Doppio Ensemble de malas feitas para levar a Roma a sua música no início de 2015. A Entrevista.
Entrevistámos o duo Doppio Ensemble que tem sido um dos embaixadores da música dos compositores portugueses por esse mundo fora. A este propósito lamentam o facto de tocarem menos em Portugal do que noutros países: «A chamada "crise" é, bastantes vezes, apontada como a razão principal, mas a verdade é que acreditamos que não há o interesse que deveria haver, da parte de programadores e diretores artísticos, para dar a conhecer o trabalho dos inúmeros jovens portugueses que, tal como nós, realizam mais recitais no estrangeiro do que no seu próprio país. Continuamos, tal com os nossos colegas, a lutar por oportunidades para poder dar a conhecer aquilo que fazemos». Reconhecem, no entanto que têm tido «bastante apoio institucional para realizar os seus recitais no estrangeiro».
"Música Portuguesa para Violino e Piano: de Portugal à América do Sul" foi uma das vossas últimas propostas. Podem falar-nos um pouco deste projeto? O que vos levou a empreender uma caminhada tão ambiciosa?
O referido projeto aconteceu na continuidade do nosso projeto de internacionalização, iniciado há alguns anos na Europa, com recitais em Itália, França, Inglaterra e Espanha. Os programas de Apoio à Internacionalização da Direção Geral das Artes constituíram um importante apoio financeiro que nos permitiu concretizar alguns sonhos e aceitar alguns convites que já existiam. Por outro lado, estes projetos vêm ao encontro de uma das facetas do Doppio Ensemble que passa por contribuir para a divulgação e difusão da música e cultura portuguesas. Podermos apresentar o nosso trabalho, não só com Música Portuguesa mas também com obras mais conhecidas do público, em algumas das principais cidades dos EUA, abriu-nos algumas portas para futuros projetos e contribuiu para o reconhecimento do nosso trabalho no exterior.
Deixaram saudades no Brasil? Ficou a promessa de voltarem em breve?
Sim, temos já alguns convites para voltarmos, nomeadamente para recitais, masterclasses e concertos com orquestra. Provavelmente, só acontecerão em 2016, pois entretanto outros projetos pessoais e profissionais já surgiram e são uma prioridade. A receção à Música Portuguesa foi excelente. Para além de obras escritas para o Doppio por Gonçalo Gato, Anne Vitorino d'Almeida e Sérgio Azevedo, apresentamos também obras de Prokofiev e Piazzolla, que receberam uma excelente crítica por parte do público especializado. Pudemos partilhar, durante as conferências que realizámos, um pouco do nosso conhecimento sobre a Música para violino e piano do nosso país e, em particular, sobre a vida e obra de Fernando Lopes-Graca, compositor que é uma constante nos nossos programas e que, segundo temos testemunhado, tem despertado um grande interesse, tanto na Europa, como no Brasil e EUA.
O Doppio Ensemble nasceu em 2002. Falamos de um longo percurso. Podem falar-nos um pouco de tudo o que esteve na génese deste projeto?
O Duo, que só anos depois foi batizado de Doppio Ensemble, realizou em 2002 o seu primeiro recital no âmbito das Comemorações dos 25 anos da Academia de Música de Viana do Castelo, cidade e instituição de onde somos ambas naturais, onde iniciámos os nossos estudos e à qual ainda hoje estamos profissional e afetivamente ligadas. Nessa altura, tivemos também a oportunidade de realizar concertos em Quarteto e tocámos também o Triplo Concerto de Beethoven, com a orquestra EPMVC. O gosto em partilhar música e palco juntas nasceu e novos convites para recitais permitiram que nos voltássemos a juntar. Museu Gulbenkian, vários festivais e salas em Portugal e, nos últimos anos, Madrid, Paris, Londres, Roma e as digressões aos EUA e Brasil são o motor que nos tem mantido ativas durante estes doze anos. Neste momento, o Doppio Ensemble é uma parte significativa das nossas vidas e uma das nossas prioridades profissionais. Pretendemos continuar com a nossa internacionalização e temos já algumas ideias para os próximos dois anos, que passam por novas viagens às Américas. Entretanto, temos o prazer de começar o próximo ano com um recital em Roma, no qual apresentaremos uma obra da Anne Vitorino d'Almeida, escrita para nós e estreada já nos EUA e Brasil, bem como obras de Beethoven, Schnittke e Stravinsky. Esse recital conta também com apoio da GDA em Portugal
A Ana Queirós e a Evandra Gonçalves foram "talhadas" para trabalhar juntas? Estava escrito nas estrelas? (Risos)
Como já dissemos, foram criadas as circunstâncias para que nos juntássemos e o gosto em partilhar a música, aliado a um grande respeito e admiração pelo trabalho uma da outra, permitiu que crescesse uma forte ligação profissional bem como uma grande amizade. Uma digressão ou concerto do Doppio, para além de um projeto profissional, é também uma aventura, uma partilha de experiências, um enriquecer enquanto músicos e pessoas. É bom partilharmos esses momentos uma com a outra.
Têm tido o privilégio de interpretar obras que são exclusivamente escritas para a vossa formação. Quais os compositores que têm escrito para o Doppio Ensemble?
Felizmente, temos tido a sorte de poder contar com o empenho e talento de alguns compositores portugueses, aos quais agradecemos mais uma vez. Gonçalo Gato, Sérgio Azevedo, Anne Vitorino d'Almeida, Nuno Peixoto, Daniel Martinho e o compositor francês Jean-Francois Lézé têm contribuído para estas aventuras e jornadas do Doppio Ensemble por terras estrangeiras, permitindo dar a conhecer ao público estrangeiro um pouco da nossa cultura.
A divulgação do reportório português para esta formação é mesmo o principal motor deste projeto?
A divulgação do reportório português não é o principal motor deste projeto. É um dos vários aspetos do nosso duo. É algo que acreditamos ser nosso dever, enquanto instrumentistas portuguesas. Os nossos recitais não são exclusivamente de música portuguesa, a não ser que sejam recitais específicos, com determinadas temáticas. Incluímos sempre, isso sim, alguma obra portuguesa e procuramos ter um papel ativo na divulgação da cultura e produção autoral portuguesa.
Estão de partida para Roma no início de 2015 mas estiveram recentemente, numa nova tour apoiada pela DGArtes nos EUA. O que apresentaram? Houve reportório novo?
A recente digressão aos EUA apresenta obras em estreia absoluta de Nuno Peixoto e Daniel Martinho, para além de obras da Anne Victorino D'Almeida e do Sérgio Azevedo. Voltámos a apresentar obras de Lopes-Graça e incluímos também uma obra do Jean-François Lezé, dedicada ao Doppio, e a História do Tango de Astor Piazzolla. Tivemos oportunidade de tocar para vários públicos em contextos diferentes. Tivemos também uma forte presença da comunidade portuguesa em Berkeley, CA, no estado de Massachusetts e em Nova Iorque em recitais que incluíram, na maior parte das vezes, sessões de esclarecimento que proporcionaram um diálogo bastante próximo entre audiência e intérpretes.
Para além do Brasil e dos EUA, há outros países onde já tocaram e deixaram a vossa marca... Podem partilhar com os nossos leitores quais foram esses países e como tem sido a receção ao vosso trabalho fora de Portugal?
Temos realizado vários recitais em Madrid e em Medinacelli, Espanha. Depois da nossa primeira apresentação, ficámos felizes, em verificar, nos anos seguintes, a existência de um público que regressava especificamente para nos ouvir. Em Londres apresentamo-nos na Igreja de St. Martin-in-the-Fields, após um concurso através do qual selecionam vários solistas e grupos de câmara para aí terem o privilégio de tocar. Em Paris, onde voltaremos em breve, realizámos um recital inserido no Festival Fest'aFilm, que contou também com a apresentação de uma curta-metragem sobre um encontro de Bartok e Lopes-Graça nesta cidade. Mais uma vez, tivemos oportunidade de dar a conhecera a obra deste compositor que nos é tao querido. Finalmente, em Roma, onde realizaremos novo recital no início do próximo ano. Temo-nos apresentado inseridas numa temporada regular de concertos, com um público habituado a frequentar recitais de música erudita, numa sala sempre lotada e onde temos recebido as melhores críticas.
E em Portugal? A recetividade tem sido idêntica?
Em Portugal, infelizmente, as oportunidades para nos apresentarmos são mais escassas que no estrangeiro. A chamada "crise" é, bastantes vezes, apontada como a razão principal, mas a verdade é que acreditamos que não há o interesse que deveria haver, da parte de programadores e diretores artísticos, para dar a conhecer o trabalho dos inúmeros jovens portugueses que, tal como nós, realizam mais recitais no estrangeiro do que no seu próprio país. Continuamos, tal com os nossos colegas, a lutar por oportunidades para poder dar a conhecer aquilo que fazemos. Por outro lado, temos tido bastante apoio institucional para realizarmos os nossos recitais no estrangeiro.
O que sonham para o Doppio Ensemble para os próximos tempos?
Novas digressões no estrangeiro estão a ser planeadas, novas encomendas serão feitas a compositores portugueses e acreditamos que surgirão mais oportunidades para o Doppio Ensemble se apresentar em Portugal. Esperamos também que o trabalho de divulgação dos músicos portugueses realizado pela XpressingMusic e por outras revistas da área contribua para que os nossos programadores se apercebam de toda esta riqueza e capital cultural existente em Portugal, no que respeita à música erudita. Gostaríamos que o nosso trabalho e o dos inúmeros músicos portugueses com quem colaboramos, em orquestra, nas escolas e nos palcos, fosse cada vez mais valorizado e apreciado.
Muito obrigado por nos terem concedido esta entrevista e muito obrigado por partilharem por esse mundo fora música que se tem feito em Portugal.
Obrigada nós, pela atenção dispensada ao nosso duo e à Musica Portuguesa.
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