Pedro Jóia. A vida, a carreira e a indivorciável guitarra...

Pedro Jóia aceitou o nosso desafio para uma entrevista que passasse em revista a sua carreira desde o início da aprendizagem do instrumento até aos dias de hoje. O som da sua guitarra remete-nos para variadíssimos cenários. A sua forma de estar na vida mostra um músico muito realista, humilde e com uma enorme vontade de se tornar melhor músico e melhor homem a cada dia que passa. É esta forma de ser e de viver que tem feito com que Pedro Jóia tenha corrido o mundo a dignificar a marca “Portugal” levando a outros continentes o seu som inconfundível. Esteve durante quatro anos no Brasil a convite de Ney Matogrosso, trabalhando ainda com nomes como Yamandú Costa e Gilberto Gil. Cá em Portugal toca com nomes como Ricardo Ribeiro e Mariza mas mostra-se triste com a evolução económica e cultural do país. Revelou-nos que em setembro estreará um novo projeto com dois grandes músicos, João Frade (acordeão) e Norto Daiello (baixo).
Pedro Jóia, muito obrigado por ter aceitado esta nossa proposta para esta entrevista. Podemos dizer que Paulo Valente Pereira foi um dos grandes responsáveis por ter abraçado a guitarra como forma de vida?
Paulo Valente Pereira foi quem me ensinou os fundamentos e a técnica da guitarra. Foi um mestre com uma paciência enorme. Comecei a estudar com ele quando tinha apenas sete anos e nessa fase da vida a disciplina e a persistência são valores muito importantes que um estudante de música deve assimilar. Ele era um entusiasta, foi muito importante para mim.
Quando aos 14 anos se transfere para o Conservatório Nacional, já tinha bem presente a ideia de que a sua vida profissional iria passar por uma carreira na área da música? O que absorveu de forma mais marcante do professor Manuel Morais?
A minha passagem para o Conservatório aos 14 anos, ocorreu numa fase da vida, a plena adolescência, de grande indefinição. Não tinha ainda a consciência que estava a trilhar um caminho no sentido da música. No entanto, ao longo dos anos seguintes, fui-me dando conta que já não havia regresso. O Manuel Morais mostrou-me outros lados do ofício da música, despertou-me o gosto pela música antiga, criticou-me, pôs à prova a minha convicção, as condições que teria, ou não, para me tornar um concertista. Tudo isso fortaleceu-me bastante. Admiro-o como investigador, como músico e somos bons amigos.
A paixão pela guitarra flamenca levou-o ao encontro de mestres como Paco Peña, Gerardo Nuñez e Manolo Sanlúcar. O que lhe transmitiram? Há características e influências que hoje se façam notar na música que produz?
A guitarra flamenca provocou uma revolução na minha vida. Aconteceu quando eu tinha 15 ou 16 anos. Ouvi um disco de Paco de Lucía e percebi que tinha encontrado aquilo que, sem saber, procurava há tanto. A partir daquele ponto passei a viver para a guitarra com a enorme vantagem de já vir com um background técnico muito considerável. Através da guitarra flamenca e do seu mundo evoluí muito durante aqueles anos seguintes. Cruzei-me com muitos guitarristas em Espanha que me transmitiram conhecimentos preciosos. Manolo Sanlúcar foi importante para mim pela sua experiência de solista e compositor, ele foi um dos pilares da universalização da guitarra flamenca nos anos 70 e 80.
Desde muito cedo começa a tocar em países da Europa, Ásia, América do Sul e África. Qual a reação do público à sua expressão, ao seu som e à sua técnica? Como começaram a aparecer estas oportunidades de mostrar o seu trabalho além-fronteiras aos 19 anos de idade?
Desde cedo que alimentava o sonho de ser concertista. Só faz sentido, para mim, ser músico se puder subir a um palco e viver naquela hora ou hora e meia as emoções intensas que só naquele lugar se vivem. Todo o esforço e estudo que um concertista desenvolve na sua absoluta intimidade só têm uma razão, o seu público. Comecei por volta dos 18, 19 anos a apresentar-me em concertos. Percorri todo o tipo de espaços, tertúlias, salas, salões, centros culturais, etc... Toquei com muitas formações diferentes, umas mais efémeras, outras mais duradouras. Os concertos no estrangeiro foram surgindo de forma natural, cada vez mais e de forma mais consistente. Hoje, uma boa parte dos concertos que faço são fora de Portugal.
Fale-nos um pouco dos seus discos a solo. O que nos tentou trazer com cada um deles?
Os discos são uma espécie de mal necessário... São absolutamente importantes para se construir um caminho, um percurso na música mas o processo de gravação de um disco é muito cansativo e não reflete a verdade da música na sua essência. É sempre uma solução de compromisso que prevalece... Cada disco testemunha uma etapa da evolução de um músico. Não só a forma como executa a música mas também a forma como a entende. São documentos datados e irrepetíveis.
Compor para teatro e para curtas-metragens cinematográficas dá-lhe a oportunidade de trabalhar a música numa perspetiva integrada. Pensa que a arte deveria ter mais vezes este tipo de abordagem integrada e global numa mescla das diferentes disciplinas artísticas?
A pluridisciplinaridade é um conceito muito bonito e interessante mas... nos tempos que correm, os artistas tentam antes de mais sobreviver com a dignidade possível no âmbito do seu precário ofício. Não vivemos tempos de partilha artística altruísta e desinteressada. Isso é um luxo. A prioridade, hoje, é pagar as contas.
Lecionou na licenciatura em música da Universidade de Évora entre 1997 e 2003. Considera importante a partilha das suas vivências com os seus alunos? Sente que, no ato pedagógico, a partilha é mútua enriquecendo todas as partes envolvidas no processo?
Sim, sinto que a partilha sempre existe numa relação mestre/aluno. Considero a docência, seja ela qual for, uma atividade absolutamente nobre. Eu considero que nunca fui um grande professor. Para se ser um bom mestre há que ter naturalmente esse impulso generoso e deixá-lo desenvolver-se, aluno após aluno.
Como surgiu a oportunidade de ir trabalhar para o Brasil? Foi importante para o Pedro Jóia, músico e homem, trabalhar com nomes como Ney Matogrosso, Yamandú Costa e Gilberto Gil?
A experiência brasileira foi muito marcante para mim. Foi um período de quatro anos em que tanta coisa aconteceu, a todos os níveis... Sinto que vivi dez anos concentrados em quatro e no entanto, passou num ápice. Fui viver para o Rio de Janeiro a convite de Ney Matogrosso, com quem acabei por fazer duas grandes tournées. Durante esse tempo conheci fantásticos músicos, de diferentes linguagens musicais. No Brasil existe uma verdadeira cultura de mistura e camaradagem artística. Ali, as coisas acontecem primeiro, depois fala-se de grana.
Em 2008, com o disco “À espera de Armandinho” vence o Prémio Carlos Paredes. Ao gravar este disco teve sempre a noção que estava a fazer algo grande? Como sentiu este prémio? Foi um incentivo? A confirmação de que estava a trilhar o caminho certo?
O disco “À espera de Armandinho” é o resultado de uma busca que comecei a empreender muito antes de 2008. Desde há muito que tinha essa ideia de condensar no meu instrumento a guitarra portuguesa e a chamada viola de fado. Ao longo dos anos de 2006 e 2007 comecei a colocar essas ideias em prática (no Rio de Janeiro) indo à sua fonte maior, a música de Armandinho. Foi um trabalho árduo, de avanços e recuos, mas muito compensador quando finalmente encontrei uma fórmula eficaz e funcional.
O Pedro Jóia iniciou em 2011 com Raquel Tavares e Ricardo Ribeiro dois projetos distintos. Pode falar-nos um pouco destes?
Eu tiro grande prazer das colaborações com cantores, sejam fadistas ou de outra área qualquer. Desde que goste e reconheça verdade nas vozes, o caminho está aberto. Com o Ricardo Ribeiro sei que será uma parceria muito longa. A nossa relação humana e artística é muito forte.
Ultimamente temos visto o Pedro atuar com a fadista Mariza. Como tem sido esta experiência?
A Mariza é uma artista tremenda. É a cantora mais internacional que o nosso país tem e isso não aconteceu por acaso. Ela é movida por uma força extraordinária e supera sempre com grande sucesso os desafios e os palcos que enfrenta. Tem sido uma experiência muito interessante trabalhar com ela.
Quais os projetos musicais que abraça neste momento?
Neste momento estou muito focado na montagem de um trio com dois grandes instrumentistas. João Frade (acordeão) e Norto Daiello (baixo). Estrearemos já em setembro e antevejo uma história bonita.
Quando olha para tudo o que já fez, o que sente? Tudo o que produziu até ao momento motiva-o para a criação de novos projetos? O que sonha fazer que ainda não tenha tido oportunidade?
Quando olho para trás, e já lá vão quase 25 anos desde que comecei a apresentar-me em concertos, tenho uma inevitável sensação de vazio. Aconteceram milhares de coisas boas e más. No fundo, este caminho é difícil, tortuoso, ingrato muitas vezes, mas eu não escolheria outro se me fosse oferecida uma nova oportunidade. Sou muito feliz por ser músico e, cada dia que passa tento ser melhor, mais verdadeiro e menos ignorante do que no anterior. Tenho pena que o país em que vivo seja assim... Já não sei explicar o que se passa nesta terra. A mediocridade e a impunidade ganham terreno a olhos vistos. Caminhamos alegremente para a pobreza, económica e espiritual.
Mais uma vez, muito obrigado por esta partilha com os leitores do XpressingMusic – Portal do Conhecimento Musical.
Eu é que agradeço. Um abraço e sucesso para o XpressingMusic.
Fotos: António Alfarroba
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