Nuno da Camara Pereira. O fado e as causas.

Nuno da Camara PereiraNesta entrevista, nem só de música se falou. Nuno da Camara Pereira assume-se como um homem de causas. Para além das canções, ainda dirige uma Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS) dedicada às Crianças em Carnide, e o Sindicato Nacional dos Engenheiros, Engenheiros Técnicos e Arquitetos. O nosso convidado é também técnico superior do Ministério de Agricultura. Levou a sua voz pelo mundo encarando a disseminação do fado como uma missão. A este respeito disse-nos: “Fui educado na promoção dos valores históricos e culturais portugueses, os mais simples e de forma própria, digna e respeitosa”. Quanto à imagem pública que de si nos é trazida muitas vezes pela comunicação social, assume que tem sido penalizada: “o Jornalismo em Portugal infelizmente está pejado de gente mesquinha e invejosa que, salvo algumas exceções, não informa devidamente e a verdade sonega-a constantemente”.

Agradecemos desde já a atenção dedicada aos nossos leitores. O que mais mudou no universo do fado desde aqueles tempos em que começou a cantar no Coliseu dos recreios em 1977?
Mudou, principalmente, a forma com que hoje se postula o Fado no mundo do espetáculo, onde impera a imagem valorizada pela parte cénica, desvalorizando a interpretação individual de cada qual. Assim se democratizou, popularizou e rejuvenesceu, artificialmente, promovido pela ignorância e desinteresse quase total na verdade musical que só o Fado conseguiu manter até aos dias que correm, salvaguardado por valores, que hoje, deixaram de interessar e responsabilizar este género musical, agora igual e rival de todos os outros.

O seu sucesso foi algo imediato. O que pensa ter estado na origem desse sucesso que perdura até hoje?
Não sei se perdura... eu sim! Na origem, o verbo da verdade e originalidade... (?)

Nuno da Camara PereiraHoje é mais fácil ser fadista? O facto de o fado ser considerado Património Imaterial da Humanidade veio mudar muita coisa?
Hoje é mais fácil, mas também mais difícil. Há muita gente a aparecer e a desaparecer... a levantar a imagem e a fugir dela... a cantar fado e dele fugir... Quanto ao seu reconhecimento internacional..., só nacionalmente veio a produzir efeitos, positivos e negativos, passando por um lado a ser quase obrigação, a sua presença em qualquer manifestação pública de caráter presuntivamente cultural, mesmo que o não seja; e por outro finalmente o reconhecimento oficial e geral de que deixou de ser o “parente” pobre da música portuguesa.

Maria da Vila, a Rosinha dos limões, o Fado do Ladrão Enamorado, Pode Ser Saudade,... são apenas alguns dos grandes sucessos que obteve. Ainda hoje são temas obrigatórios quando canta em público?
- Sem dúvida... o tema “Cavalo Ruço” também é impossível deixar passar.

O facto de ser um homem do fado nunca o impediu de interpretar temas de outras esferas e latitudes. Alguma vez sentiu incompreensão por parte dos seus pares pelas suas escolhas?
Claro que sim... e foram muitas as críticas desde o tema a “Samaritana” “incantável” então por um fadista de Lisboa, até ao “Acabou o Arraial” (hoje chamam-lhe o fado Pintéus...) acompanhado à maneira coimbrã, ou mesmo o “Meu querido, meu velho, meu amigo”, que praticamente ninguém sabia ser do Roberto Carlos, mas que uma vez desvendado... logo a desfeita, que apesar de tudo não impediu que viesse a ser “Duplo platina” com mais de 120.000 cópias vendidas perdurando durante um ano consecutivamente no Top Ten...

Já correu o mundo difundindo a música portuguesa. Encara essas tournées como uma missão?
Sempre considerei uma missão, digna e desbravante. Fui educado na promoção dos valores históricos e culturais portugueses, os mais simples e de forma própria, digna e respeitosa.

Itália é o país estrangeiro que melhor o acolhe? Como explica tamanha admiração dos italianos pelo seu trabalho?
Talvez pela proximidade para com a música napolitana, mediterrânica e acompanhada pelo bandolim de origem magrebina, como a guitarra portuguesa.

Nuno da Camara PereiraÉ um homem de causas, mas não as defende só na música que interpreta. Por vezes é mesmo necessário ir ao terreno e falar do que sonhamos e defendemos sem que haja uma melodia por trás?
Pois ...! Quando não há melodia e a música é desafinada... sempre perdemos o mote, a poesia e o bem-estar. Mas ao artista só o reconheço, se luta por valores, por ideias, por utopias e verdades... Em nome da sociedade em que se encontra e não se revê, encarnando contudo, em luta, em crítica e em análise, a forma e o defeito, ainda que não reconhecido.

As medalhas de ouro e de prata das cidades de Lisboa e de Sintra significam o reconhecimento pelo mérito do Nuno da Camara Pereira no seu todo? É o homem que alberga as canções, as lutas e as causas que é condecorado?
Não! Não foram mérito de tal reconhecimento.... a sua entrega deveu-se a factos políticos e ocasionais que não passaram de aproveitamento a que eu próprio não poderia escapar... foi por ser artista sim, mas sem o amor e o significado a que tal entrega deveria corresponder de forma responsável, sentida e verdadeira.

Mas nem só deste universo de canções é feito o seu dia-a-dia. Que outras atividades abraça neste momento?
Sou Presidente de uma IPSS dedicada às Crianças em Carnide, sou Diretor do Sindicato Nacional dos Engenheiros, Engenheiros técnicos e Arquitetos. Sou técnico superior do Ministério de Agricultura.

Sente que a imagem pública do Nuno da Camara Pereira que nos é trazida pela comunicação social é prejudicada pela(s) polémica(s) gerada(s) pelas suas ações nos vários domínios da vida pública em que se movimenta?
Claro que sim. Mas o Jornalismo em Portugal infelizmente está pejado de gente mesquinha e invejosa que, salvo algumas exceções, não informa devidamente e a verdade sonega-a constantemente. E então falando de cultura...

Considera que o facto de tocar em assuntos, por vezes, fraturantes lhe tem fechado algumas portas?
Mais uma vez...sim! Mas “quem não que ser lobo, não lhe vista a pele”.

Pensa escrever mais algum livro?
Sim! Sim! Estou só à espera de tempo e oportunidade para a investigação.

Muito obrigado por este tempo que dispensou aos leitores da nossa publicação. Para terminar, gostaríamos que partilhasse quais os próximos projetos musicais que pretende realizar em breve.
Encontro-me neste momento a produzir um CD no Brasil (Bahia) com Luis Caldas, o pai do AXE onde ambos partilhamos todo o CD nas músicas e letras de nossa autoria. Espero conseguir lançá-lo até ao fim do ano.

Nuno da Camara Pereira. O fado e as causas.

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