Telmo Pires e o seu último trabalho “Fado Promessa”…
O XpressingMusic conversou durante alguns minutos com Telmo Pires. Nessa conversa ficou claro que o seu produto artístico resulta das várias vivências por ele passadas entre a Alemanha, Portugal e outros países. O nosso entrevistado deixou bem claro que não ficará agarrado a qualquer regra que lhe queiram impor pois para ele a música é uma só e será tão mais rica quando mais livre e inovadora for a sua abordagem. "Fado Promessa" é o seu último trabalho e foi produzido por Davide Zaccaria, contando com a participação dos músicos, Fernando Silva na guitarra portuguesa, Luís Pontes na guitarra acústica, José Canha no contrabaixo e o próprio Davide Zaccaria no violoncelo. Grande parte dos temas é da autoria de Telmo Pires.
XpressingMusic (XM) – Quando descobriu que tinha vocação para a música?
Telmo Pires (TP) – Foi muito cedo. Eu nasci em Portugal, embora tenha ido para Alemanha aos dois anos de idade, e com quatro anos comecei a ouvir música portuguesa num gravador do meu pai. Comecei a ouvir música portuguesa muito cedo portanto. Não ouvia só fado. Ouvia música portuguesa em geral. Ouvia também muita música na televisão... Aos nove anos comecei a ter aulas de viola e de piano...
XM – O Fado foi sempre uma paixão?
TP – Sim. Podemos dizer que sim. Eu comecei a ouvir fado muito cedo com a minha mãe que era uma grande fã da Amália e do Carlos do Carmo... Durante a adolescência fui perdendo essa admiração porque nesta fase há sempre uma revolta contra os pais. Nesse período comecei por tocar guitarra elétrica em bandas de rock. Também cantava e escrevia letras em inglês e foi para aí aos dezanove, vinte anos, quando saí de casa, que passei a redescobrir novamente a música portuguesa, o fado e os seus poetas. Saí então do rock e comecei a dedicar-me a esta vertente da música.
XM – Que projetos musicais teve antes de abraçar uma carreira a solo?
TP – Bem, eu dei o meu primeiro concerto aos dezasseis anos numa banda pop. Tocávamos covers e músicas nossas. Depois tive uma outra banda até aos vinte, vinte e um anos de idade. Foi por volta dessa idade que fiz um corte pois percebi que não era aquele género de música que me alimentava a mente e a alma. Comecei então um projeto com um pianista que consistia somente em voz e piano. Tivemos este projeto durante muitos anos. Neste projeto já entrava música portuguesa. Não só as músicas que eu fazia mas também alguns fados com outros arranjos. Também cantávamos músicas com letras em alemão, francês e inglês...
XM – O que nos quer dizer com o trabalho "Fado Promessa"? Fado Promessa é uma forma de nos mostrar que há outros caminhos e outras abordagens para este género musical?
TP – Não é o facto de querer mostrar... O "Fado Promessa" foi o primeiro trabalho que eu gravei cá com músicos portugueses e onde quis somente continuar o meu caminho. Eu já tinha gravado um CD em 2009 com uma pianista na Alemanha. Foi esse disco que me trouxe cá e depois foi normalíssimo para mim o aparecimento deste trabalho "Fado Promessa"...
XM – Quem foram os músicos que o acompanharam em estúdio? Ao vivo conta com a mesma equipa?
TP – O produtor foi o italiano Davide Zaccaria que foi durante muitos anos o diretor musical da Dulce Pontes e que tem trabalhado com muitos outros artistas. Conhecemo-nos e começámos a trabalhar as músicas, a fazer uma seleção das mesmas, a gravar maquetes e assim foram surgindo os músicos... Temos o José Canha no contrabaixo, o conhecidíssimo Fernando Silva na guitarra portuguesa e o Luís Pontes na guitarra acústica. Ao vivo não são os mesmos músicos pois nem sempre é fácil conciliar as disponibilidades daqueles que comigo gravaram. Assim, ao vivo, trabalho com o Sandro Costa na guitarra portuguesa, o Jorge Carreiro e o Cajé Garcia na viola.
XM – O Contrabaixo e o Violoncelo foram opções suas? Considera que as sonoridades destes dois instrumentos casam bem com os tradicionais instrumentos utilizados no fado?
TP – O contrabaixo e o violoncelo foram opções tanto minhas como do produtor pois fizemos tudo em conjunto. Eu considero que estes instrumentos de corda se conjugam perfeitamente, daí ter optado por utilizá-los. Nos espetáculos de estreia o violoncelo esteve sempre presente. A minha abordagem ao fado foi sempre um pouco diferente... Como não cresci neste meio, nunca tive medo de optar por outros instrumentos... Já atuei só com piano, com violoncelo, já tive bateria e percussão nos meus espetáculos... Há quem diga que é arriscado... Eu não acho. Música é música. Sendo fado, blues ou jazz, música é música. A música é uma questão de alma, de energia, de sentimento... Seja qual for o género, desde que toque uma pessoa no seu íntimo. Eu pergunto: porque não se podem utilizar outros instrumentos no fado desde que a letra, a emoção e o sentimento estejam lá? Não faz sentido não querermos ser maiores, tentarmos coisas novas... Há uma coisa em nós que quer evoluir, que nos empurra para a frente. Não faz sentido estarmos agarrados àquilo a que chamamos tradição e dizer que o fado só pode ser aquilo com aquelas regras das quais não podemos fugir. Se todos pensassem assim, já não existiria fado, teria morrido antes da Amália penso eu... Por vezes até temos que destruir de uma certa forma, para posteriormente construirmos uma coisa nova que seja adequada a nós próprios e ao nosso tempo. Nunca senti nenhuma barreira por pensar e agir desta forma. Por exemplo, o CD que fiz com piano na Alemanha onde cantava composições de fado e composições minhas trouxe-me a Portugal, deu-me a oportunidade de dar a primeira entrevista para a Agência Lusa na Alemanha e de a própria RTP ir à Alemanha gravar um concerto... Já depois disso fui convidado para participar num programa de televisão... Penso que tudo isto aconteceu por eu ter feito algo de diferente. Foi a partir daí que decidi ficar por cá na raiz e mais perto da fonte...
Há certamente os tradicionalistas que acham que o que foi feito até agora é que está certo. É assim na música como também nas outras artes mas chegam sempre outras pessoas que fazem de forma diferente.
O fado tem evoluído tanto na sua forma, que terá sempre as portas abertas para o mundo.
XM – Onde poderemos ouvir brevemente o Telmo Pires?
TP – Estamos a tratar de muitas datas para breve. Acabo de chegar da Áustria onde estive a atuar mas ainda terei outros espetáculos la fora antes do final do ano.
XM – Há algum projeto musical com o qual tenha vindo a sonhar e que ainda não teve oportunidade de concretizar?
TP – Gostava de fazer uns duetos... Gostava de fazer um dueto com o David Bowie mas não deve dar para já (risos), talvez daqui a dois anos... (risos)
Eu estou sempre muito satisfeito com o que estou a fazer no momento... Nunca fui pessoa de andar à procura de coisas ou de forçar os acontecimentos... As coisas vão acontecendo. No entanto estou já a preparar mais um disco para lançar cá em Portugal.
XM – Ao apostar em sonoridades um pouco diversas das tradicionalmente utilizadas, quer-nos dizer que a alma do Fado não emana das suas texturas sonoras mas sim da mensagem que nos transmite e das melodias interpretadas pela voz?
TP – Sim. Claro que sim! Se formos ver a história do fado, pegando por exemplo no caso da Amália, houve tantas músicas que cantou que não foram escritas como fado. Eram cantigas... ou quase "chanson" mas, com aquela dedicação, com aquela letra e com a sua voz tornaram-se fados. Quando viajo pelo estrangeiro vejo que aquelas músicas que a Amália fez nos anos 60 que aqui em Portugal foram consideradas revolucionárias, são vendidas como tradicionais. "Gaivota", por exemplo, não é um tema tradicional, "Barco Negro" não é tradicional mas são vendidas lá fora como tradicionais... Daqui a uns anos vai ser normalíssimo ver um DJ no fado, uma guitarra com efeitos no fado, etc... A música e o mundo não param. Logo nós não devemos parar. Devemos sim é aceitar as coisas novas que vão surgindo.
XM – Muito obrigado por nos ter dedicado este bocadinho do seu tempo. Podemos perguntar-lhe, em tom de conclusão, se considera que a cultura musical portuguesa tem evoluído favoravelmente a uma melhor e mais fundamentada apreciação deste género musical que interpreta?
TP – Acho que sim. Há muitos bons artistas em Portugal, homens e mulheres, que não são conhecidos no estrangeiro. Aliás, no estrangeiro não são conhecidos os homens... Se compararmos o panorama atual com o de há dez ou vinte anos atrás, facilmente constatamos que há muito mais gente a escrever, a compor, a cantar... Quanto ao público... Todos sabemos que o público ouve o que lhe é colocado à frente embora considere que há uma certa camada do público que procura música boa e Portugal tem música boa. Acho que devia haver mais coragem por parte dos agentes culturais, principalmente dos programadores para que apostassem mais. Falo de todos os tipos de música e não só do fado. Pelo que vejo na televisão, na internet e, daquilo que me apercebo, acho que se devia arriscar mais na música nova, nos artistas novos e na língua portuguesa. Sou um apaixonado pela língua portuguesa. Comecei a cantar na Alemanha onde as pessoas nem sabiam o que era fado... Mas estive sempre cá embora tivesse os meus músicos na Alemanha. Até há muito pouco tempo via-me uma pessoa sem casa mas acabei por dar a volta e constatar que afinal até tenho duas. Não estou dividido. Acho que sou 100% das duas. Quando estou na Alemanha ou no estrangeiro não me canso de falar de Portugal e de dizer às pessoas para virem cá. Quando estou por cá, vejo o que temos de bom e que a Alemanha também tem de bom.
Agora estou a escrever, a pesquisar e a preparar o meu próximo álbum e espero ter mais novidades para breve.
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