Daniel Bondaczuk. Entrevista ao jovem compositor Brasileiro
De passagem pelo Porto para receber o Prémio Joaquim Simões da Hora no âmbito do Festival Internacional In Spiritum, Daniel Bondaczuk presenteou-nos com uma conversa na qual pudemos descobrir um pouco mais sobre a vida deste jovem músico e compositor. Momentos antes de receber o prémio na Câmara Municipal do Porto houve ainda tempo para subirmos ao primeiro andar do "Metro da Trindade – Snack-Bar". Atualmente encontra-se nos Estados Unidos a realizar o seu mestrado em composição na Middle Tennessee State University. Pianista e organista, foi durante nove anos, músico na Catedral Anglicana de São Paulo. Embora muito jovem, tem uma carreira repleta de trabalhos tanto como músico, como compositor e arranjador, tendo oportunidade de trabalhar direta e indiretamente na produção de mais de cinquenta discos de música brasileira. Recentemente o disco "Reencontro" de Cauby Peixoto e Angela Maria com direção e arranjos de Daniel Bondaczuk foi premiado em três categorias, incluindo melhor disco, no "25º Prémio da Música Brasileira". Também a sua peça "Gloria" para coral e órgão venceu um concurso de composição nos Estados Unidos.
Gostávamos de saber como tudo começou. Quando começou a aprender música? Quando surgiu o interesse pelo órgão e pela composição?
Comecei a estudar música muito cedo, com 8 anos de idade. Na época nem me interessava muito por música mas a minha mãe deu-me duas opções. "Podes fazer música ou podes fazer natação". Como era inverno escolhi música (risos). Durante cinco anos ela perseverou contra a minha vontade até que chegou um ponto em que a música me convenceu. Depois ela tentou desconvencer-me mas não conseguiu mais. Na realidade o meu instrumento principal foi sempre o piano. Este ano completo 22 anos de piano. O interesse pelo órgão veio mais tarde e está intimamente ligado ao momento em que comecei a conhecer as cidades históricas do interior do Brasil, em Minas Gerais..., como Tiradentes, Prado, São João del Rei, Ouro Preto, Mariana... Antes, o órgão era um mistério para mim. Era um instrumento, relativamente ao qual eu nem podia sonhar contactar. Eu sou da cidade de São Paulo. Nós temos na cidade de São Paulo, mais ou menos, 60 órgãos de tubos dos quais, se 5 funcionarem, é muito. Logo, não é um instrumento ao qual consigamos ter fácil acesso no Brasil. Como o acesso não é fácil, torna-se difícil termos interesse. Mas, em 2002, durante o meu primeiro ano de universidade, eu fui para o Festival de Música de Prados e um dos concertos em que fomos tocar era na Igreja Matriz de Tiradentes onde está um órgão de 1788. Fiquei fascinado. Eu queria tocar naquele instrumento. Infelizmente o instrumento estava danificado e sem manutenção há já quase uma década e não foi possível. Mas aquilo foi uma coisa que, de certa forma, ficou sempre na minha cabeça. 6 Anos depois o órgão veio a ser restaurado e eu conheci a professora Elisa Freixo, que veio a ser a minha grande mentora no órgão, tendo então oportunidade de tocar vários concertos nesse instrumento e isso foi uma ocasião singular. Não foi a penas o meu encontro com o órgão. Foi o meu encontro com a música ibérica, ou seja, com a música portuguesa e com a música espanhola. O órgão de Tiradentes é um instrumento pequeno com apenas um "manual partido", oito registos de um lado e oito registos do outro. O teclado é relativamente curto com 46 ou 47 teclas, se não me falha a memória... O reportório que se adequava ao instrumento era constituído basicamente por música ibérica e um pouco de música italiana. A maioria do reportório era constituído por obras dos séculos XVI e XVII. Desde esse meu primeiro contacto, fiquei apaixonado pelo instrumento, pela música barroca e pela música ibérica de uma forma particular. E, graças a Deus, tive a oportunidade de fazer vários concertos. Alguns foram os momentos mais mágicos da minha vida. No interior do Brasil, numa cidade pequena, embora com muitos turistas... nunca fui ouvido com tanta atenção. Isto prova que as pessoas têm sede de ouvir e de conhecer este tipo de música.
Falou-nos há pouco de Elisa Freixo. Há mais alguns mestres que, ao longo da sua vida, o tenham marcado e influenciado?
Assim que entrei na Universidade de São Paulo tive o privilégio de estudar com Olivier Toni, grande compositor e grande pedagogo. Foi fundador da Escola de Música da Universidade de São Paulo. Foi também fundador da Escola Municipal de Música da Cidade de São Paulo, da Orquestra Jovem da Cidade de São Paulo, que mais tarde veio a mudar de nome. É uma pessoa que, neste cenário educacional, cultural, musical no Brasil, assume um papel singular. Foi através dele que eu fui para os festivais em Minas Gerais e foi também através dele que eu tive a oportunidade de ver a música através de outros ângulos. Oliver Toni sempre foi uma inspiração para mim.
Para além de instrumentista, tem construído uma carreira como compositor...
Eu comecei a compor música antes de entrar para a Universidade, mas num determinado momento, já na Universidade, por conta de outras opções parei por alguns anos e retomei há dois ou três anos atrás quando iniciei os planos do mestrado nos Estados Unidos. Tenho, a partir daí, tentado dedicar-me à composição de uma forma abrangente. Como compositor, é difícil ser bom em tudo. É difícil escrever bem para orquestra, bem para órgão, bem para vozes... Poucos compositores têm essa versatilidade de dominar bem todas essas possibilidades. Sem querer, talvez pela minha formação musical, eu tenho tido até bastante sucesso nas composições para órgão. Isto acontece porque eu toco o instrumento e é um instrumento pelo qual eu tenho muito respeito e muita admiração. Hoje, estando nos Estados Unidos, já tenho um conhecimento mais abrangente. Agora não conheço somente os órgãos ibéricos. Conheço também os órgãos franceses do século XIX, o órgão americano que é totalmente diferente, totalmente padronizado..., ou seja, quando compomos para órgão americano não precisamos de nos preocuparmos com este ou aquele detalhe porque todos eles são muito semelhantes. Mas, para além de compor para órgão, tenho composto também para quintetos de câmara, tenho peças sinfónicas para orquestra... No entanto nunca consegui alcançar a mesma repercussão, atingida pelas composições para órgão.
Há alguma razão específica para ter escolhido os Estados Unidos para continuar a sua formação?
Para ser bem honesto, eu queria sair do Brasil (risos). O Brasil estava numa situação económica difícil. Apesar disso eu nunca me pude queixar, pois sempre tive boas oportunidades no Brasil. Mas a vida em São Paulo ficou realmente muito difícil. Muita corrida, muito trânsito... Eu passava 5 horas do dia dentro do carro a conduzir. A situação chegou a um ponto que não era mais sustentável e eu comecei a fazer planos, colocando a mim mesmo a questão "para onde é que eu poderia ir?". Nessa altura eu tinha alguns amigos nessa região e surgiram algumas oportunidades que me levaram até lá e conheci pessoas maravilhosas que me apoiaram bastante e as coisas encaminharam-se de uma forma mais fácil do que eu esperava. Quanto à opção educacional, não posso dizer que me arrependo pois tenho tido muito apoio do meu professor de composição. A própria universidade tem-me dado muito apoio. As questões culturais são muito diferentes. A adaptação é difícil.
Quem sabe, ainda virá até à Europa para fazer posteriormente o doutoramento...
Quem sabe (risos). Começo a ter esse sonho. Até há bem pouco tempo, eu não tinha ideia de fazer um mestrado mas, agora que estou a fazê-lo e que vim aqui ao Porto, começo a sonhar com a possibilidade de um doutoramento (risos).
Cá o esperamos então... Agora que está cá para receber este Prémio Joaquim Simões da Hora no âmbito do Festival Internacional In Spiritum pode dizer-nos quais foram os sentimentos que o invadiram quando recebeu a notícia de que a sua obra tinha sido premiada?
Fiquei muito feliz!
Como teve conhecimento da existência deste concurso organizado em co-produção entre a direção do Festival (Associação Cultural In Spiritum) e a Artway?
Eu sou amigo do Marco Brescia no FaceBook e já tinha assistido a um concerto dele lá no Brasil. Ele enviou-me informações sobre o concurso através do FaceBook e perguntou-me se eu o poderia ajudar a divulgar. Assim fiz e acabei por concorrer também. Trabalhei, mais ou menos, um mês na peça. Tentei arranjar conexões com o passado da música ibérica. Fui buscar elementos que citam muito claramente aspetos muito marcantes da música portuguesa e da música espanhola. Quando recebi a notícia de que a minha peça tinha sido a vencedora fiquei muito surpreso. Dei um grito tão grande que a minha mulher, que estava na cozinha, pensava que tinha havido algum problema. Fiquei muito feliz, muito honrado. Reconheço que, como brasileiro, receber um prémio em Portugal é realmente uma honra muito grande.
Este prémio irá brilhar ao lado de outros prémios. Quer realçar alguns desses prémios alcançados?
No ano passado ganhei um prémio nos Estados Unidos com a peça "Gloria" para coral e órgão no concurso de composição alusivo à comemoração do aniversário dos 150 anos da Igreja Episcopal St. Mark em Evanston, IL. Este foi o meu primeiro prémio enquanto compositor nos Estados Unidos. Em 2014, no Brasil, o disco "Reencontro" de Cauby Peixoto e Angela Maria no qual não fui propriamente compositor mas escrevi os arranjos, foi premiado em três categorias, incluindo melhor disco, no "25º Prémio da Música Brasileira". Estou muito agradecido por todas estas oportunidades que têm surgido.
E no futuro? Há outros projetos que já estejam em lume brando à espera de entrarem em velocidade de cruzeiro?
Eu tenho uma dificuldade enorme para fazer planos a longo prazo. Portanto o meu plano é, para já, terminar o mestrado. Se quando isso acontecer, surgirem oportunidades lá nos Estados Unidos para eu ficar por lá... Se isso não acontecer, começo a pensar na possibilidade de vir para a Europa fazer um doutoramento.
Lá está como bolseiro? Também vai mantendo uma carreira enquanto performer?
Estou como bolseiro da universidade. Trabalho 20 horas por semana na escola de música. Ajudo com uma classe 10 horas por semana e nas outras 10 horas faço trabalho administrativo na direção da escola de música. Mas, aquilo nos Estados Unidos não é fácil para quem não é americano. O que ganhamos com a bolsa não é suficiente para nos mantermos e o governo americano não é muito flexível com os estudantes. Na terra da liberdade não somos muito livres (risos).
Queremos agradecer o facto de nos ter recebido durante esta visita "relâmpago" a Portugal, mais precisamente ao Porto. Queremos também parabeniza-lo pelo prémio que irá receber daqui a duas horas aqui ao lado na Câmara Municipal do Porto.
Eu é que agradeço. Sinto-me honrado. De todas as minhas conquistas até agora, este prémio foi o mais significativo e o mais importante. Fico também muito feliz de ter conseguido vir até aqui para receber o prémio. Gostaria também de agradecer ao meu professor de composição Dr. Osterfield que me ajudou a conseguir apoio financeiro para fazer a viagem. Agradeço também o apoio do diretor, Dr. Parkinson e ao Dr. Schmidt dos assuntos internacionais. Não posso também deixar de agradecer o apoio do meu amigo Nelson. Todas essas pessoas tornaram possível a minha vinda aqui ao Porto.
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