Miguel Gizzas lança o primeiro romance musical do mundo. A entrevista.
Miguel Gizzas lançou recentemente o seu segundo trabalho. Desta vez trouxe-nos algo completamente novo. Falamos do primeiro romance musical do mundo: "Até que o Mar Acalme". Neste projeto, mais do que ouvir somente os temas, podemos embarcar também numa viagem pelo universo da escrita. Cada canção do álbum, que tem o mesmo título do livro, é parte integrante da narrativa de um romance inteiramente redigido por Miguel Gizzas. A vida de um economista que decidiu dedicar-se à música e à escrita, é portanto o cerne desta entrevista onde, mais uma vez, se mostra o quão vantajoso se torna para o público quando os artistas a ele se dedicam de uma forma transversal e integrada.
Miguel Gizzas, muito obrigado por nos presentear com um pouco da sua disponibilidade. O que leva um economista a enveredar pelo mundo das artes e da literatura?
Um amor natural pela música e pela literatura, associado à minha constante vontade de testar e estender as minhas fronteiras. Gosto de sair da minha zona de conforto e testar novas coisas. A seguir a estes projetos, já sei que novos virão, nestas ou noutras áreas. Quero chegar ao fim da minha vida, olhar para trás e sorrir, sentindo que não desperdicei o que a vida deixou à minha disposição para arriscar, tentar, falhar e conhecer.
Desde 2001 que se assume como músico profissional. Considera ser necessária muita coragem para que se abrace nos dias que correm uma carreira artística?
No meu caso, não. Tenho o "conforto" de ter outra profissão, que me garante a segurança necessária para me dedicar à música por amor, sem cedências, apesar de ser músico profissional. Para quem queira viver apenas da música e esteja a iniciar-se, não é necessária apenas coragem. Uma boa dose de loucura ajuda. Dada a forma como o mercado da música se tornou exíguo nos últimos anos, o que considero muito necessário é uma tenacidade muito grande. E a capacidade de entender que, por cada "sim", há sempre dez "não". E é necessário interiorizar que estes revezes não significam falta de qualidade. Apenas significam que gostos não se discutem, que a música não é consensual. Lembro-me muitas vezes das histórias conhecidas de cartas que os Beatles ou os U2 receberam, de editoras e outras entidades, recusando-os. Se estas cartas os tivessem "matado", onde estaria hoje a música sem a sua influência?
Sabemos que efetuou mais de quinhentas atuações ao longo de dez anos, antes de lançar o seu primeiro disco, "Tempo Ganho". Houve alguma razão de ordem estratégica para que as coisas acontecessem desta forma? Considerou necessário um longo período de amadurecimento artístico e/ou performativo?
Não. Ao longo da minha vida (na verdade, desde miúdo) fui compondo música. Só que de forma desorganizada. Não gravando, não escrevendo as ideias que ia tendo. Ao longo desses dez anos efetuei paragens mais ou menos prolongadas. Apenas porque o repertório que tinha já não me apaixonava. Ao fim desses dez anos, senti que cantar as músicas de outros já não me motivava como antes. Não deixava que a música me controlasse. A música serve para nos motivar, não para nos aprisionar. É assim que a vejo. E foi por isso que avancei de forma determinada para a criação de um álbum. Aconteceu quando o meu corpo e a minha alma o requereram.
Como foi a reação das pessoas ao seu primeiro trabalho? Houve muitos concertos em torno deste disco? Quer destacar alguns?
Fiquei surpreendido. Passar de músico de bares para o negócio da música, no seu âmbito criativo, com um mercado, um público e canais distintos, é como passar da primária diretamente para a Faculdade. Falhei muito na minha abordagem, pelo caminho, pelo desconhecimento que tinha da forma de atuar no mercado da música. Quando o sucesso chegou e me começaram a convidar para concertos, não tinha manager, agência e, mais gritante, não tinha banda. Quando finalmente juntei a banda, já o timing certo tinha passado. Tive concertos importantes, de onde destaco o Viva a Música, na Antena 1, e outros, como o que fiz no Pavilhão Atlântico, ou no Teatro Confluência, em Cascais, todos eles por diferentes motivos.
Surge agora o seu primeiro romance musical. Fale-nos um pouco deste projeto polivalente "Até que o Mar Acalme". O que é portanto um romance musical?
Um romance musical é uma obra que junta duas artes em simultâneo: a escrita e a música. Faz todo o sentido, se nos lembrarmos da importância da música num filme, por exemplo. Há emoções que a imagem não transmite na plenitude, daí os cineastas recorrerem à música para potenciar as emoções. Se precisamos da música para potenciar a emoção das imagens, imaginemos o que pode a música fazer pelas palavras. Esta obra, que é um romance escrito, de 20 capítulos, tem em cada um uma música. Isto permite um potenciar de emoções que até agora não havia sido testado. Todos nós já nos emocionámos com a letra de uma música, que dizemos: "esta música sou eu". Porque reconhecemos na letra algo por que já passámos. Neste livro, reconhecemos em todas as músicas algo que já lemos e sentimos, o que aumenta decisivamente a emoção da leitura.
Sendo esta uma ideia inédita em todo o mundo, porque considera que outros ainda não a tivessem tentado nestes moldes?
Talvez porque a plataforma que o permite seja recente. Para gerar esta obra, precisei recorrer a tecnologia que só há poucos anos está disponível. Esta tecnologia facilitou determinantemente esta ideia, porque é ela que nos permite usufruir desta nova forma de combinar duas artes em qualquer lado. E nós lemos, tendencialmente, em qualquer lado, muitas vezes fora de casa. Depois, há o duro trabalho de fazer algo que, por nunca ter sido feito antes, não permitia ter referências. Tive que desbravar caminho virgem, o que me deu muito trabalho, dúvidas e medos. Mas chegar ao fim foi verdadeiramente recompensador.
A forma como compôs a obra literária e a música que a acompanha impede que ambas sejam apreciadas em separado?
Não, de todo. O livro está escrito para que se possa ler sem aceder à música. É uma história de um romance. Como outro qualquer. Apenas tem a possibilidade de ser vivido de forma completamente diferente. A música, essa, viveu sempre na sua individualidade, e aqui não foge à regra.
Como é que o leitor pode ter acesso às músicas?
Acedemos a ela de forma completamente autónoma, através de um QR code colocado no capítulo numa altura em que o leitor já leu o que a música vai relatar. Para quem tenha outro método de leitura, as músicas estão disponíveis no CD que foi lançado em simultâneo com o livro, ou em qualquer plataforma digital de música. Só agora nos estamos a acostumar ao uso de QR codes. O uso de CDs fora de casa não é prático, o uso de QR codes é.
Tem já outros projetos em mente? Esta ideia é para ser continuada noutras obras similares?
O próximo projeto é a internacionalização. Para já, apenas quem fala português pode aceder a esta arte. Não faz sentido não a disseminar. O novo grande desafio é a tradução das músicas para outras línguas. Não faz sentido traduzir uma obra, por exemplo, para inglês, para depois as músicas estarem em português. Não é uma tradução fácil, porque temos que traduzir sentidos em vez de palavras, mas também porque temos que respeitar métricas e a acentuação tónica, dado que o poema vai ser colocado dentro de uma estrutura já existente.
Como transportará o livro para o espetáculo ao vivo? Existe essa possibilidade?
Ainda não pensei muito nisso. Estou nesta fase de lançamento e promoção. A seguir virão os espetáculos ao vivo, e só quando começar a passar por eles vou perceber de que forma posso ligar de novo estas duas artes.
Mais uma vez muito obrigado por nos ter concedido este espaço de partilha. Para terminarmos a entrevista, gostaríamos que nos dissesse onde poderemos encontrar à venda este seu último trabalho.
Felizmente, em quase qualquer lado. Livrarias e lojas de tecnologia, supermercados e hipermercados. E, obviamente, através do meu site, www.miguelgizzas.pt, que, juntamente com a página Miguel Gizzas Oficial no Facebook, convido todos a conhecerem. Passem por lá, comentem, perguntem. A arte torna-se mais bonita quando é partilhada entre quem a faz e quem a sente.
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