Nuno Costa. Um compositor que leva a bandeira de Portugal mais longe.
O compositor Nuno Costa concedeu-nos a oportunidade de sabermos um pouco mais sobre a sua vida e sobre a sua carreira. Do despertar para a música, passando pela sua experiência nos Salesianos de Poiares, no Conservatório do Porto, e na ESMAE, e culminando nos tempos atuais repletos de sucessos e conquistas, o nosso entrevistado teceu também algumas considerações sobre a música no contexto cultural português. «Não penso que a música seja um parente pobre. Penso, antes, que a cultura é uma espécie de parente esquecido da sociedade portuguesa porque de pobre a nossa cultura pouco tem. Tem, antes, o fado de viver uma descontinuidade na sua execução... Há um sem número de razões para que isso seja assim mas, se não for primeiro, o Tempo dará, à nossa Sociedade, a oportunidade de se encontrar com aquilo que a poderá tornar, indubitavelmente, única».
Nuno Costa, muito obrigado por nos conceder esta oportunidade de sabermos um pouco mais sobre o seu percurso. O reconhecimento do seu trabalho para coro "a cappella" a oito vozes atribuída durante os "World Music Days" na Eslovénia foi algo muito importante para si? Como surgiu esta oportunidade de participar em tão prestigiado evento?
Da minha parte, também agradeço o interesse demonstrado pelo XpressingMusic - Portal do Conhecimento Musical - em levar a cabo esta entrevista. Não tenho como ignorar qualquer reconhecimento que seja feito ao meu trabalho. Naturalmente, foi um prémio importante para mim, que me proporcionou momentos de grande alegria. Vejo-o como mais um alento para continuar a traçar os caminhos que me forem possíveis trilhar.
A oportunidade surgiu de uma forma muito simples. Através da candidatura individual que o WMD permite, submeti a minha obra aos regulamentos do Festival e, em boa-hora, fui selecionado. Isto permitiu que a minha música ganhasse imediatamente direito a ser apresentada na semana em que decorre o Festival e daí até ao prémio final, foi o que os membros do júri acharam por bem decidir.
Sendo a primeira vez que o prémio é atribuído a um português, pensa que este vai trazer maior notoriedade ao trabalho que por cá se faz?
Honestamente, por causa deste prémio (ou de outro qualquer), não me parece que vá ocorrer algo de especial a esse nível da notoriedade que refere. Os compositores em Portugal não estão organizados de forma a se poder tirar vantagens desta ou de qualquer outra notabilidade que se vá conseguindo fora das nossas fronteiras, seja por quem for. Não me parece que seja problema apenas da máquina portuguesa mas, da minha curta experiência, vejo que há países (igualmente pequenos no que à geografia diz respeito) que ultrapassam as diversas barreiras que é comum verem-se levantadas por pessoas como nós (!) e unem-se em torno da sua “classe”. Na minha opinião, sendo íntegros internamente, com maior facilidade se poderá chegar mais longe fora das nossas fronteiras e, aí sim, tirar os devidos dividendos deste tipo de situações. Mas isto é apenas a minha opinião...
Quanto tempo demorou a compor a peça "Pater noster"?
A ideia que sustenta esta peça tem raízes bastante antigas e daí posso dizer que já há muito tempo que ela habitava o meu imaginário mas a sua concretização no papel, do meu ponto de vista, foi muito rápida: um mês foi o bastante para a fixar na partitura.
Como foi o seu percurso musical até aos dias de hoje? Quando começou a dar os primeiros passos na aprendizagem musical?
No meio de uma família com alguns músicos populares, essencialmente ao toque da concertina e do acordeão, não é difícil adivinhar que foi por aqui que o ouvido começou a despertar. O ponto essencial despontou de uma forma bastante típica nos meios mais rurais e, por esta razão, de uma forma que considero bela. Num final de Missa de Domingo, um simples aviso por parte do Pároco, que anunciava a vinda de um professor de música à Freguesia, traduz-se, aos 8 anos de idade, no início da minha aventura musical.
Em Vila Real, aos 14 anos, fui admitido na Escola de Música Real Filarmonia, (que mais tarde viria a dar origem ao Conservatório Regional de Música de Vila Real, que já não frequentei), para a classe de piano do professor Roberto Lourenço. Aqui, onde permaneci durante 3 anos, cruzei-me com pessoas que considero fundamentais para o meu percurso. De Vila Real, ainda hoje resiste um núcleo de importantíssimos amigos.
De Vila Real ao Porto foi um salto. Motivou-me a Música. Fui para o Conservatório de Música do Porto estudar piano na classe da professora Manuela Costa e, imediatamente, descobri o mundo da composição, propriamente dito, quando frequentei as aulas de Análise e Técnicas de Composição com o professor Fernando Valente. Esta foi uma importante descoberta, ou melhor dizendo, esta foi a descoberta! Também daqui, como seria de prever, guardo pessoas importantes que me deram oportunidades únicas e acreditaram nos meus passos. Desta forma, tive as primeiras apresentações de composições próprias, culminando mesmo com a direção, em concerto, do Coro do Conservatório, classe da professora Magna Ferreira, na estreia de uma obra para solista, coro e órgão. Preparei-me, então, para concorrer ao curso de composição na Escola Superior de Música, Artes e Espetáculo (ESMAE). Durante a minha Licenciatura, entre 2008 e 2011, tive a honra de partilhar a sala e pertencer a uma classe que, já à altura, a sentia muito valorosa. Desde professores a colegas, os anos da ESMAE foram uma fonte inesgotável de descobertas. Não posso deixar de falar na fantástica ESMAE sem falar nos professores que mais diretamente me ajudaram a encontrar o meu caminho na composição, foram eles Pedro M. Santos, Filipe Vieira e Eugénio Amorim.
Em 2011 tive a oportunidade de concretizar uma vontade antiga: estudar no estrangeiro pelo menos durante um ano. Pelas razões de querer conhecer novas realidades, a via ERASMUS preencheu os requisitos necessários para dar asas a este desejo. Depois de alguma pesquisa, Antuérpia surge como lugar perfeito para o que procurava: estudar com um compositor de grande valor, como é o caso de Wim Henderickx, e estudar num local sem tradição recente de presença portuguesa (no que à composição diz respeito), mas com tradição de qualidade na música contemporânea. E assim foi. Passado o primeiro ano, decidi continuar o Mestrado como aluno regular do Conservatório Real de Antuérpia. Roma surge imediatamente a seguir, em 2013. Este percurso, talvez improvável mas fortemente entranhado no meu subconsciente, surgiu como um novo desafio pessoal.
Desde muito cedo, na minha vida, por razões muito específicas, que mais adiante abordarei, estudar em Itália tornou-se um desejo que eu colocava ao nível dos sonhos praticamente não concretizáveis. Não que a ida para um qualquer local do mundo seja impossível, mas, na minha opinião, só é realmente motivador ir, se for para um lugar onde se considere que estão mestres de grande valor para nós. Mais uma vez escolhi um local sem tradição recente de presença portuguesa e uma instituição de enorme prestígio, com um reconhecidíssimo compositor. É, então, até aos dias de hoje que frequento o Curso de Alto Aperfeiçoamento em Composição da Academia Nacional de Santa Cecília, com o compositor Ivan Fedele.
A composição foi sempre uma paixão?
É-me mais fácil dizer que a música sempre foi uma paixão e, a partir daqui, fui encontrando os meus lugares nela mesma. Isto porque me parece que ninguém, nunca, é apenas uma coisa só. Desde a experiência popular que me foi dada a viver nos inícios, até à prática da música na sua vertente sacra, passando pelos mais diversos caminhos, chego até à formação académica e daqui tive a oportunidade de partir para um mundo imenso de novas descobertas. A composição foi uma delas.
Como surgiu a possibilidade de ir estudar para Itália?
Esta questão, a meu ver, vem no encadeamento perfeito, uma vez que Itália foi uma paixão que “descobri” no tempo em que dava os primeiros passos no estudo da composição. Desde aí, o meu interesse por estas duas “paixões”, Itália e composição, tem crescido a pari passu.
Por esta altura, tive a enorme felicidade de conhecer e conviver com o padre e compositor Joaquim dos Santos. Entre 2004 e 2008, esta proximidade revelou-se num momento único de aprendizagens que, certamente, levarei para toda a vida.
Nesta fase das fáceis permeabilizações de adolescente, desenvolvi o feliz desejo de querer estudar em Itália, uma vez que Joaquim dos Santos foi aluno do Pontifício Instituto de Música Sacra e do Conservatório de Santa Cecília, em Roma, durante a década de 1960. Também é nesta altura que começo a visitar o país.
Obviamente, como já referi antes, a ida para Itália deveu-se a uma possibilidade muito mais ampla do que o simples desejo, por si só, de ir até lá! Sem sombra de dúvida que a oportunidade de estudar com o compositor Ivan Fedele na Academia Nacional de Santa Cecília foi o grande catalisador que me fez apostar em Itália e, felizmente, se pôde concretizar. Devo acrescentar que estar num país de cultura mediterrânica também é um aspecto que muito prezo! Inicialmente, com o apoio do Instituto Português de Santo António e, depois, com o apoio do Instituto Italiano de Cultura, esta possibilidade tem sido a minha realidade.
No seu percurso formativo há nomes que jamais esquecerá? Houve mestres que o tenham marcado muito e que estejam indiretamente presentes naquilo que produz?
Sem dúvida que há. Um desses nomes já referi e é, certamente, o primeiro: Joaquim dos Santos. Não que o tenha sido no percurso académico mas no tempo em que nos foi dada a oportunidade de conviver, o padre Joaquim dos Santos foi uma referência a todos os níveis. Tivemos uma relação de amizade fulminante, instantânea. Na sua bondade e humildade de características indescritíveis, abriu-me, sem quaisquer restrições, as portas do mundo da sua arte. Tive a sorte de conhecer um Ser-Humano único, do qual guardo belas e profundas recordações. Será injusto continuar a menção dos nomes porque não vou chegar a todos que, de uma ou de outra forma, aplicaram a palavra certa no momento exato e que ainda hoje fazem eco no meu subconsciente mas também não posso deixar de fazer referência aos professores Filipe Vieira e Eugénio Amorim, pois acompanharam-me em dois momentos do estudo que, para mim, à época, foram cruciais. Apenas refiro mais dois nomes: Wim Henderickx e Ivan Fedele - mas sem mais linhas para não perder a noção do tempo e não me obrigar a tentar a mais eloquente das descrições que estes mestres merecem.
Foi importante para o Nuno a passagem pelos Salesianos de Poiares da Régua? Os valores e a tradição musical atribuídos às escolas de Dom Bosco tiveram alguma influência no seu percurso?
Das diversas vezes que penso nos anos em que vivi no Colégio não posso deixar de acalentar a ideia de que ter estudado numa instituição que nos faz entender o valor da organização e da vida em comunidade terá sido muito importante para o meu desenvolvimento, enquanto pessoa, claro está, mas, neste caso em especial, enquanto músico. Disso não tenho dúvidas. Também foi por esta altura que percebi claramente que a música seria o meu caminho. Não saberia que seria a Composição mas a Música, com toda a certeza. Atribuo uma grande importância ao Colégio também no que se refere ao moldar da personalidade, em geral, e artística, em particular, pelo facto de se situar num meio rural. Obviamente, na época não tinha qualquer consciência acerca de tal influência mas viver rodeado de uma natureza de cortar a respiração (em pleno Douro vinhateiro) e estar perto, entre outros, de lugares como S. Leonardo de Galafura, por onde andou Miguel Torga, independentemente do nada que isto possa ser, foi um privilégio, e quero pensar que esta experiência diária contribuiu de forma decisiva para o meu fascínio pelas questões das raízes. Não duvido que ao preservar e valorizar os lugares onde nascemos e os lugares que nos moldam, certamente que estaremos mais aptos para fazer ressoar a nossa voz mais pessoal por onde quer que passemos. Também nisto, sei que o Colégio teve um papel importante.
Admira alguns compositores portugueses e estrangeiros? Elege alguns como preferidos?
Como não? Admiro um bom número de colegas, alguns deles amigos, e também professores com quem trabalhei. Acompanho mais atentamente os percursos de compositores, igualmente jovens, como o Carlos Brito Dias ou o Igor C. Silva. O trabalho de Rui Penha sempre se revelou altamente edificante e, claro está, João Pedro Oliveira é uma referência a ter em conta bem como João Madureira. Obviamente, as minhas audições de compositores nacionais não se esgotam aqui! Desde cedo que me acompanha um fascínio pela nossa história musical e há muito que vou frequentando alfarrabistas para poder encontrar as edições de música, que se tornaram inusitadas, dos mais variadíssimos compositores. Parece-me óbvio que a música de Portugal seja uma audição habitual para alguém que trabalha nesta área... Em relação a estrangeiros, não tenho como não ouvi-los também. As minhas audições e estudo mais habituais passam pela música de Mathias Pintscher e Beat Furrer, depois a música de Raphaël Cendo tem sido uma escuta atenta. Os italianos revelam-se de uma imaginação única e de uma proximidade cultural que me interessa especialmente. Desde há muito que escuto atentamente compositores como Salvatore Sciarrino. Interessa-me, também, a obra de Francesco Filidei e de um sem número de jovens compositores colegas, tanto italianos como de outras nacionalidades. Por norma, estou aberto às mais diversas possibilidades do pensamento e audição da música. Seria impensável não mencionar, novamente, a admiração que exerce em mim a música de Wim Henderickx, sempre com o seu sabor oriental ou a música de Ivan Fedele, com aquela ambiência frenética e enérgica que contagia qualquer audição da sua obra.
Na sua opinião, Portugal é um país reconhecido lá fora pelos bons músicos que tem vindo a “exportar”?
Sim, sem qualquer dúvida. Também somos um país de excelentes profissionais e se mais não bastasse, a prova disso anda espalhada pelas mais variadíssimas notícias que vão saindo todas as semanas com o que tem sido alcançado por essa Europa fora.
Pensa que a música é o “parente pobre” da cultura portuguesa?
Não penso que a música seja um parente pobre. Penso, antes, que a cultura é uma espécie de parente esquecido da sociedade portuguesa porque de pobre a nossa cultura pouco tem. Tem, antes, o fado de viver uma descontinuidade na sua execução... Há um sem número de razões para que isso seja assim mas, se não for primeiro, o Tempo dará, à nossa Sociedade, a oportunidade de se encontrar com aquilo que a poderá tornar, indubitavelmente, única.
Quais os principais palcos mundiais por onde já passou a sua obra?
Colocada assim, não deixa de ser uma questão intimidante! A medida do palco também se vê pela qualidade com que a obra é apresentada e nesse caso já tive a felicidade de ter música apresentada no Coliseu do Porto que, além de ser um espaço cheio de história, também é aquele onde assisti, pela primeira vez, a um concerto com orquestra! Também já tive e terei música apresentada num dos maiores complexos culturais da Europa, o Auditorium Parco della Musica, em Roma, sem esquecer a passagem pelo Festival Lo Spirito della Musica di Venezia que me levou a estar num dos mais icónicos lugares da música: o Teatro La Fenice, em Veneza. Também pela referida qualidade, o concerto que pude viver em Ljubljana, foi um momento alto no que refere a palcos.
Há projetos novos para abraçar em breve?
Entre outros, quero muito iniciar algum trabalho de palco que exija a colaboração multidisciplinar. Já tive a oportunidade de trabalhar nesses moldes enquanto estive na Bélgica e agora sinto vontade de voltar a esse género de colaborações. A ver vamos o que o futuro reservará. Quero continuar o meu projeto conjunto – Libellus Usualis – dedicado à publicação de música sacra portuguesa e, se considerar que vale a pena, participar em mais alguns concursos de composição. Quero, também, dedicar-me ao último ano da Academia, onde terei o meu concerto de diploma em junho. Neste momento, escrevo de Banff, no Canadá, onde estou em residência este mês, no The Banff Centre, em Alberta.
Uma coisa é certa, não pretendo, de forma alguma, desistir deste caminho e por isso muitas coisas há a tentar...
Há alguma obra que sonhe compor e que ainda não tenha tido a “inspiração certa” para que se debruçasse sobre ela?
Há muitas! Suponho que não será por falta da tal inspiração mas porque o percurso é lento, pelo menos para mim é. Isto quer dizer que tenho a intenção de chegar a elas na altura certa.
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