Cecília Branco. Uma viagem pela carreira da violinista.
A violinista da Orquestra Gulbenkian aceitou o nosso desafio para uma entrevista na qual revisitámos algumas fases da sua aprendizagem e da sua carreira. Já correu os quatro cantos do mundo representando Portugal ao mais alto nível e tem a perfeita consciência do quão é difícil abraçar uma carreira de músico no nosso país. «Nunca foi tarefa fácil ser músico em Portugal. A cultura é tratada como algo perfeitamente dispensável e, para muita gente, ser músico ainda é considerado pouco dignificante. Não têm uma pequena ideia dos anos de estudo que ficaram para trás, de quanto foi preciso abdicar a nível pessoal, a nível familiar... Não sabem que, a anteceder cada apresentação, estão muitas horas de preparação individual e de conjunto. Sinto que, em muitas situações, o nosso trabalho não é devidamente respeitado».
Cecília Branco, muito obrigado por esta oportunidade que nos concede. Ainda se recorda dos primeiros tempos em que começou a despertar para a música? Elegeu sempre o violino como instrumento preferido?
Recordo sim. Gostava imenso de ouvir música clássica na rádio. "Tocava" piano nas mesas lá de casa e violino utilizando duas réguas! Era filha única, na altura, e imaginação não me faltava. Foi então que os meus pais pensaram que eu devia estudar música e entrei para a Fundação Musical dos Amigos das Crianças com 4 anos. Primeiro como aluna de piano e, a partir dos 6, também de violino.
Manuel Gomes e Leonor Prado foram personalidades importantes na sua formação?
Cada um dos meus professores teve grande importância nas diferentes etapas da minha formação musical.
Como surgiu a oportunidade de ir estudar com Alberto Lysy e com Félix Andrievsky? Sair de Portugal era indispensável para que crescesse artisticamente?
Frequentei os cursos de Alberto Lysy na Fundação Gulbenkian e em Mateus. Foi ele quem me incentivou a pedir uma bolsa de estudo à Fundação Gulbenkian. Eu tinha 14 anos e os meus pais acharam por bem que terminasse primeiro o liceu. Assim foi: terminado o liceu e com a bolsa da Gulbenkian, fui para Gstaad, na Suíça,onde estudei com Alberto Lysy e tive oportunidade de tocar na Camerata Lysy Gstaad. Dois anos mais tarde, ainda como bolseira da Gulbenkian, continuei a minha formação em Israel, com o Professor Felix Andrievsky. Deparei-me com uma realidade musical que em nada se podia comparar com o que se passava em Portugal. Não nos podemos esquecer de que havia muito poucas escolas de música no nosso país. Era um meio muito pequeno. Lá fora, o que não faltava era gente a tocar muito bem! O contacto com colegas de variadíssimas nacionalidades e a oportunidade que tive de assistir a concertos de altíssimo nível foram determinantes para o meu desenvolvimento artístico e humano também. Sem dúvida.
Como solista apresentou-se com inúmeras orquestras de prestígio. Quais as experiências que mais a marcaram enquanto solista?
A primeira vez que toquei a solo, devia ter uns 8 anos. Que grande responsabilidade! Não podia desiludir os meus professores! O professor de orquestra era Fernando Costa, grande músico. Lembro-me de entrar num palco com muita luz, cumprimentar o concertino (tocávamos sem maestro), começar a tocar e sentir verdadeiro prazer no que estava a fazer. Outra experiência que me marcou aconteceu muito mais tarde. Já profissional, tocava um concerto a solo com a Orquestra Gulbenkian e o público aplaudiu quando terminei o segundo andamento, um andamento lento. Numa época em que o virtuosismo é rei, se aplaudiram o segundo andamento algo positivo lhes consegui transmitir. Fiquei-lhes muito grata.
Já representou Portugal no exterior mais do que uma vez. Quais as situações em que sentiu mais o peso e a responsabilidade de representar um país?
Todas por igual. Em música de câmara ou numa orquestra, e em qualquer ponto do globo.Posso dizer-lhe, isso sim, que uma das melhores experiências da minha vida foi participar num concerto dirigido por Sir Georg Solti, em 1995, com uma orquestra fantástica constituída por concertinos, chefes de naipe e solistas vindos de diversos países. Foi o primeiro concerto da World Orchestra for Peace e comemorava-se o 50º aniversário da ONU, em Genebra. No público, personalidades como Yasser Arafat, Yitzhak Rabin e muitos outros. Foram momentos mágicos! A orquestra, embaixadora da UNESCO, continuou depois da morte de Solti com o maestro Valery Gergiev, e eu tenho participado regularmente nos vários projetos.
Sente-se uma privilegiada por integrar uma orquestra como a Orquestra Gulbenkian?
Tinha acabado de chegar de Israel quando ingressei na Orquestra Gulbenkian. Ao longo dos anos vi, com muito orgulho, que a orquestra atingia um nível bastante elevado no panorama musical europeu. Uma boa equipa que trabalhava para atingir um objetivo comum: a excelência. Tocámos com grandes maestros e solistas de craveira mundial. Sim, fui privilegiada. Nos dias de hoje, sinto-me privilegiada em relação aos jovens instrumentistas que sonham ingressar na Orquestra Gulbenkian e não o podem fazer. Isto porque os contratos a prazo e os estágios também já chegaram à música...
Portugal acaba de entrar num novo ciclo político. Pensa que o mesmo poderá ser benéfico para as áreas culturais?
Quero acreditar que sim. Preciso acreditar que sim!
Ser músico num país como Portugal é muito difícil?
Nunca foi tarefa fácil ser músico em Portugal. A cultura é tratada como algo perfeitamente dispensável e, para muita gente, ser músico ainda é considerado pouco dignificante. Não têm uma pequena ideia dos anos de estudo que ficaram para trás, de quanto foi preciso abdicar a nível pessoal, a nível familiar... Não sabem que, a anteceder cada apresentação, estão muitas horas de preparação individual e de conjunto. Sinto que, em muitas situações, o nosso trabalho não é devidamente respeitado.
Pensa que Portugal poderia ter mais orquestras? Os municípios portugueses poderiam ser as rampas de lançamentos para a criação de novas orquestras e, simultaneamente, para a criação de hábitos culturais ligados à área musical?
Sem dúvida! Há muitos jovens talentosos que estão a terminar ou que já terminaram os seus estudos, cheios de vontade de trabalhar, de fazer boa música, que se acham um pouco perdidos. Novas orquestras, sim, há espaço para elas. Apoios a grupos de câmara. Acordos com os canais televisivos nacionais. É absolutamente necessário que a cultura chegue a todos. Há duas semanas atrás, toquei com colegas da Orquestra Gulbenkian, um concerto de quarteto num bairro problemático da Grande Lisboa. Estava preparada para encontrar uma certa resistência em relação à música clássica, alguma desatenção... e não é que me enganei? Crianças e jovens em silêncio, ouvindo Borodine e Tchaikovsky! Que bem me fez sentir! Há que abrir novos horizontes, há que pôr as pessoas a pensar e a sonhar!
Tem ainda muitos sonhos por concretizar? Pode partilhar algum?
Sim, ainda tenho alguns sonhos por concretizar, mas não a nível profissional.Tudo coisas que, por falta de tempo ou de disponibilidade, não consegui realizar. Um assunto que me apaixona desde sempre é, por exemplo, a investigação na área da História.
Mais uma vez agradecemos a amabilidade. Para terminar gostaríamos de saber quais os projetos que abraça atualmente.
As suas últimas duas perguntas vêm muito a propósito! Estou, neste momento, a desvincular-me de alguns projetos. Chegou a altura de fazer uma pausa e deixar que a vida flua. Os últimos anos foram muito desgastantes e, afinal, as pausas fazem parte da música... Foi com muito gosto que respondi às suas perguntas. Agradeço a oportunidade.
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