Manuel Paulo: “A Ala [dos Namorados] é certamente uma das meninas dos meus olhos”.
Manuel Paulo falou-nos dos seus projetos musicais, da sua carreira e não deixou de refletir sobre o contexto em que se insere a cultura em Portugal atualmente. “Se pensarmos que vivemos num país que reserva para a cultura 0,1% do seu orçamento, num tempo em que temos a mais inculta e medíocre das administrações, onde aparentemente o futebol, os empacotados televisivos e uma ou outra canção boçal, parecem ser suficientes para essa mesma administração, que vai embrutecendo deliberada e cirurgicamente a população, então é realmente difícil, só que ironicamente cada vez surgem mais e melhores projetos artísticos. Há cada vez mais músicos e melhores, o que mostra bem que a cultura e a arte em particular não dependem de governos e das suas filosofias culturais. Penso que isto também é válido para as outras formas de arte. Claro que quando há uma política cultural tudo se torna mais fácil, mas não dependemos deles”.
Manuel Paulo, muito obrigado por ter aceitado o nosso convite. Comecemos pelo princípio da sua carreira musical. Como foi o seu percurso até fazer parte da banda do Rui Veloso? Era ainda um período muito centrado na aprendizagem e no encontro de sua “voz” musical?
Faço parte de uma geração de músicos cuja formação vem principalmente do jazz. Desde miúdo que me interessei em tocar as canções dos grupos que ouvia, (Beatles, Fairport Convention, Led Zeppelin, etc...), e como tinha estudado piano, tinha facilidade em tirar os temas de ouvido. Foi no hot-clube na década de 70, particularmente entre 76 e 79 que aprendi a tocar com outros, a saber ouvi-los e sobretudo a apreciar o silêncio, (o que vou tentando apurar até hoje).
Já esteve ligado a inúmeros projetos com artistas e grupos tais como Jorge Palma, Rio Grande, Cabeças no ar, entre outros. Tantas e tão diversificadas experiências foram tornando-o um músico mais completo?
Ao longo do tempo, tenho colaborado com vários músicos, e obviamente que a troca de experiências é extremamente enriquecedora para a formação de qualquer músico.
A produção e direção musical são trabalhos que abraça com tanto gosto como aquele que imprime enquanto performer nos palcos? Encara o estúdio como um local privilegiado para experimentar novas abordagens no campo musical e sonoro?
Sem dúvida nenhuma que o estúdio e os recursos tecnológicos ao nosso dispor são uma ferramenta fantástica. Gosto muito de trabalhar em estúdio, embora a performance ao vivo, em frente a uma audiência, seja o grande desafio.
Compor para imagens, no campo do cinema, e para teatro são tarefas que gosta muito de fazer? Sente-se muito condicionado pelo que observa ou, por outro lado arrisca interpretações dessas obras por vezes pouco prováveis?
Gosto muito de compor para cinema, e quando se sublinha uma imagem, em termos de som, não o vejo como um condicionamento. Muitas vezes aquela imagem ou sequência de imagens podem induzir-nos uma sonoridade mais ou menos óbvia, mas pode-se sempre acentuar uma atmosfera inesperada ou pouco provável, através do som. É muito subjetivo, mas uma banda sonora é sempre um desafio.
Quais os trabalhos que mais o marcaram no âmbito da composição para representação/teatro?
Gostei especialmente de compor a banda sonora do filme, “Ilhéu de Contenda”, do realizador cabo-verdiano Leão Lopes, da série de televisão “Bocage”, do realizador Fernando Vendrell, do filme “Serenidade” de Rosa Coutinho Cabral. No teatro gostei muito da direção musical da peça “Cabeças no Ar”, de Carlos Tê, com música de Rui Veloso e João Gil, e da peça “Assobio da Cobra”, cuja música compus com letras do João Monge. Também gostei muito, ainda nos anos 80, de fazer música para pequenos filmes da série “Rua Sésamo” e de musicar muitas histórias infantis para a “Walt Disney”. Foi uma boa escola.
Considera que a Ala dos Namorados foi um dos desafios que mais visibilidade lhe conferiu? A Ala dos Namorados é a “menina dos seus olhos”?
A Ala é certamente uma das meninas dos meus olhos. Porventura uma das mais importantes, pois é um grupo onde componho e orquestro as canções, tendo como parceiro de composição o João Monge que, na minha opinião, é um dos grandes escritores de canções deste país, tendo como parceiros de estúdio e palco alguns dos músicos que mais admiro e no fim a voz especialíssima do Nuno Guerreiro. Desde há 20 anos, que componho e produzo as canções da Ala, nos primeiros anos, a par com o João Gil, e temos feito centenas de concertos dentro e fora do país. É seguramente uma menina dos meus olhos.
Os LedOn são um projeto no qual sai da “rotina” do seu dia-a-dia enquanto músico e compositor?
Cada concerto dos LedOn é quase uma celebração. Juntamo-nos para tocar a música dos Led Zeppelin, que foi escola para todos nós e mais do que tentar copiar-lhes a música, que seria tarefa impossível, pois mesmo os próprios nunca se repetiam, creio que nos aproximamos bem do espírito e atitude dos Led Zeppelin quando tocamos a música deles.
É muito difícil viver da música em Portugal? Sente que há reconhecimento pelo trabalho que leva a cabo?
Não o vejo como fácil ou difícil. Se pensarmos que vivemos num país que reserva para a cultura 0,1% do seu orçamento, num tempo em que temos a mais inculta e medíocre das administrações, onde aparentemente o futebol, os empacotados televisivos e uma ou outra canção boçal, parecem ser suficientes para essa mesma administração, que vai embrutecendo deliberada e cirurgicamente a população, então é realmente difícil, só que ironicamente cada vez surgem mais e melhores projetos artísticos. Há cada vez mais músicos e melhores, o que mostra bem que a cultura e a arte em particular não dependem de governos e das suas filosofias culturais. Penso que isto também é válido para as outras formas de arte. Claro que quando há uma política cultural tudo se torna mais fácil, mas não dependemos deles.
O que pensa do atual momento que a música vive em Portugal?
Como disse na resposta anterior, penso que estamos numa fase bem criativa, independentemente das condições serem ou não as melhores para trabalhar, divulgar o trabalho, etc...
Muito obrigado por este tempo que nos dedicou. Onde podemos ouvi-lo em breve?
De momento decorre a tournée do álbum “Felicidade” da Ala dos Namorados, assim como alguns concertos com o LedOn. As datas podem ser consultadas nas páginas da Ala e do LedOn no Facebook.
www.facebook.com/AlaDosNamorados
www.facebook.com/pages/LedOn/244810468870131
Nota: A presente entrevista respeita o Acordo Ortográfico. Caso a mesma fosse transcrita pelo nosso entrevistado, tal não aconteceria.
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