Lino Guerreiro. O saxofone e a composição.
Lino Guerreiro vive entre dois mundos: o do saxofone e o da composição. Nesta entrevista ficámos a conhecer melhor o percurso deste músico português que nos diz que «Cada vez mais o saxofone português é reconhecido pelo mundo inteiro. Talvez não tenha a mesma visibilidade que um clarinete porque no fim de contas não ingressa numa determinada orquestra, ou mesmo enquanto solista o saxofone aparece menos, e talvez por isso a ideia de reconhecimento não chegue ao nosso país». São muitos os projetos em que está envolvido. Embora se dedique ao ensino na área da composição, diz-nos que se sente um saxofonista ativo. «Continuo a ser um saxofonista ativo e muito do trabalho que faço é justamente na área que gosto».
Muito obrigado por nos dedicar algum do seu tempo. Como foi o seu percurso musical até iniciar os seus estudos musicais no Conservatório Regional de Setúbal? A música foi sempre uma paixão?
Não, a música foi um acaso. Somente com dezoito anos comecei a aprender saxofone numa filarmónica do Algarve, donde sou natural. Embora antes tenha tocado guitarra, tudo era intuitivo e um simples passatempo. A formação musical só foi iniciada quando ingressei a escola de música da filarmónica.
Mas acabou por frequentar mais do que um conservatório... Conservatório Regional de Torres Vedras, Conservatório Nacional de Lisboa... O que o levou a fazer este trajeto?
Duas razões distintas. De Setúbal para Torres Vedras, para continuar a estudar com o meu professor de saxofone, Vítor Carvalho, sendo que este deixou de lecionar em Setúbal. Depois para Lisboa, porque não tinha condições financeiras para pagar no ensino privado, a totalidade das disciplinas que faziam parte do currículo no secundário.
Considerou profícua esta passagem por mais do que uma escola?
Totalmente. Aliás, hoje em dia defendo que a experiência da aprendizagem deve ser o mais diversificada possível.
Estudou composição com Daniel Schevtz. Esta foi uma experiência marcante para o Lino Guerreiro?
Costumo sempre sublinhar que conhecer o Daniel foi decisivo na minha formação e carreira. O Daniel é um professor extremamente competente, conhecedor, e acima de tudo entusiasta. Na altura eu tinha imensas dúvidas em continuar para o ensino superior em saxofone, devido ao facto de me interessar mais e de gostar mais do saxofone, numa vertente “menos clássica” digamos. Ponderei por muitas vezes seguir saxofone na área do jazz. Ao conhecer o Daniel percebi de imediato que a composição era o que queria fazer, e consciente dessa realidade, resolvi seguir a composição no ensino superior. Esta decisão libertou-me de uma linha de abordagem técnica, que me permitiu fazer com o saxofone o que realmente queria. Este foi portanto um cenário perfeito.
Mais tarde veio a estudar com nomes como Carlos Caires, Christopher Bochmann, José Luís Ferreira e Sérgio Azevedo. Quais os contributos mais marcantes que lhe foram deixados por cada um destes grandes nomes da composição?
São compositores muito distintos, e professores muito distintos também. São imensos os contributos que estes me deixaram e, embora eu tenha a consciência destes acho que não devo assinala-los de forma individual. Diferentes estéticas, gostos, formas de estar na música, formas de ver a música, diferentes processos criativos, diferentes objetivos, e por aí em diante (...) tentei sempre adquirir o mais possível de cada um deles, de forma a enriquecer o meu conhecimento. Mas sim, em mim estão bem catalogados os contributos mais importantes de cada um deles. Costumo falar destes aos meus alunos, mas sempre de forma generalizada.
Teve ainda oportunidade de conviver em ambiente formativo com Carlos Marecos, João Madureira, Roberto Perez e Benoît Gibson...
São mais quatro grandes pedagogos, com os quais tive oportunidade de trabalhar. Em âmbitos diferentes, onde mais uma vez tentei adquirir o máximo dessas experiências.
Acabou por se especializar na composição realizando um trabalho, no âmbito do seu mestrado, sob orientação de António Pinho Vargas. Foram importantes as partilhas das quais desfrutou neste contexto?
Claro. Quando frequentava a licenciatura já tinha intenção de seguir para um grau de mestrado com o António. Andei imenso tempo a ganhar coragem para o abordar nesse sentido, ainda me lembro da primeira conversa que tivemos. Apresentei-me como aluno da escola e falei-lhe das minhas intenções. A resposta dele foi engraçada «(...) então mas tu és saxofonista não é ? Não me digas que andas aí pelos caminhos do jazz (...)». Deixou-me a pensar, obviamente. Na altura eu fazia uma associação direta entre o António e o jazz em Portugal. Fiquei sem perceber se a resposta dele tinha ou não um sentido pejorativo. Acabei por ficar mais um tanto tempo sem ter coragem para voltar a falar com ele. Felizmente mais tarde, tudo se proporcionou como eu desejei, e o António foi o meu orientador de mestrado. Foi no entanto, muito mais do que isso..., orientador, professor, defensor, e tanto mais, e, acima de tudo, um amigo, sempre pronto a resolver os problemas inerentes à causa. Tudo o que foi partilhado foi de extrema importância para mim. O António é, para além do compositor que todos nós conhecemos, um pedagogo incrível e com uma experiência imensa. Todas as aulas que assisti fora do contexto da composição foram traduzidas em experiências singulares. Todas as aulas e conversas, acerca da composição acrescentaram algo de novo. Dito isto pouco mais há a dizer. Espero em breve estar a frequentar um doutoramento e que este seja sob orientação do António Pinho Vargas.
O facto de ser saxofonista influenciou-o no sentido de se debruçar maioritariamente sobre composições para instrumentos de sopro?
Acho que sim, mas de forma colateral, não o saxofone propriamente dito mas os meios onde o saxofone está inserido. Comecei por aprender numa filarmónica. Estive quatro anos na Banda do Exército, seis anos na Orquestra Ligeira do Exército, sempre toquei em orquestras de sopros, big bands de jazz, etc... ou seja, maioritariamente com instrumentos de sopro e percussão e, quer eu queira quer não, é onde a maioria das pessoas me conhece. Tenho tentado combater essa tendência o mais possível, mas por vezes não é fácil.
Colabora regularmente com a editora “AVA Musical Editions”. Como surgiu esta oportunidade? Em que consiste essa colaboração?
A “Ava Musical Editions” edita obras do meu repertório. Normalmente essas obras são aquelas que considero mais adequadas ao universo que a editora abrange. A oportunidade surgiu com a edição de uma primeira obra (Ostinatus) para um concurso internacional.
É diretor do projeto MixEnsemble. Pode falar deste projeto aos nossos leitores? Qual a sua filosofia?
O projeto “MixEnsemble” consiste num grupo de músicos que reuni com o intuito de realizar parte da minha música original. Com o decorrer do tempo acabou também por servir de suporte para acompanhar diversos artistas da nossa praça, principalmente cantores. O projeto tem como filosofia servir a música e os artistas, dentro de diferentes contextos musicais, para os mais variados fins. Convido-vos a visitar a sua página.
Mantém uma carreira docente ativa. Onde se encontra a lecionar neste momento?
Sou professor de Análise e Técnicas de Composição no Conservatório de Música D. Dinis, e professor de Teoria e Análise Musical na Escola Profissional da Metropolitana. Leciono exclusivamente na área da composição.
Sente que a sua carreira enquanto saxofonista foi de alguma forma sofrendo algumas privações em detrimento da sua dedicação à composição e à teoria musical?
Sim, seria impossível isso não acontecer. No entanto não considero que essas privações sejam catastróficas. Continuo a ser um saxofonista ativo e muito do trabalho que faço é justamente na área que gosto. A única coisa que sinto realmente falta é a de estudar saxofone todos os dias, de forma regular. Mesmo assim, tenho intenção de estudar saxofone na área do jazz, quando isso me for possível.
Enquanto saxofonista, quais os projetos que se encontra a desenvolver?
Costumo tocar saxofone em diversos grupos, como freelancer. Por outro lado, em parte dos projetos que desenvolvo na área da composição, também os integro como saxofonista, como por exemplo o MixEnsemble.
Quais as suas principais influências? Quais os saxofonistas que mais admira e ouve?
Eu costumo dizer que só existem dois tipos de música, a boa e a má. As minhas principais influências são a música que considero boa, parece-me aqui impossível de a enunciar, pode ser das mais diversas realidades. Quanto aos saxofonistas, existem realmente alguns que oiço com mais frequência, Charlie Parker, John Coltrane e Cannonball Adderley, e alguns da atualidade, Joshua Redman, Chris Potter e Jeff Coffin, entre muitos outros.
Portugal tem alcançado um enorme reconhecimento na área dos sopros, nomeadamente na do clarinete. Sente que o mesmo já acontece na área do saxofone?
Não tenho a menor dúvida disso. Cada vez mais o saxofone português é reconhecido pelo mundo inteiro. Talvez não tenha a mesma visibilidade que um clarinete porque no fim de contas não ingressa numa determinada orquestra, ou mesmo enquanto solista o saxofone aparece menos, e talvez por isso a ideia de reconhecimento não chegue ao nosso país.
Agradecemos mais uma vez a amabilidade. Há projetos novos que deseje empreender em breve?
Sou eu quem agradece. Sim existem alguns projetos a empreender e outros a meio do processo. Um destes, é um projeto em parceria e coautoria com o saxofonista João Pedro Silva, que já foi iniciado há algum tempo, estando parte deste concluído, mas que infelizmente as nossas vidas pessoais e profissionais não nos deixam dar-lhe a atenção devida. É um projeto intitulado “O Saxofone Pedagógico / The Educational Saxophone / Le Saxophone Pédagogique”, fica aqui o convite a visitar a sua página. Este está disponível para ser adquirido em www.editions-ava.com/store/work/1314/.
Outro projeto, este já na sua reta final é o “Projeto Michel Giacometti”, uma parceria com o quarteto de saxofones ArtemSax, onde também participam outros músicos e grupos. Em breve será lançado o disco. Convido-vos também a visitar a sua página.
Um projeto a empreender desde o início, de nome “Concertos A Solo/Solo Concerts”, consiste na gravação de toda a minha música para orquestra de sopros e um solista. Obras para saxofone, clarinete, trompete, percussão, estes como solistas, acompanhados pela orquestra de sopros. Espero ver este projeto realizado até meados do próximo ano. Fica também aqui a sua página, onde poderão encontrar algumas informações.
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