A guitarra no centro de uma conversa com Dejan Ivanović

Dejan IvanovicDejan Ivanović esteve na origem e na direção do Festival Internacional de Guitarra Clássica “Guitarmania” em Lisboa (Portugal) até 2010. A este propósito refere: «Eu lamentava o facto de uma capital europeia como Lisboa não estar no mapa internacional guitarrístico, por outro lado, a criação do Guitarmania permitiu a apresentação de grandes nomes internacionais da guitarra provenientes de escolas totalmente distintas e que demonstraram a sua credibilidade que contribuiu para que os seus guitarristas alcançassem uma carreira internacional. A ideia era abrir horizontes, aprender na variedade e demonstrar aos nossos jovens alunos que sempre existem várias possibilidades e múltiplas escolhas para fazer». Atualmente é professor de guitarra na Universidade de Évora e mantém uma carreira internacional como performer.

Dejan, muito obrigado por esta partilha. Predrag Stankovic, Vojislav Ivanovic e Darko Petrinjak são nomes que o acompanharão para sempre? Considera que reside neles parte da responsabilidade por hoje ter uma carreira musical?
Antes de tudo, gostaria de saudar todos os leitores da revista XpressingMusic e a sua redação, e de dar os meus parabéns pelo vosso trabalho até agora. A vossa existência e atividade contribuem para elevar ainda mais a importância da música na nossa sociedade.
A resposta à sua pergunta é, sem dúvida que sim, em particular, com o professor Predrag Stankovic, com quem iniciei o estudo de guitarra aos oito anos de idade. Foi ele que teve uma paciência, dedicação e iniciativa fora de comum no nosso trabalho, e conseguiu motivar-me e demonstrar o que é a guitarra e a música erudita. Lembro-me que, como qualquer outra criança, eu tinha vários interesses e responsabilidades e que por volta dos doze anos a escola de música tornou-se, num momento, um fardo difícil de carregar, devido à falta de tempo para abranger todas as tarefas diárias que tinha nessa altura. Sentia que não podia continuar mais e queria desistir. E foi, precisamente nessa fase, que o professor Predrag me sugeriu a participação no concurso de jovens alunos da ex-Jugoslávia e para tal emprestou-me a sua guitarra Yamaha, uma guitarra que soava muito mais que a minha. Esse desafio fez com que me empenhasse mais no estudo da música, dando-lhe prioridade. O concurso correu bem, o que me deu mais motivação para continuar. Depois disso, o segundo momento crucial foi aos catorze anos, quando tive que escolher a área de estudo na escola secundária. O Professor Predrag partilhou várias gravações de música nas nossas aulas e, lembro-me, no momento quando ouvi pela primeira vez a suite orquestral La Mer de Claude Debussy na minha aula de guitarra, sabia então o que queria fazer na minha vida. Com catorze anos, decidi seguir música. Alguns anos mais tarde, tive o privilégio de entrar na classe de Darko Petrinjak, conceituado professor de guitarra na Academia de Música de Zagreb. Com ele aprendi a ser um músico profissional. Aprendi o que é ser um profissional de música. Por isso, sim, os meus professores acompanhar-me-ão para sempre.

Dejan IvanovicMas também John Duarte, Thomas Müller-Pering, Elliot Fisk, Gilbert Biberian, Costas Cotsiolis e Roland Dyens, Walter Déspalj, Michael Steinkühler e Igor Lesnik acabaram por figurar no filme do seu percurso formativo. Aprendeu muito com eles?
As masterclasses proporcionam um ambiente de aprendizagem único, especialmente com nomes tão importantes como eles. Com dezoito anos, altura em que iniciei o estudo de guitarra na Universidade de Zagreb, eu não era um típico estudante de guitarra que ia somente às masterclasses dos guitarristas e, como tal, decidi abrir os meus horizontes e foi especialmente marcante as aulas de professores de instrumentos como o violoncelo, e a viola de gamba. O que aprendi nestas aulas, ainda hoje utilizo e aplico no meu ensino e na arte de interpretar.

Já atuou no Spoleto Festival convidado pelo maestro Gian Carlo Menotti. O que significou para o Dejan este convite?
Na verdade, na altura em que recebi o convite não sabia nada do festival nem quem era Gian Carlo Menotti, o senhor que me entregou o convite, depois de um concerto em Edinburgo, em 1997. Recebi-o como qualquer outro convite que tinha nessa altura. Somente quando cheguei a Zagreb e falei com o meu professor de guitarra na Universidade, Darko Petrinjak, me apercebi de magnitude do mesmo! Estamos a falar de um dos mais importantes compositores operáticos do Século XX e um dos grandes e prestigiados festivais de música, com a própria produção de óperas, concertos, ballet, etc. Um mês de contínuos eventos em Spoleto e nas cidades e vilas de Úmbria (Itália). Tive a honra de ser “artist in residence” durante esse tempo, realizando dois recitais a solo e dois em conjunto com um quarteto de cordas. Tive também, o privilégio de tocar para o maestro Menotti em privado e de ter uma pequena discussão sobre a composição para guitarra.

Mas já esteve noutros festivais importantes... Quais os principais festivais em que já marcou presença enquanto músico?
Ciclo de concertos de Instituto Cervantes em Munique (Alemanha), convite da universidade de Bloomington (EUA), Festival de Volos (Grécia), Festival de Gevelsberg (Alemanha), Festival de Música de Hiroshima (Japão), entre outros.

Dejan IvanovicA música de câmara fascina-o? Quais os principais projetos que já integrou neste âmbito?
Música de câmara, na minha opinião, é fulcral no desenvolvimento de um músico. É exigente, mas muitíssimo mais gratificante do que atuações a solo. Aliás, uma das minhas atividades mais marcantes nos últimos onze anos tem sido a colaboração com o Michalis Kontaxakis, o guitarrista grego com quem formei o duo de guitarras Kontaxakis-Ivanovich em 2004. Além do duo, um projeto fascinante e inesquecível foi a colaboração com o quarteto de cordas Lyra. A grande e duradoura amizade com o Vasco Gouveia, flautista, resultou em dezenas de recitais e tentativas de encontrar o melhor repertório para esse conjunto. Por outro lado, o projeto com Ana Ester Neves foi algo que influenciou profundamente a minha constante procura pelo caráter e expressão musical, além da evolução do meu timing na produção do som na guitarra. O mesmo se aplica ao projeto com o violoncelista Jed Barahal.

Os prémios que tem alcançado acabam por confirmar a excelência do trabalho que tem vindo a desenvolver. Quais são aqueles prémios que jamais esquecerá? Quais os países em que os conquistou?
Sem dúvida, é um exa équo em primeiro lugar! Dona Infanta Cristina (Madrid, 1998) e Francisco Tárrega (Benicássim, 2001). Ambos os concursos marcaram a minha carreira. Dona Infanta Cristina aconteceu na altura em que vim residir para Portugal. Era o concurso internacional de guitarra com o maior prémio monetário, além das séries de recitais. Eu era um estudante que tinha terminado recentemente o curso de licenciatura, e ganhar um prémio desses significou muito para mim. Por outro lado, o concurso Tárrega é um dos mais prestigiados concursos de guitarra no mundo com uma existência de 57 anos. Ganhar um 1º prémio e entrar num grupo de guitarristas como David Russell, o antigo vencedor, deu um impacto forte na minha carreira. Este prémio permitiu a gravação para a editora NAXOS, que apresenta uma grande projeção internacional.

Orquestra Real de Câmara de Wallonie, Orquestra de Benicássim, Orquestra de Câmara da Eslováquia, Orquestra Filarmonia das Beiras, Orquestra Sinfónica de Vojvodina e a Orquestra Metropolitana são algumas das orquestras com as quais já atuou. Sente-se bem quando integra a sonoridade da guitarra na massa sonora mais consistente das orquestras? É um trabalho exigente no sentido de fazer com que a sua sonoridade sobressaia entre uma textura mais densa?
Quando atuo com uma orquestra, sinto um enorme prazer e reconhecimento do instrumento que toco. A guitarra, a liderar uma orquestra, é uma conquista importante. Contudo, não é tão fácil e exige alguma experiência, além de uma boa escolha da obra que se vai interpretar, baseada na análise da sua orquestração e da aplicação da guitarra. Por outras palavras, um concerto para guitarra e orquestra é um exame para o próprio compositor. Como vai sobressair um instrumento que, por sua natureza, é íntimo e de som limitado? Que técnicas de composição e de orquestração é que vão ser usadas para poder elevar a guitarra para o lugar de solista? Por isso, a escolha da obra, juntamente com a experiência necessária é crucial para um bom resultado.

Dejan IvanovicComo têm sido recebidos os seus recitais pela Europa, África, América do Norte, América do Sul e Ásia?
Posso afirmar que sempre tive uma reação mais que positiva do público em geral e dos críticos. É claro que, a nossa impressão de um público varia conforme o país onde tocamos. Por exemplo, a minha sensação do público nos concertos no Japão foi extremamente carinhosa e calorosa. Por outro lado, o público na Alemanha dificilmente se entrega às “standing ovations” e pode começar a sair do concerto durante a atuação se os padrões de qualidade não forem alcançados. Mas, existe sempre um enorme prazer para o músico no facto de conseguir conquistar os diversos públicos e com culturas tão distintas.

Há alguma razão especial para que tenha escolhido um país como Portugal para viver?
A razão prende-se com o coração! Em 1996, estive em Jerusalém (Israel) e conheci uma rapariga portuguesa que me roubou o coração e nunca mais o largou! E hoje somos já quatro! Além disso, sinto-me em casa desde que vim pela primeira vez a Portugal. A cultura e maneira de viver das pessoas da ex-Jugoslávia, especialmente na Croácia, são muito parecidas. Tão parecidas que já tenho dois colegas ex-alunos, portugueses, que foram viver para a Croácia.

As suas interpretações já foram registadas por algumas estações televisivas e radiofónicas. Pode referir alguns desses momentos?
Uma gravação marcante foi a transmissão direta da prova final do concurso Tárrega pela estação de TV de Valência. Imagine ter um ecrã gigante junto ao teatro onde decorre a prova final para o público que não conseguiu adquirir bilhetes. Em 2001, no momento ao chegar ao teatro, estavam pelo menos quinhentas pessoas a assistir na rua. Por outro lado, a gravação para a televisão nacional Romena foi um acontecimento especial, devido ao lugar onde as gravações decorreram: Palácio Real de Peles, um monumento que vale a pena visitar. Tem uma beleza e esplendor difíceis de exprimir por palavras. Uma gravação recente foi em Vila do Conde, realizada pela Antena 2, que eu creio que seja a primeira gravação de uma interpretação da versão original da Partita de Fernando Lopes-Graça, com sete andamentos, e baseada no primeiro esboço do compositor.

Dejan IvanovicTambém os registos discográficos têm sido muitos. Quais os discos que tiveram maior significado para o Dejan?
A já mencionada gravação da Laureate Series da editora NAXOS (2002), bem como o disco intitulado Les Deux Amis, o debut discográfico do duo Kontaxakis-Ivanovich, gravado pela KSGEXAUDIO alemã (2010), e produzido pelo célebre Hubert Käppel.

Dejan Ivanović esteve na origem e na direção do Festival Internacional de Guitarra Clássica “Guitarmania” em Lisboa (Portugal) até 2010. Considerou que era importante para Portugal e para a cidade de Lisboa a criação de um evento desta envergadura?
Eu lamentava o facto de uma capital europeia como Lisboa não estar no mapa internacional guitarrístico, por outro lado, a criação do Guitarmania permitiu a apresentação de grandes nomes internacionais da guitarra provenientes de escolas totalmente distintas e que demonstraram a sua credibilidade que contribuiu para que os seus guitarristas alcançassem uma carreira internacional. A ideia era abrir horizontes, aprender na variedade e demonstrar aos nossos jovens alunos que sempre existem várias possibilidades e múltiplas escolhas para fazer.

Para além da sua carreira como performer, abraça também o ensino lecionando guitarra na Universidade de Évora. Quando está a lecionar, recorda-se do tempo em que era o Dejan o aluno? Essa consciência é importante para o Dejan professor?
Tento sempre lembrar-me para que, através da minha própria experiência, compreenda melhor os alunos. Mas, às vezes, isso é mais fácil dizer do que realizar. Posso afirmar que isso é importante para mim como professor.

A realidade do ensino musical em Portugal é muito diferente daquela que vivenciou enquanto aluno?
É por um lado, devido a uma longa tradição da vida musical e do ensino numa sociedade, e por outro lado, uma tradição musical mais recente e em construção. Contudo, os problemas do dia-a-dia são iguais em ambos os casos e visam fazer o melhor, aprender e progredir mais em todos os momentos da nossa atividade de docência, e promover música erudita entre as pessoas comuns.

Muito obrigado por este tempo que dedicou aos nossos leitores. Quais os próximos projetos que abraçará em breve?
De nada! Amanhã (3 de setembro) vou para Amarante para fazer parte do júri do concurso do 1º Festival Internacional de Guitarra de Amarante. Em outubro espera-me uma viagem à Macedónia e participação em dois festivais de música contemporânea (Bitola e Skopje).

A guitarra no centro de uma conversa com Dejan Ivanović

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