Marta Menezes, a sua carreira e o CD Beethoven/Lopes-Graça
Um CD onde Beethoven e Lopes-Graça são reinventados ao piano por Marta Menezes e a carreira de uma portuguesa que decidiu ir pelo mundo absorver as praxis de outras paragens serviram de mote para uma entrevista onde o piano é o cerne e ao mesmo tempo fio condutor. Marta Menezes deixa claras, nesta entrevista, as suas opções académicas, de vida e de carreira. A pianista portuguesa que já atuou em países como Portugal, Espanha, França, Reino Unido, Suíça, Itália, Alemanha e Cabo Verde encontra-se atualmente a fazer o seu Doutoramento em Música na Universidade de Indiana (EUA), na classe do pianista Arnaldo Cohen e diz-nos que este é mais um passo importante na sua formação. "Estou a terminar o primeiro ano e estou muito satisfeita. Não deixa de ser curioso o facto de estar a fazer o Doutoramento nos EUA com aulas de piano em português".
Em 2013 a Marta foi vencedora do 1º prémio no Concurso Beethoven no Royal College of Music em Londres. Agora lança um disco em que Beethoven também marca uma forte presença. Podemos dizer que este compositor a fascina e é um dos seus prediletos?
- Sim, é verdade. Sinto-me muito bem a tocar Beethoven. É um compositor que me tem acompanhado sempre e que ocupa um lugar especial no meu percurso. A primeira obra com a qual me apresentei a solo com orquestra foi o 5º Concerto de Beethoven. Tenho trabalhado também outras obras do compositor, quer para piano solo, quer em música de câmara.
Mas este 1º prémio no Concurso Beethoven no Royal College of Music em Londres não um caso isolado, pelo contrário... Pode falar-nos de outras conquistas suas enquanto intérprete? Que outros prémios já arrecadou e qual o significado que estes assumem para si enquanto músico?
Recebi alguns prémios em concursos na Europa, como o Concurso Scriabin em Paris, o Concurso de Piano de Roma 2006, o Concurso de San Sebastian, o Concurso Chopin em Bagnères de Bigorre e, mais recentemente, o Concurso Internacional de Piano de Nice. Em Portugal, fui também laureada no Concurso Ibérico do Alto Minho, no Concurso Jovens Pianistas 2010 dedicado a Chopin, no Concurso Maria Campina, entre outros. É sempre bom receber prémios e ver o nosso trabalho e esforço reconhecidos. Mas há que ter em conta que os concursos não são "a verdade absoluta" sobre um intérprete. Certamente têm um peso grande no percurso de um músico e trazem habitualmente novas oportunidades. Porém, há músicos que, por opção, não fazem concursos, e não deixam, por esse facto, de ter qualidade. Eu gosto de concorrer e, claro, ganhar prémios. Considero-os importantes, mas não determinantes.
Voltemos ao disco. Fale-nos um pouco deste trabalho discográfico que agora nos apresenta. Era um sonho antigo?
Gravar um CD era um dos projetos na minha ainda jovem carreira. No ano passado comecei a considerar mais seriamente a sua concretização. Senti o apoio de colegas e professores, o que me incentivou a avançar. Entretanto a Fundação GDA abriu concurso para um Apoio à Edição Fonográfica de Intérprete. Concorri e felizmente consegui um dos apoios, o que acabou por dar um grande impulso à concretização do projeto.
Portugal, Espanha, França, Reino Unido, Suíça, Itália, Alemanha e Cabo Verde são alguns dos países por onde já passou e atuou. Sente-se uma intérprete do mundo ou, por outro lado, Portugal é sempre uma casa à qual volta para tocar em "família"?
Um pouco as duas coisas. É muito enriquecedor e interessante ter a oportunidade de tocar em vários países e, sobretudo, ver que públicos tão diferentes, de culturas tão distantes, têm reacções muito semelhantes enquanto ouvintes. Por isso, consigo sentir-me sempre um pouco em "casa", mesmo fora do nosso país. No entanto, quando toco em Portugal o ambiente é, naturalmente, diferente porque estou, de facto, "em casa". Foi algo que quis sempre manter enquanto estive em Londres e que quero continuar a fazer, mesmo nos EUA. Torna-se um pouco mais difícil por causa da distância, mas Portugal é um país onde quero continuar a tocar.
Quais as formações com que já se apresentou enquanto solista?
Apresentei-me com a Orquestra Sinfónica da Escola Superior de Música de Lisboa, a Camerata MusArt, a Camerata Amicis e a Orquestra Regional de Cannes, sob a direcção dos maestros Vasco Azevedo, Gareguin Aratiounian, Carlos Silva e Nicolas Simon, respetivamente.
A estreia de obras de compositores portugueses também tem sido um campo no qual se tem movimentado. Encara a divulgação da música portuguesa como uma missão? Pode referir alguns compositores portugueses que façam parte do seu reportório?
Sim, aliás, fiz questão de incluir uma obra de um compositor português no meu primeiro CD. Fiz a estreia de obras de alguns colegas compositores durante o meu curso na Escola Superior de Música de Lisboa, nomeadamente no programa "Peças Frescas", no Teatro S. Luiz. Paralelamente, fui também incluindo pontualmente nos meus recitais algumas obras de outros compositores portugueses. No entanto, este interesse ganhou uma nova dimensão com a criação do Duo Pianíssimo, com a minha colega pianista Inês Andrade, dedicado à divulgação de obras portuguesas para dois pianos e para piano a quatro mãos. Fizemos recitais nas duas formações com o programa dedicado exclusivamente a compositores portugueses como Sérgio Azevedo, António Pinho Vargas, António Victorino d'Almeida, Paulo Bastos, Tiago Cabrita, Fernando Lopes-Graça, Vianna da Motta, Domingos Bomtempo...
Quando iniciou os seus estudos musicais no Conservatório de Música Jaime Chavinha (Minde), com Gabriela Capaz, e depois com Paulo Pacheco, já antevia uma caminhada rumo ao sucesso e ao profissionalismo?
Iniciei os meus estudos de piano aos 4 anos, como uma brincadeira. Só mais tarde, talvez pelos 13 ou 14 anos é que decidi que era este o caminho que queria seguir. Mas, mesmo assim, nessa altura obviamente não fazia ideia do que viria a ser o meu percurso, e não imaginava, por exemplo, vir a fazer um Doutoramento nos EUA. Sempre me senti motivada a seguir em frente. Gradualmente fui estabelecendo e atingindo os meus objetivos. Sempre tive também a minha família, os meus amigos e os meus professores a apoiar-me, o que contribuiu e contribui bastante para o sucesso desta caminhada.
Entretanto ingressou na Escola Superior de Música em Lisboa...
Sim, depois de ter concluído o curso do Conservatório, iniciei a Licenciatura com o professor Miguel Henriques, em Lisboa. Foi, sem dúvida, uma das pessoas mais importantes na minha formação. Ter entrado na ESML foi um passo muito importante no meu percurso. Foi a partir daí que pude, finalmente, dedicar-me a 100% à música. Continuei no Mestrado em Música e Mestrado em Ensino da Música, com o Professor Miguel Henriques e o Professor Jorge Moyano, que terminei em 2012. Gostei muito de ter estudado na Escola Superior, onde volto sempre quando vou a Portugal. Guardo muito boas recordações dessa fase da minha vida.
Depois de concluir o Mestrado na Escola Superior de Música de Lisboa rumou para o Royal College of Music em Londres. O que procurava exatamente com esta mudança de "ares"?
Procurava sobretudo um ambiente mais internacional, numa cidade mais internacional. Conheci pessoas de inúmeros países, tive o contacto com um ensino diferente e vivi num meio diferente, o que me fez crescer em vários aspetos. Pensei: "Lisboa já conheço, então vou conhecer o que se faz lá fora".
O Doutoramento em Música na Universidade de Indiana (EUA), na classe do pianista Arnaldo Cohen será a cereja no topo do bolo?
É, sem dúvida, mais um passo importante na minha formação, e a continuação do que tenho feito até agora. Estou a terminar o primeiro ano e estou muito satisfeita. Não deixa de ser curioso o facto de estar a fazer o Doutoramento nos EUA com aulas de piano em português.
Marta, muito obrigado por este tempo que nos dedicou tornando mais curta a distância entre os Estados Unidos e Portugal. Há algum, ou alguns nomes que tenham ficado por referir e que considere importantes na sua evolução enquanto intérprete, investigadora e ser-humano?
A motivação é, para mim, determinante para atingir os objetivos. No entanto ter o apoio da família, dos amigos, dos professores foi e é um incentivo permanente. Sinto-me muito feliz por ter encontrado todos os professores que atrás referi e que considero terem sido, até hoje, as pessoas mais importantes na minha carreira.
Fotos: Pedro Sadio
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