cursos ou masterclass. Para além das aulas, desenvolvem outros projectos camerísticos, através da colaboração com outros grupos, e participações em festivais internacionais, que conciliam com a sua carreira como músicos das orquestras Sinfónicas de Bilbao e do Principado das Astúrias.
Se tivessem que eleger uma característica que diferencie os compositores portugueses dos compositores do resto do mundo qual refeririam?
Bruno Belthoise: Talvez a característica que os diferencie de outros compositores não tenha a ver diretamente com a sua música. A sua condição de portugueses e portanto de marginais, desconhecidos da História da Música, pelo facto de viverem num país pequeno, que nunca foi um epicentro musical talvez seja a marca diferenciadora. Depois de um século XIX bastante pobre musicalmente, comparado com o resto da Europa, parece que Portugal foi progressivamente tomando consciência da sua identidade musical, ao mesmo tempo que foi descobrindo as correntes modernistas, também noutros domínios artísticos como foi o caso do pintor Amadeo de Sousa Cardoso, do poeta Mário de Sá Carneiro e obviamente do incontornável Fernando Pessoa. No início do século XX, emergiram várias personalidades que marcariam a música portuguesa: Luiz de Freitas Branco, Armando José Fernandes, Joly Braga Santos, compositores que incluiremos na nossa antologia. Tenho a impressão de que, ao longo deste século, Portugal procurou recuperar o atraso anterior numa correria de última hora! Esta é, para mim, uma das especificidades do povo português! Ao mesmo tempo, os avanços no campo da investigação etnomusicológica foram revelando a riqueza das tradições regionais musicais autóctonas, únicas na Europa, às quais compositores clássicos foram e vão buscar inspiração, como foi o caso de Fernando Lopes-Graça ou o contemporâneo Carlos Marecos do qual gravaremos também um trio para a antologia Naxos.
Adolfo Rascón Carbajal, pode falar-nos agora do CD que aí vem? Quais os compositores que serão interpretados pelo vosso trio?
Neste primeiro disco estão incluídos os trios de Luiz Costa, Cláudio Carneyro e Sérgio Azevedo, sendo este último dedicado ao Trio Pangea. Ao juntar estes compositores neste CD, quisemos pôr em evidência os profundos contrastes que a música de cada um transmite ao ser ouvida ininterruptamente. O trio de Luiz Costa, embora tenha sido composto em 1937, caracteriza-se pelo seu romantismo e a sua forma é bem clássica. Tem sempre uma receção entusiasta do público! O trio de Cláudio Carneyro (1928), composto anteriormente ao de Costa é curiosamente muito mais experimental e livre, em três andamentos completamente diferentes, joga com temáticas populares, melodias íntimas de inspiração romântica e experimenta novas técnicas compositivas. Por fim, o trio Hukvaldy de Sérgio Azevedo (2013) e dedicado ao Trio Pangea, foi construído a partir de um fragmento de obra do compositor checo Janácek que vai sendo progressivamente distorcido e modificado dando origem a material completamente distinto.
Teresa, pelo que percebemos não sairá somente um CD. Esta vossa colaboração com a Naxos vai dar origem a 4 trabalhos distintos... Falem-nos um pouco de tudo isto.
Esta é uma ideia que me andava a rondar a cabeça já há muito. Sempre pensei que nós próprios, portugueses, nunca soubemos valorizar o nosso património, e não só a nível musical! Infelizmente, esta baixa autoestima em conjunto, muitas vezes, com uma atitude de menosprezo, traduziu-se num longo abandono generalizado desse mesmo património. O meu desejo foi o de contribuir com o nosso grãozinho de areia para mudar esta realidade. Felizmente, há já algum tempo as mentalidades têm vindo a evoluir e muita e boa gente tem trabalhado para isso. Quando expus a minha ideia aos meus dois companheiros, eles aceitaram o desafio entusiasmados e contribuíram por sua vez para o desabrochar do projeto. Para marcar a diferença, a colaboração com a Naxos foi essencial. Embora nós sejamos os produtores e artífices de todo o processo artístico-musical, o facto de poder contar com esta grande editora permite dar uma visibilidade nunca vista à música portuguesa, uma dimensão mundial à antologia. Em princípio, se tudo correr bem, pensamos editar mais três discos. Cada disco terá três trios, representativos de diferentes épocas, três compositores que marcaram a sua época com o seu legado. Um dos compositores, será sempre um contemporâneo nosso, o seu trio será uma encomenda feita pelo Trio Pangea com o objetivo de enriquecer o repertório português para esta formação. Gostaríamos que esta antologia fosse uma espécie de guia auditiva para a descoberta do repertório português, para trio e não só!
Um projeto com estas características carece de apoio certamente. Têm estabelecido algum tipo de parcerias?
Adolfo Rascón Carbajal: Efetivamente. Se estivéssemos à espera de apoio para realizar este projeto, este ainda estaria só no papel. O nosso empenho foi, desde o início, total, artística, musical, e financeiramente falando! No entanto, torna-se vital conseguir algum apoio para poder continuar a desenvolvê-lo! Atualmente estamos na fase de preparação da campanha de crowdfunding que, esperamos, nos permitirá continuar com a nossa empreitada, por isso, toda a divulgação e apoio não só é importante, senão fundamental! Para além da Naxos, as parcerias vigentes são com a AvA Musical Editions, onde poderão encontrar disponíveis as partituras dos trios editadas, com o Museu Nacional de Arte Contemporânea do Chiado, que cedeu a imagem do quadro de António Carneyro para a capa do disco e com o Conservatório “Eduardo Martínez Torner” de Oviedo, que cedeu o auditório onde gravámos o disco. Temos algumas ideias relativas a instituições com as quais gostaríamos de trabalhar e com as quais pensamos ter oportunidades para futuras parcerias.
Pensam em levar a cabo mais alguma iniciativa no sentido de canalizar apoios para este projeto?
Bruno Belthoise: O ideal seria que houvesse um apoio estatal ao projeto. Oxalá isso venha a suceder. Trabalharemos incessantemente para que isso aconteça. No entanto, precisamos de seduzir potenciais mecenas privados que compreendam a dimensão global do projeto. Com a distribuição a nível mundial da Naxos, o acesso à música de câmara portuguesa é fácil e é visível. E para além da dimensão histórica da antologia, de recuperação e nova interpretação de trios injustamente esquecidos, a originalidade e mais-valia desta antologia tem a ver com o facto de incluir compositores atuais marcantes, ampliando o património musical português através das nossas encomendas. Todos podemos ganhar com o apoio a este projeto, músicos, compositores, sobretudo a música, que seja tocada, ouvida e vivida por muito gente! Temos já reações extremamente positivas e cheias de curiosidade em relação ao nosso disco de distintas partes do planeta, desde Espanha aos Estados Unidos!
Desejamos muito sucesso para esta vossa empreitada em prol da divulgação dos compositores portugueses. Já pensam em projetos para além destes de que aqui falámos?
Com certeza! Sentimos que é uma boa altura para trabalhar em alguns trios do repertório clássico, Haydn, Mozart e Beethoven. Voltar às raízes, a grandes compositores para construir uma interpretação nossa. Entre obras de repertório, música portuguesa e contemporânea, temos muito com que nos ocupar! Obrigada pelo vosso contacto e pela divulgação do projeto do Trio Pangea.
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