Rui Pedro Silva. O Trompetista e o Luthier.
Fomos ao encontro do Rui Pedro Silva numa tarde de maio. Encontrámo-nos na "Companhia dos Sopros" em Albergaria-a-Velha e desafiámo-lo para que respondesse a algumas questões que lhe colocaríamos mais adiante. Como seria muito redutor falar somente da sua carreira enquanto performer, acabámos por falar um pouco de todo o universo que abraça e que vai desde a atividade de luthier, passando pelos concertos e culminando na criação da primeira marca de bocais portuguesa. O Rui Pedro foi igual a si mesmo e com uma enorme naturalidade foi desvendando aquilo que já sabíamos e que agora partilhamos com os nossos leitores. Com uma agenda repleta de concertos que se dividem entre Os Azeitonas e o Miguel Araújo e com a empresa cheia de trabalho, felizmente conseguiu um tempinho para responder às nossas questões.
Rui Pedro, obrigado por possibilitares aos nossos leitores ficarem a saber um pouco mais sobre ti. Podes falar-nos de como foi a tua aprendizagem musical? O trompete foi logo a primeira paixão?
O meu interesse por música vem de muito pequeno quando passava muitas tardadas com os meus amigos a ouvir cassetes dos artistas da época: Peter Gabriel, Genesis, Pink Floyd, Prince, Tina Turner, Michael Jackson, Stevie Wander, Duran Duran, Queen, Led Zepplin, Rolling Stones, Depeche Mode, Police... estes recordo-me de ouvir até partir a fita da cassete. Ouvir música era algo que rivalizava nos tempos livres com o berlinde, futebol e até os jogos do ZX Spectrum. O trompete apareceu por acaso. No final dos anos oitenta estava na moda aprender órgão e, como tinha vários amigos que andavam a aprender, esse foi o primeiro instrumento que me despertou interesse. Em 89 o meu avô apareceu com um flyer de uma escola de música que iria dar origem à União Filarmónica do Troviscal e lá fui eu pensando que ia aprender órgão. Na inscrição percebi que lá não havia órgão mas deixei-me ficar. Assim que completei a lição número 100 do Artur Fão, fui escolher o instrumento e depois de experimentar clarinete, saxofone, flauta e trompete, o maestro disse que eu iria tocar trompete e assim começou. Dois anos depois entrava no Conservatório de Música de Aveiro. Após ter completado o conservatório, e como não queria seguir a via erudita, tive aulas particulares e participei em diversos workshops. Mais tarde ainda frequentei o curso de Jazz da ESMAE mas com muita pena minha tive de abandonar devido ao nascimento da minha 1ª filha e ao aumento de trabalho.
O Conservatório de Música de Aveiro foi importante para ti? Recordas-te de algumas experiências marcantes que ainda hoje se reflitam naquilo que és enquanto músico?
Sim o conservatório foi muito importante para mim, foi lá que me defini como músico. Talvez a primeira experiência mais marcante creio ter sido por volta dos 14 anos quando entrei na orquestra ligeira do conservatório. As audições em que participava a orquestra ligeira estavam sempre "à pinha" e a 1ª vez que subi ao palco com o anfiteatro a rebentar pelas costuras aquilo mexeu comigo. Tive a sensação de que era realmente aquilo que gostava de fazer. Na orquestra ligeira aprendi a tocar sob pressão. Trabalhar com Fernando Valente não era "pera doce", recordo-me de um ensaio em que tive de tocar o solo do "In the Mood" várias vezes até acertar as notas e a articulação sempre com ele a gritar palavrões aos meus ouvidos e a levar umas cachaçadas nos intervalos enquanto tentava respirar. Recordo-me também dos workshops com o Zé Eduardo onde tive o primeiro contacto com o Jazz. Sempre que havia workshops de diferentes correntes musicais, eu tentava participar mas houve um que mexeu muito comigo que foi um de música contemporânea com escrita alternativa. Creio que tinha 15 anos e não conseguia compreender como poderia fazer música com partituras onde não existia uma única nota musical apenas figuras geométricas, símbolos e rabiscos. Saí de um dos ensaios e fui sentar-me no claustro com as mãos na cabeça a pensar naquilo. Nisto sinto uma mão no ombro, era o Amílcar Vasques Dias um dos formadores e disse-me: "rapaz eu sei que não é fácil...não penses na lógica que isto possa ter ou não ter. Desfruta dos sons que o teu instrumento possa produzir e reage ao que ouves à tua volta". Fui para casa, dormi e, no dia seguinte, encarei esta forma de fazer música de outra forma e comecei a desfrutar. Outra experiência marcante foi quando entrei 2 anos na Orquestra Portuguesa das Escolas de Música e tive a oportunidade de tocar uma das minhas sinfonias de eleição: a Sinfonia do Novo Mundo.
Há algum professor que te tenha marcado de forma mais evidente?
Todos os professores foram importantes e marcaram-me de alguma forma mas, a ter de eleger um, elejo Fernando Valente porque apesar da sua pedagogia pouco ortodoxa preparou uma geração para a performance. Com ele fizemos vários concertos pelo país em diferentes contextos. Desde concertos de auditório, ar livre, televisão e até passagens de ano. Fernando Valente incutiu algum "Rock N Roll" nessa geração com histórias hilariantes que, se começasse a contar agora, amanhã por estar hora ainda estaria a contar.
Quando surgiu a oportunidade de começares a integrar projetos na área do pop e do rock?
Em meados dos anos 90 com alguns colegas da Orquestra Ligeira do Conservatório formamos uma banda Pop/Rock de originais os H'Darte. Fizemos alguns concertos, participámos em concursos mas, quando tentávamos encontrar editora, diziam-nos: "Boa música mas é pena cantarem em português, se cantassem em Inglês era mais fácil...". Em 2000 comecei a tocar com uma banda Funk no Porto (Click!) e foi a partir daí que começaram a surgir oportunidades como freelancer. A partir de 2004 começaram surgir oportunidades com bandas mais reconhecidas. Até hoje tive oportunidade de tocar com Sloppy Joe, Os Azeitonas, Expensive Soul, We Trust, Pedro Abrunhosa, Mónica Ferraz, Souls of Fire, Marta Ren e Miguel Araújo. Uma banda muito importante nesse período, com a qual percorri o país de norte a sul, e que foi a grande escola da interação com o público, coreografias e espontaneidade foram Os FunFarra, uma brassband de rua, que parou devido à indisponibilidade dos músicos.
Quais os projetos musicais que integras atualmente enquanto performer?
Atualmente integro as bandas Os Azeitonas, Miguel Araújo e Marta Ren.
Para além da tua carreira como músico, abraças uma outra atividade que te fascina. Falamos da tua "oficina", ou seja, da "Companhia dos Sopros". Fala-nos um pouco desta atividade...
Quando terminei o conservatório achei que deveria ter outra atividade paralela à performance que não fosse o ensino porque nunca senti grande vocação. A ideia surgiu em 2000, fiz as primeiras formações e comecei a reparar os primeiros instrumentos. Rapidamente me senti fascinado porque desde criança que gostava de montar e desmontar coisas, por exemplo, aos 4/5 anos o meu pai ofereceu-me um carro telecomandado e passado 3 dias já estava com uma chave de fendas a desmontá-lo para ver como era por dentro. Algo que idealizava a part-time rapidamente se tornou em full-time. A criação da Companhia dos Sopros acontece em 2003 quando o presidente da banda filarmónica onde tocava (ARMAB) que já fazia alguns negócios de venda de instrumentos me propôs criar uma empresa de venda e assistência técnica. Hoje em dia somos uma das empresas de referência nacional onde me dedico à assistência técnica desde o flautim à tuba e conjuntamente com o Carlos Silva prestamos assistência a músicos de norte a sul desde amadores a solistas.
Vem aí um novo desafio... Como surgiu a ideia de criares os teus próprios bocais? É algo completamente inédito em Portugal, não é?
Sim é inédito... uma marca de bocais construída em Portugal. A ideia surgiu há 4 anos num jantar de família. Desde que iniciei a atividade de reparador de instrumentos de sopro que além da componente mecânica estudo também a acústica dos instrumentos musicais. Como a minha família está ligada ao setor metalomecânico há décadas surgiu a pergunta: "Porque não construímos bocais na nossa empresa?" E foi aí que se iniciou o caminho até à criação da RPS Mouthpieces. Foram 4 anos de investigação profunda nos tempos livres (principalmente durante as viagens entre concertos) onde, além do aprofundamento acústico, aprendi muito sobre metalomecânica e a trabalhar com os softwares CAD/CAM. Apesar de ser ainda muito recente, os músicos têm dado um feedback muito positivo relativamente à qualidade dos bocais. É gratificante quando após 4 anos de intenso trabalho sentimos o apoio e vontade de ajudar no desenvolvimento destes bocais "Made In Portugal" por parte de grandes instrumentistas portugueses. Os bocais foram apresentados em março e já se encontram disponíveis em algumas lojas portuguesas. Além do mercado português já estamos a desenvolver estratégias para colocar os bocais no mercado internacional.
És um músico que anda na estrada, no estúdio, és empresário e tens uma família! Como consegues conciliar tudo isto?
Com muita força de vontade e sacrifício. Além do full-time na Companhia dos Sopros tenho de encontrar espaço paras os 50/60 concertos e algumas gravações que faço por ano, por isso muitas vezes trabalho 7 dias por semana, muitas horas e já não faço férias há 4 anos. Como passo muitos dias fora de casa vale-me o apoio e compreensão da família e da minha supermulher. Às vezes a minha filha mais velha liga-me e diz: "Papá anda para casa tenho saudades tuas, quero brincar contigo" e isto é realmente o mais difícil de tudo. Mais do que qualquer cansaço físico.
Tens ainda muitos sonhos por concretizar?
Se não tivermos sonhos/objetivos a nossa vida é uma monotonia. Já realizei muitos e tenho outros tantos por realizar em todas as atividades que desenvolvo. Um dos mais ambiciosos será colocar produtos "Made In Portugal" no mapa de acessórios para instrumentos de sopro a nível mundial.
Já pensaste em gravar um disco teu?
Um disco a solo é algo que de momento não faz parte dos meus objetivos. Sinceramente acho que nem estaria preparado para isso. Tenho uma ou outra banda na cabeça que gostava de criar mas para já são só algumas ideias, nada de muito concreto.
Consideras que a música vive um bom período no Portugal atual?
Depende do ponto de vista. Se pensarmos na qualidade dos músicos e da música que se faz em Portugal, houve uma evolução considerável. O aparecimento de mais escolas profissionais, academias e cursos superiores permitiram um maior acesso ao ensino artístico aumentando a quantidade e qualidade de estudantes de música em Portugal. É transversal a todos os instrumentos e estilos mas, pensando por exemplo nos instrumentistas de sopros, cada vez mais os nossos músicos ganham prémios no estrangeiro e lugares em orquestras estrangeiras o que não acontecia de forma tão significativa no passado. A outra face da moeda é que apesar de haver mais pessoas a fazer boa música há menos oportunidades de trabalho em Portugal do que havia há 15 anos atrás e com cachets iguais ou inferiores a essa altura. Por exemplo, no final dos anos noventa havia bandas que viviam exclusivamente de concertos em bares, hoje toca-se por carolice e com um cachet que nem sempre dá para o combustível. Poucos são os que têm a minha oportunidade de ter concertos regulares com um cachet digno e muito menos ainda os aventureiros que vivem exclusivamente dos concertos. Em Portugal faz-se boa música e diversificada. Temos bons músicos, temos infraestruturas, só me parece necessário o país olhar mais para a cultura como uma indústria que se traduz em crescimento económico, tal como vai acontecendo em outros pontos da Europa.
Obrigado por este tempo que nos dedicaste. Podes partilhar com os nossos leitores as próximas datas em que te poderão ver e ouvir?
Sim partilho os concertos confirmados em Junho.
6 – Miguel Araújo – Arraiolos
9 – Miguel Araújo – Vila Nova da Barquinha
10 – Os Azeitonas – Vale de Cambra
12 – Os Azeitonas – Santarém
13 – Miguel Araújo – Altura
14 – Os Azeitonas – Vila Verde
20 – Miguel Araújo – Mértola
23 – Os Azeitonas – Cinfães
27 – Miguel Araújo – Porto de Mós
28 – Os Azeitonas – Castro Verde
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