Danças Ocultas featuring Dom La Nena apresentam-nos o EP “Arco”

Danças Ocultas featuring Dom La Nena"Este contacto com a Dom La Nena surgiu através da nossa produtora nacional que é a Uguru que também agencia a Dom La Nena em Portugal (...) Nós ouvimos e estranhámos um pouco no início aquele tipo de abordagem. Mas encontrámos logo ali algumas coisas em comum, como por exemplo alguma utilização do minimalismo e de alguma ingenuidade até. Fomos, lenta e gradualmente, percebendo que realmente estava ali uma solução interessante porque de certa forma complementa a nossa proposta musical. Entretanto fizemos uma Tour no final de 2013 e, dessas progressões em palco, resultou esta vontade de registar este material (...)".
Artur Fernandes, Danças Ocultas

Artur, queremos desde já agradecer-te o facto de nos teres recebido aqui em Águeda para esta conversa sobre o vosso último EP que está hoje a ser lançado nas lojas. Como surgiu esta possibilidade de trabalhar em conjunto com a Dom La Nena?
Efetivamente temos realizado nos últimos anos algumas parcerias. Digamos que este tipo de movimentação começou com o álbum "Pulsar" em 2004 em que tivemos variadíssimos convidados. De uma forma mais sistemática e em concertos começámos este tipo de encontro musical com a Maria João, neste caso de que já vamos falar com a Dom La Nena e mais recentemente com a Orquestra Filarmonia das Beiras. Este contacto com a Dom La Nena surgiu através da nossa produtora nacional que é a Uguru que também agencia a Dom La Nena em Portugal. A Uguru deu-nos a ouvir o trabalho que a artista produzia. Nós ouvimos e estranhámos um pouco no início aquele tipo de abordagem. Mas encontrámos logo ali algumas coisas em comum, como por exemplo alguma utilização do minimalismo e de alguma ingenuidade até. Fomos, lenta e gradualmente, percebendo que realmente estava ali uma solução interessante porque de certa forma complementa a nossa proposta musical. Entretanto fizemos uma Tour no final de 2013 e, dessas progressões em palco, resultou esta vontade de registar este material cujo objetivo é, para além do registo em si mesmo, ter um produto promocional para circulação internacional dado que a circulação nacional, embora numa pequena tour, já se fez, apesar de não se descartar a hipótese de fazer outra na sequência deste lançamento.

Artur FernandesA nacionalidade de Dom La Nena é brasileira e ela vive no Brasil. Como é que se processou este trabalho. Falo das gravações, misturas, produção...
Hoje em dia as tecnologias ajudam imenso e, portanto, nós gravámos as bases cá em Portugal, enviámos-lhe o material, ela gravou as partes dela e enviou tudo em ficheiros independentes e nós cá fizemos posteriormente a mistura e a masterização.

O facto de ela estar no Brasil abre as portas deste país também para os Danças Ocultas?
O objetivo é abrir as portas internacionais mas por outro lado, ou seja repetindo o percurso que temos feito pela Europa Central, até porque aqui o objetivo é de ambas as partes pois a Dom La Nena também tem a sua carreira a solo e também lhe interessa um pouco chegar a territórios que nós já desenvolvemos bastante. Falo da Alemanha, Áustria e Suíça. Por outro lado, também há da nossa parte interesse em chegar a territórios que ela já tem desenvolvido bastante bem na sua carreira, tais como Estados Unidos e Canadá e obviamente Brasil. Vislumbra-se portanto aqui um interesse mútuo em que o objetivo é que as duas partes se somem.

Este EP tem quatro temas mas vocês já têm um espetáculo montado com ela. Qual é a duração e o alinhamento do espetáculo?
O espetáculo tem a duração de uma hora e meia sendo que desse tempo, quarenta minutos serão em conjunto com reportório que nós já tínhamos e ela acompanha e também o inverso com algumas músicas da Dom La Nena que nós acompanhamos. O que nos interessou para o EP foi fixar o que de melhor fizemos em conjunto e o que em termos de registo perene acrescentasse algo de novo ao que já existia gravado.

Vocês vão portanto "insistir" neste formato que aposta em ter sempre mais alguém em palco para além de vocês os quatro... Como têm corrido estes espetáculos que têm feito com a Orquestra Filarmonia das Beiras?
Por acaso tivemos no passado sábado um concerto com a Filarmonia das Beiras em Vila Real. Este espetáculo com a Filarmonia das Beiras foi uma encomenda da CIRA que é a Comunidade Intermunicipal da Região de Aveiro que resultou em cinco espetáculos no distrito, ou seja, em Águeda, Ovar, Ílhavo, Anadia e Oliveira do Bairro. Este espetáculo que fizemos em Vila Real foi o primeiro, neste âmbito, fora do Distrito. Realizou-se no Teatro de Vila Real. No âmbito deste projeto, iremos gravar já em fevereiro, porque consideramos que alcançámos um resultado artístico bastante interessante. Os Danças Ocultas e a Orquestra Filarmonia das Beiras cresceram bastante, juntos, com este reportório. Reparámos que, de uma forma muito carinhosa, a Danças Ocultas e Orquestra Filarmonia das BeirasOrquestra sentiu propriedade sobre o nosso reportório e que vale a pena gravar este material. Digamos que, um grupo como o nosso, que é um grupo de música instrumental e que tem a visibilidade que tem nos meios de comunicação, precisa realmente de ir desenvolvendo estas parcerias, estas relações artísticas com outras entidades para, de certa forma, mostrar o nosso produto, que é o reportório que compomos mas de formas, em termos de arranjos e de sonoridades, que nos permitam chegar ainda a outros públicos.

O que nos estás a dizer é que este projeto com a Orquestra Filarmonia das Beiras, ganhou vida própria pois embora parta de uma ideia inicial da CIRA, com esta gravação conquistará uma independência que fará com que extravase as fronteiras inicialmente delimitadas...
Exatamente. O objetivo é, obviamente editar, e fazer uma circulação, uma Tour que, tendo em conta os meios logísticos que envolve, não será fácil mas iremos tentá-la.

Olhando para o panorama da música nacional atualmente, consideras que existe em Portugal espaço para que um grupo instrumental como os Danças Ocultas tenha um lugar que lhe permita subsistir e viver da música que produz, ou a internacionalização continua a ser a única saída?
Eu nem sei se já disse esta frase na outra entrevista que vos dei em 2012 mas, em jeito de brincadeira, eu costumo dizer que há muitos mais países no estrangeiro do que em Portugal (risos). Efetivamente, Portugal, para a sustentabilidade de uma carreira artística é um país muito pequeno. Por exemplo, quem desenvolve a atividade na Áustria ou na Alemanha, tem ali uma série de países à volta, umas oito ou nove fronteiras que, ainda por cima com esta questão do Espaço Schengen... Nós aqui temos uma Espanha enorme a servir-nos de tampão para o centro da Europa. Neste contexto, Portugal torna-se um território demasiado pequeno caso ambicionemos uma carreira artística sustentada com este projeto. Estes e outros fatores levam-nos a centrar as nossas ambições numa carreira internacional.

Quando os Danças Ocultas surgem em 1989, estávamos longe de vivenciar este boom que agora testemunhamos da World Music. Sentem-se responsáveis por terem começado a abrir esse caminho em Portugal?
Não. Por acaso não. Há tanta coisa a acontecer, e nós somos tão pequeninos... Mas se falarmos no campo da internacionalização da música portuguesa para além do fado, isso sim. Para todos os efeitos, a música pop-rock não exporta, há um grupo ou outro de artistas mais populares que fazem o circuito para a comunidade emigrante, pois o que de facto a música portuguesa exporta é música clássica, algum jazz e a world music mas, se falarmos desta última, ela resume-se quase exclusivamente ao fado, ou os derivados do fado. Para nós isto até funciona como um tabu que se quebra e que é interessante, pois quem nos vai ver e não sabe o que lá vem, espera ir ouvir fado. Danças OcultasA surpresa com que se deparam acaba por funcionar a nosso favor e despertar essa tal curiosidade. "Afinal a música portuguesa não é só fado". Mas de certa forma, isto é geral. Nós em Portugal quando ouvimos falar do Brasil, pensamos logo imediatamente em samba, se ouvimos falar da Argentina, apetece só pensar em tango, portanto esta questão é transversal.

E quais são as principais diferenças que sentem quando se lembram daquele tempo em que começaram em 1989 e a atualidade? Muita coisa mudou?
Nós fomos sentindo todos os progressos como "um passo de cada vez". A cada objetivo atingido, começa-se logo a pensar noutro e de repente aparecem objetivos que nem estavam previstos para tão cedo e que se concretizam... No início houve aqui um período de grande questionamento e até de algum desânimo porque nós começámos a tocar juntos em 1989, gravamos em 1994 e o álbum só é editado em 1996. Foi portanto um período em que deixámos de tocar para o público, só tocávamos para ensaiar e isso gerou algum desânimo.

Mas houve algum motivo especial para uma espera tão longa?
Isto foi um investimento pessoal do Gabriel Gomes que resolveu assumir os custos de produzir e de gravar, e a questão prolongou-se durante o espaço de tempo em que ainda não se tinha arranjado uma editora que editasse o trabalho. Isto demorou algum tempo e quando finalmente se conseguiu editora, esta considerou que ainda não era a altura estrategicamente certa para editar... Inclusivamente o disco tem selo de 1995 e só foi editado em 1996... Depois, quando o disco foi editado, surgiu aquela vontade óbvia de querer tocar e efetivamente surgiram os primeiros festivais. Começámos com uma força tremenda em Vilar de Mouros e depois chegou a vontade de tocar fora e que surgiu logo em 1997 e 1998 com concertos em Espanha... Depois queríamos fazer tournées, tocar nesta e naquela sala... Mais tarde vieram as colaborações com a dança contemporânea, essencialmente com o Paulo Ribeiro. Como disse há pouco, fomos sentindo os acontecimentos como "um passo de cada vez". É claro que quando o processo está sempre em crescimento, há vontade de crescer ainda mais. O grande salto deu-se com a nossa presença no Womex que é uma grande feira internacional de músicas do mundo. A nossa presença neste evento permitiu-nos nos dois anos seguintes fazer cerca de sessenta e cinco concertos em dezoito países diferentes. Agora dá-se quase um "obrigatório recuo" mas, com este disco que agora lançamos com a Dom La Nena e com o disco que faremos a seguir, as coisas irão certamente mudar. Mas voltando à questão de quais são as diferenças que sentimos quando nos lembramos daquele tempo em que começámos em 89 e a atualidade, posso dizer-te que a principal diferença que sentimos reside na nossa maturidade artística. Artur FernandesE aqui refiro-me a toda a equipa criativa: músicos, técnico de iluminação e técnico de som que se vem mantendo inalterável há muitos anos. Esta opção tem vindo a promover o desenvolvimento em conjunto dessa mesma maturidade.

Pensas que as redes sociais e as plataformas que permitem difundir a música que vocês fazem, vieram ajudar o processo de disseminação da música ou, pelo contrário, até vieram confundir e baralhar mais as coisas?
As pessoas têm hoje acesso a uma diversidade muito maior, já para não falar na quantidade da oferta de produtos musicais. A questão reside na forma com que nós conseguimos ser agressivos, sem agredir, fazendo com que a comunicação chegue. Essa é a grande dificuldade, pois ou nos concentramos na criação musical, ou nos concentramos na comunicação... Mas não há dúvida de que as plataformas de que falas vieram alargar o leque de público e vieram mudar a forma de dar conhecimento às pessoas acerca da nossa atividade e os nossos concertos.

Nos Danças Ocultas há divisão de tarefas? Dividem pelos quatro as diferentes preocupações do projeto?
Sim. Eu (Artur Fernandes) tenho estado mais responsável pela parte da comunicação mas atendendo ao momento da vida profissional inerente a cada um de nós, a maior parte das entrevistas serão dadas pelo Filipe Cal em Lisboa, até porque ele mora lá e isso torna mais fácil e célere a informação. Mas há sempre um que fica mais responsável pelas partes de organização logística, financeira, etc., outro fica mais responsável pela gestão do reportório, outro mais com os agenciamentos... Em suma, fazemos esta divisão à semelhança do que fazemos com os próprios instrumentos a tocar em que um tem a função melódica, outro tem a função harmónica, outros tem a função rítmica e assim sucessivamente.

Muito obrigado Artur por este tempo que nos dedicaste. Há mais alguma coisa que pretendas referir?
Sim. Há uma coisa que pretendo lembrar aqui. Quando a Dom La Nena nos enviou o material dela gravado, aquilo contemplava uma enorme quantidade de informação e de ficheiros, o que nos deixou aflitos a pensar no que é que iríamos fazer com aquilo tudo. Mas, e é por isso que quis referir este aspeto, podemos dizer que tudo foi utilizado com uma enorme perícia em termos de mistura. Refiro-me particularmente ao primeiro tema do EP, "Ela", para o qual a Dom enviou pequenos ficheiros com sons de voz, pequenos ficheiros com sons de violoncelo... Nós conseguimos aproveitar tudo.

Agora com Dom La Nena... (ao telefone)
Dom La NenaDom La Nena, desde o primeiro momento em que conheceu os Danças Ocultas, sentiu que havia ali uma energia que poderia ser rentabilizada num trabalho conjunto?
Eu conheci os "meninos" através do nosso produtor de espetáculos daqui de Portugal. Eu ouvi o disco deles e achei muito interessante. Em primeiro lugar porque era uma música instrumental que era simples e complexa ao mesmo tempo. Havia simplicidade na melodia mas a harmonia era mais enriquecida. Gostei muito da forma como eles lidavam com a sonoridade. Por vezes nem dá para sabermos quantas concertinas tem na gravação. Não sabemos de são três, quatro, cinco, dez... (risos). Pensei que seria interessante a mistura entre as concertinas e o violoncelo. Embora nem todas as minhas músicas dessem para juntar com as concertinas, havia algumas que se adaptavam muito bem a esta formação. Eu achei muito lindo o trabalho deles. A minha participação foi também uma questão de curiosidade.

Como foi todo o percurso que levou à gravação do EP "Arco"? Fale-nos um pouco da caminhada que deu origem a este trabalho. Foi difícil gravar à distância?
Na verdade não houve dificuldade porque já tínhamos feito vários espetáculos juntos. Os ensaios já estavam feitos. Confesso que no início pensei em fazer algo mais complexo porque eu tenho uma visão de arranjos que vai além do violoncelo. Nos meus discos eu gravo vários instrumentos. Para este EP, eu tinha gravado algumas percussões também, mas depois achámos melhor deixar a sonoridade do disco o mais próxima possível do espetáculo. No processo de gravação, os "meninos", gravaram primeiro as concertinas, depois ainda gravei alguns violoncelos e vozes em Lisboa e depois o resto gravei em Paris. Não foi nada difícil gravar porque foi tudo muito próximo do que fizemos nos espetáculos.

Muito obrigado por nos proporcionar esta breve conversa. Esperamos voltar a ver em breve em palco este trabalho que resulta notoriamente de uma enorme cumplicidade e amor pela música.
Muito obrigado, foi um prazer. Tudo de bom!

Dancas Ocultas featuring Dom La Nena

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