Brendan Hemsworth… Uma conversa sobre a música, o ensino da música e a carreira…
Brendan Hemsworth é professor assistente convidado da Escola Superior de Educação do Porto. Leciona ainda no Colégio Luso-Francês e no Instituto Orff do Porto. É licenciado em Produção e Tecnologias da Música pela Escola Superior de Música e Artes do Espetáculo (ESMAE) e encontra-se a realizar o Mestrado em Ensino de Música, variante Bateria Jazz pela Universidade de Aveiro. O XpressingMusic foi ao seu encontro para saber um pouco mais sobre este músico que se divide entre as salas de aula, os palcos e o estúdio.
XpressingMusic (XM) – Brendan, muito obrigado por nos conceder um pouco do seu tempo para que possamos partilhar com os nossos leitores alguns aspetos da sua vida e da sua carreira. Podemos começar esta entrevista pedindo-lhe que nos diga quando se apercebeu de que queria ser músico...
Brendan Hemsworth (B.H.) – O prazer é meu também! Quanto à pergunta, é curioso mas não me lembro de alguma vez ter tomado uma opção consciente a esse respeito. Creio que fui muito influenciado por um amigo de infância, o Carlos Polónia, que tocava bateria, guitarra, cantava e compunha canções. Acho que foram as tardes que passámos a tocar na garagem dele, rodeado de instrumentos que eventualmente comecei a arranhar, mais a coleção de discos dos meus irmãos mais velhos que fez com que, pouco a pouco, o meu mundo acabasse por vir a ser, quase exclusivamente, preenchido por tudo que tinha a ver com música. Depois, acho que o que foi mesmo decisivo, foi um dia a minha mãe ter aberto as páginas amarelas à procura de uma escola de música que ensinasse bateria.
XM – Qual a primeira escola de música que frequentou? Quando decidiu ir para a Escola Profissional de Música de Espinho?
B.H. – Foi precisamente a escola que a minha mãe descobriu: a saudosa Caiús Music, na Rua de Santa Catarina. Uma escola inesquecível para quem por lá passou. Eram lá professores o Jacob Oliveira, o Paulino Garcia, o Vitor Gomes, o Mário Azevedo, mais tarde o Pedro Abrunhosa, o José Meneses, o Arnaldo "Nocas" Fonseca... Tinha uma sala cheia de instrumentos de percussão! Estávamos em inícios dos anos 80. Eu fui para lá por volta dos 11 anos e o meu interesse pela bateria cedo se transformou num interesse pela percussão em geral. Passados alguns anos lá, passei de aluno a professor. Paralelamente fui também parar à escola de Jazz do Porto onde tive aulas de bateria com o Mário Barreiros e na qual também vim a lecionar. Só fui estudar para a Escola Profissional de Música de Espinho alguns anos mais tarde, depois de ter abandonado o meu 11º ano. Tinha ido a Madrid fazer um workshop de uma semana da Berklee, com o vibrafonista Gary Burton, e voltei de lá com a cabeça virada ao contrário. Para sorte minha, passados uns meses, surgia a Escola Profissional de Música de Espinho onde pude terminar a escolaridade básica enquanto estudava percussão.
XM – Foi desta escola que surgiram os primeiros incentivos para que ingressasse posteriormente na ESMAE?
B.H. – Não. Depois de ter acabado o curso técnico-profissional de percussão, e ao contrário da maior parte dos meus colegas, não segui para a ESMAE (que nessa altura abria o curso superior de percussão). Estava demasiado envolvido no rebuliço dos projetos musicais que fervilhavam a partir da Escola de Jazz do Porto para pensar em continuar os estudos. Só depois dessa vaga de projetos é que comecei a achar que precisava de reciclar as minhas experiências. A ESMAE entrou aí. Como sempre tinha tido um grande interesse pelo áudio, decidi fazer o curso de produção e tecnologias da música e passei a pensar que talvez o estúdio pudesse ser mais um instrumento de criação musical.
XM – O Brendan é Percussionista, Educador, Produtor... Como concilia tantas e tão distintas atividades? Ancora-se num fio condutor comum, ou seja, na música?
B.H. – A minha âncora continua a ser o ensino. Acho que tenho alguma predisposição para ensinar. Concilio porque acho que esta é a minha maneira de estar na música, encarando o ensino e a criação musical como dois lados da mesma moeda. Mas admito que gostaria de ter mais tempo para a composição, para a performance e para a experimentação em geral. Mas estando no ensino como estou, creio que faz sentido pensar que melhor professor serei quanto mais ativo for enquanto músico.
Quanto à questão de produzir, penso que a produção musical pode ser uma atividade tão diversificada quanto a atividade de músico em si. Quando tirei o curso de produção e tecnologias da música, a minha motivação era, além da mera curiosidade, a de vir a produzir a minha própria música. Como essa música acabava sempre por surgir num contexto ligado ao ensino, foi em função desse contexto que eu comecei por aplicar as mais-valias que o curso me trazia. Enquanto professor de música no 3º ciclo, nas aulas de Área de Projeto e de Educação Musical desenvolvi, em colaboração com os professores da disciplina de educação visual, bandas sonoras para curtas-metragens de animação, o que se tornou numa forma específica de produção musical. Só recentemente tenho começado a encarar a produção de álbuns de música como algo a perseguir.
XM – Enquanto educador musical, como assiste à evolução da Educação Musical? Temos hoje um país mais educado do que há 20 anos?
B.H. – Penso que sim. A quantidade de informação (e o acesso que temos hoje a ela) não é comparável com o que tínhamos há 20 anos atrás. Não que a gestão dessa informação seja tarefa fácil, mas para quem sabe o que procura tem hoje, sem dúvida, mais condições para o encontrar do que tinha no passado. Isto do ponto de vista do autodidata. No que se refere à educação musical no ensino básico, acho positivo que se esteja a gravitar em torno de um modelo mais informal, onde o ouvido prevaleça sobre a leitura. Mas temos ainda muito caminho para percorrer até chegarmos a uma realidade mais holística da educação na qual a música assuma o lugar que lhe cabe. A música é um universo multidisciplinar que a educação básica tem que saber aproveitar. Penso que faz falta ir além daquela fórmula dos concertos de Natal e das festas de fim de ano e procurar ao longo de todo o ano letivo um constante diálogo interdisciplinar com o Português, com a Matemática, com a História com a Física, etc. Dá trabalho mas penso que os resultados podem fazer toda a diferença. Numa era em que nas escolas superiores de educação se exortam os futuros professores de música a advogar a pertinência da disciplina nos currículos, parece-me bem mais pragmático faze-lo dando-lhes ferramentas criativas que justifiquem a sua utilidade no dia-a-dia da escola, trazendo a música para os corredores, sob a forma de recitais, instalações sonoras, noise art, construção de instrumentos, programas de rádio, música para poesia, música para animação...as possibilidades são imensas. Poucas áreas são mais aptas as estes exercício de multidisciplinaridade do que a música.
Quanto ao ensino vocacional da música, também penso que é importante um modelo mais centrado no ouvido e na improvisação, assim como é importante os mestrados poderem orientar os alunos no sentido de eles se saberem integrar em diferentes redes profissionais, que não estritamente as orquestras ou os combos de jazz. A segmentação do conhecimento é um fenómeno relativamente recente e nas artes não faz nem nunca fez sentido concebermos a música desligada do resto do mundo.
XM – A sua experiência no Instituto Orff do Porto tem-se constituído como uma mais-valia no que concerne à interpretação e à implementação de novas práticas pedagógicas?
B.H. – Claro! A ideia fundamental por detrás da pedagogia Orff é não centrar a aprendizagem musical unicamente na leitura de partituras como forma de trabalhar um repertório, mas sim no recurso a narrativas, coreografias, imagens e tudo o resto que envolva as crianças num ambiente que não as retraia criativamente. E isso tem sido muito bem feito no Instituto Orff do Porto ao longo deste 25 anos, muito por mérito dos seus diretores e do restante corpo docente que está sempre pronto a embarcar em provocações musicais! De resto, no Instituto Orff do Porto faz-se de tudo, desde rock, passando por instalações sonoras até Jazz Orff.
XM – Ao longo da sua carreira académica, trabalhou com diferentes professores... Há algum nome, ou alguns nomes que o tenham marcado de forma mais intensa? Ainda hoje se sente influenciado por esses mestres?
B.H. – Naturalmente, marcaram-me os meus primeiros professores: o Jacob Oliveira, que foi o meu primeiro professor de percussão e o Paulino Garcia que foi o meu primeiro professor de teoria musical. Mais tarde, o Mário Azevedo na ESMAE abriu muito os meus horizontes estéticos. Mais recentemente, gostei muito de ter participado num curso de formadores da Casa da Música com o Tim Steiner, que eu considero um incrível agitador musical! Assim como tenho apreendido imenso com o meu orientador de mestrado, o Paulo Rodrigues. Mas sempre aprendi muito com os meus colegas, também, que em muitos casos admirei e admiro como se fossem meus mestres.
XM – Considera que há um desfasamento muito grande entre a música que se ensina nas escolas do ensino básico e a que se ensina e aprende nas escolas do ensino vocacional?
B.H. – Tem que haver uma diferença fundamental que é a mesma diferença que há entre o ensinar música, que é a missão do ensino vocacional, e o educar pela música, que é a missão da educação musical no ensino básico. Nesta segunda vertente a música serve como um veículo privilegiado para a formação geral dos indivíduos, ainda que possa contemplar aspectos específicos, como por exemplo o canto ou a prática informal da música. Já o ensino vocacional deve contemplar uma formação técnica de base que seja sólida ao ponto de poder libertar o músico para mais tarde perseguir a sua própria autonomia criativa. Mais recentemente, com esta nova geração de escolas de ensino de música integrado, penso que vai ser preciso pensar numa nova dimensão de ensino da música, em que haja provavelmente uma orientação pedagógica que resulte de um misto do que se faz no ensino básico e no ensino vocacional. Portanto, se há um desfasamento, penso que é mais numa incapacidade em se adequarem as orientações pedagógicas em função do perfil dos alunos que se quer formar.
XM – É licenciado em Produção e Tecnologias da Música pela Escola Superior de Música e Artes do Espetáculo... O que o levou a enveredar por este tipo de formação? Não seria expectável que optasse na altura por aprofundar os seus conhecimentos enquanto percussionista?
B.H. – Houve uma altura em que pensei nisso, especialmente depois de ter constatado que na ESMAE havia finalmente um curso de percussão que contemplava a percussão étnica, coisa que na formação escolar que eu trazia de trás estava completamente excluída. Foi, aliás, por isso, que eu decidi enveredar pelas minhas próprias descobertas musicais fora da academia. Acabei eventualmente por encontrar o que procurava ao ter entrado para um grupo de salsa que me abriu os horizontes, mais do que eu alguma vez pudesse imaginar. Quando decidi estudar áudio, fi-lo passado seis anos de ter deixado de estudar percussão, quando já estava pelos meus próprios pés a descobrir esse mundo. De resto, sempre tive tudo a ver com as músicas populares urbanas e com a forma como usam o estúdio de gravação como ferramenta criativa. Foi por isso uma transição muito natural para mim. Se pensarmos um pouco, há muito de comum entre um microfone, um altifalante e um tambor!
XM – Enquanto performer tem tido oportunidade de tocar com vários e prestigiados projetos musicais. Pode levar-nos por uma viagem por alguns desses projetos? Quais os que tiveram mais significado para o Brendan? Lembra-se da sua primeira atuação ao vivo?
B.H. – Da minha primeira atuação ao vivo não posso dizer que me lembre, mas eu diria que o meu primeiro palco a sério foram os bares da Ribeira dos anos oitenta, como o Duque da Ribeira, o Postigo de Carvão, o Meia-Cave e depois também no centro comercial Dallas, o Splash, o Strong e o Friends Club, onde tocava com grupos de folk-rock e música popular brasileira. Depois na escola Caiús, onde estudava, também tive as minhas primeiras audições. Lá conheci o Pedro Abrunhosa e, como o encontrava tanto lá como na Escola de Jazz do Porto, pouco depois comecei a tocar com ele em alguns combos de jazz. Mais tarde ele emancipou-se da Orquestra da Escola de Jazz do Porto que dirigia e acabei por ir tocar para a Cool Jazz Orchestra dele a substituir o meu velho e querido amigo Quiné na percussão. Quando este projeto passou a chamar-se Máquina do Some a fazer música original, fui substituir o Mário Barreiros na bateria. Pouco depois este projeto do Pedro metamorfoseava-se nos Bandemónio com os quais gravei e toquei ao vivo como percussionista. Paralelaente a estas movimentações todas, no seio da Escola de Jazz havia uma geração de músicos com quem eu tocava, como o Carlos Azevedo, o Pedro Guedes, o Raúl Marques. Curiosamente, todos os fins de semana o bar da escola enchia-se de público sem que houvesse qualquer divulgação prévia. Era um importante centro de música na cidade e havia muita despreocupação em relação à forma como a música se posicionava esteticamente. Foi nesse ambiente que nasceu o Sexteto de Jazz do Mário Barreiros do qual fiz parte como vibrafonista e que era formado por músicos com os quais já havia tocado em outros projetos, como o Helder Gonçalves, o Mário Santos, o Paulo Pinto e o Raúl Marques, para além do próprio Mário. Foi provavelmente o projeto mais difícil em que já toquei. Neste período também participei na criação do grupo Raúl Marques e os Amigos da Salsa, por onde passou muita gente de várias culturas e onde evolui muito como baterista/percussionista. Eu diria que depois de se tocar num grupo de música afro-cubana nunca mais se toca da mesma maneira. Mesmo quando migrava para o rock, sentia isso. Este foi obviamente um projeto marcante para mim, muito pela intensidade de trabalho que me trouxe. Entre 92 e 98 penso que andávamos à volta de uma média de 40 concertos por ano. Depois de estes projetos terem acabado decidi voltar a estudar. Foi nesta altura que entrei para o curso de produção e tecnologias da música e me afastei um pouco da chamada vida de músico. O primeiro convite que tive para voltar a tocar, que não hesitei em aceitar de imediato, veio da parte do Manel Cruz que andava a recolher participações de meia cidade do Porto para o seu projeto Foge Foge Bandido. Deu-me em CD-ROM uns 4 temas para eu fazer o que quisesse deles em casa. Colei-me intensamente a um desses temas que foi o "Fechado Para Obras" e que representa bem a minha participação no disco. Nesta altura, já não pensava exclusivamente como percussionista e usava todas as ferramentas de som que tinha ao meu dispor. Quando o Manel me convidou para fazer parte da banda para tocar o disco ao vivo fiquei fora de mim, pois desde os tempos dos Ornatos Violeta que sentia uma grande admiração por ele e pelo seu talento. O Foge Foge Bandido foi provavelmente o projeto que mais me desafiou criativamente. A bateria que utilizava era um instrumento concebido em função das músicas que executávamos e tocá-lo era, por vezes, como se tivesse de esquecer tudo que havia apreendido antes.
XM – Ao longo da sua carreira tem tido o privilégio de tocar com vários músicos. É adepto da linha que defende que as partilhas em palco são as mais intensas e as que mais nos influenciam enquanto performers?
B.H. – Faz sentido, afinal no palco temos que deixar de parte tudo o que nos separa e dar o melhor de nós. Eu diria que o palco, mais do que influenciar-nos enquanto performers, influencia-nos enquanto pessoas - é um espelho de nós próprios.
XM – Da enorme família de instrumentos de percussão, há algum pelo qual tenha clara preferência?
B.H. – A bateria é o meu instrumento predileto ao qual tenho uma maior ligação. Além de que concebo a bateria enquanto instrumento aberto sujeito a metamorfoses intermináveis e capaz de se adaptar aos mais diversos contextos musicais, o que é, aliás, a sua história ao longo do século XX.
XM – Em que projetos musicais se encontra envolvido atualmente?
B.H. – Continuo ligado ao projeto mais recente da minha querida amiga Helena Caspurro, o álbum Paluí, onde toquei bateria e que também representa a minha primeira incursão pela produção musical. Noutra estética completamente distinta estou ligado a um projeto do Jonathan Uliel Saldanha chamado HHY & the Macumbas, que pratica uma espécie de vodoo dub e que tem um concerto marcado no próximo Festival Primavera Sound no Porto. De resto, também me tenho ligado muito à música improvisada, nomeadamente a um projeto de dois amigos, o Gustavo Costa e o Henrique Fernandes, chamado Srosh.
XM – O Jazz é o género musical preferido do Brendan?
B.H. – O Jazz é um dos meus géneros musicais preferidos, lado a lado com o rock, o pop, o funk o folk, a música popular brasileira, a salsa. Enquanto músico, tenho certamente muitas influências na minha forma de tocar que vêm especificamente do Jazz, mas também sou capaz de virar completamente as costas a isso quando sinto que, em termos expressivos, me interessa ou que serve determinado fim musical.
XM – Muito haveria ainda para conversarmos mas sabemos o quão precioso é o seu tempo. Agradecendo mais uma vez a amabilidade deixamos aqui algumas questões para respostas curtas e diretas para os mais curiosos...
XM – Atividade preferida nos tempos livres... XM – Livro preferido... XM – Filme da sua vida... XM – Que música escolheria para o filme da sua vida? XM – O que o faz feliz? XM – Muito obrigado! |
Sistema de comentários desenvolvido por CComment