Tozé Brito falou-nos durante uma hora sobre o seu percurso no mundo da música.
António José Correia de Brito nasceu no Porto e tem uma carreira rica em experiências. Já viu a música de todos os seus prismas. Liderou projetos musicais, esteve ligado a editoras e, mais recentemente encontra-se na administração da Sociedade Portuguesa de Autores, SPA. Em 2010 viu editado o seu songbook "40 Canções - Partituras, letras, Cifras". Em Maio de 2011 recebeu da Câmara Municipal de Coimbra a medalha de mérito cultural, tendo também sido agraciado com medalha de mérito cultural a título individual pela Câmara Municipal de Cascais. Tozé Brito foi ainda posteriormente homenageado num espetáculo durante as Festas do Mar perante 40.000 pessoas, por muitos dos intérpretes que durante mais de 40 anos gravaram e cantaram canções de sua autoria.
XpressingMusic (XM) – Agradecemos desde já a amabilidade demonstrada para com o XpressingMusic. Para nós é um enorme prazer estar aqui na SPA e cremos que o seu testemunho se constitui como uma mais-valia para grande parte dos nossos leitores e seguidores. Como foi o seu percurso musical até aos 14 anos de idade, altura em que forma o seu primeiro grupo? Onde se aprendia música naquele tempo?
Tozé Brito (TZ.B.) – Em minha casa a música era uma tradição familiar e, por isso, eu tive a sorte de aprender piano durante 3 anos. Comecei aos 8 anos, no Porto, mas para uma criança o piano é um instrumento um pouco complicado, tem que haver mesmo vocação. Então aos 10 anos desisti do piano e passei para a viola, instrumento que o meu pai tocava bem. A música na minha vida foi um processo natural mas só por volta dos 13 anos é que tomei a decisão de ser músico.
XM – Quando, aos 18 anos vai para Lisboa para tocar com os 1111, estava já decidido na sua cabeça que a sua vida profissional iria passar única e exclusivamente pela música?
TZ.B. – Antes do 1111, ainda no Porto, fiz parte do Pop Five Music Incorporated que foi um grupo importante da música portuguesa. Tinha então 15 anos. Em 1967 gravámos um álbum e alguns ep's e singles, o que não era muito comum, na altura, para miúdos de 16 anos. O meu Liceu foi o Pop Five, a Universidade foi o Quarteto 1111...
Quando vim para Lisboa em 1969, a convite do José Cid, para tocar no Quarteto 1111 (tinha então acabado o antigo 7º ano do liceu), tinha já tomado a decisão de que queria e ia ser músico.
XM – Em 1972, quando participa no Festival RTP da Canção com o tema "Se Quiseres Ouvir Cantar", estava decidido a começar uma carreira a solo?
TZ.B. – Não, foi um acidente de percurso (risos)... eu estava no grupo e feliz por estar no grupo. Escrevi a canção sozinho (letra e música) e mandei para o festival da canção que, naquela altura, era um evento muito importante em Portugal. Eram milhões de pessoas a ver o festival e por isso era importante estarmos presentes. A canção foi apurada, mas não tinha características nenhumas de grupo, não tinha nada a ver com o Quarteto. Era uma balada, cantei-a e toquei-a na minha viola acústica e decidimos que eu iria sozinho. Mas eles apoiaram-me na orquestra (o José Cid nas teclas, o Michel na bateria e o António Moniz Pereira na guitarra, metidos no meio de uma orquestra de mais de 50 elementos). Não achei graça nenhuma, sinceramente. Cantar em grupo sim mas, fazer carreira a solo, nunca me passou pela cabeça...
XM – Houve alguma razão especial para ir para Londres? Olhando hoje para essa experiência, considera que a mesma foi importante para a carreira profissional que teve posteriormente em Portugal?
TZ.B. – Fui para Londres por causa do serviço militar. Na altura eu tinha expectativas como músico e tudo indicava que eu iria para um serviço que existia que se chamava Alerta Estar, onde estavam os músicos, os atores de teatro, os atores de circo e toda a gente do espetáculo. Organizavam-se espetáculos, tournées para os nossos soldados que estavam por África. Eu era completamente contra a guerra colonial, por uma questão ideológica e política, não era a favor da situação. Se a minha tropa tivesse sido fazer música e aliviar um bocadinho a vida daqueles soldados que estavam no meio do mato a fazer a guerra, não teria nada contra. Fiz a recruta à espera de ser aí colocado mas, como o 1111 tinha vários discos proibidos pela censura... Estávamos sempre a ser chamados. Foi uma época complicada e, quando estava a acabar a recruta, disseram-me que era elemento subversivo e não iria para o Alerta Estar. O regime tinha medo que fossemos tocar para as tropas e citássemos fosse lá o que fosse!...
Quando percebi que poderia ir para Moçambique ou Guiné, fui para Londres. Mas música, em Londres, fiz muito pouca. Criei um grupo com uma cantora portuguesa que ainda hoje lá vive, a Daphne. Ela tinha saído de um grupo português que era o Música Novarum. Tocávamos aos fins-de-semana nos pubs, nos clubes, fundamentalmente música brasileira pois chegámos à conclusão que a música portuguesa não tinha interesse lá. Estamos a falar de 1972 a 1975, altura em que a música inglesa era fortíssima, com a qual nós não podíamos competir. A música portuguesa, o fado, não lhes dizia nada e os brasileiros como Tom Jobim, Chico Buarque, Caetano Veloso, João Gilberto, estavam na moda na altura. Dentro da música brasileira o que se ouvia era fundamentalmente a bossa-nova. Foram 3 anos muito bons, de aprendizagem para mim, porque ouvi músicos 10 vezes melhores do que eu (cheguei a Londres e tive a vontade de pôr a viola de lado e não tocar mais). Em Portugal eu era considerado um bom músico, de primeira linha, mas lá era de terceira ou quarta divisão. Eles eram muito bons e estavam muito à frente. A única maneira de nós nos defendermos era tocar música brasileira. Enquanto fiz isso tive a oportunidade de trocar experiências, conhecimentos, com músicos muito bons, que depois me ajudaram quando voltei para Portugal em 1975.
XM – Que Portugal encontrou quando regressa após o 25 de Abril de 1974?
TZ.B. – Uma diferença fundamental: liberdade, liberdade de expressão. As pessoas podiam dizer o que queriam e pensavam, manifestarem-se nas ruas, o que em 1975 era muito comum. Essa foi a grande diferença porque, de resto, o país estava ainda em construção, tinha acabado de sair de uma ditadura, de uma situação muito anacrónica.
XM – Em 1976 foi considerado o compositor português do ano para a revista Billboard. O que sentiu nesta altura? Reforçou a sensação de que estava no caminho certo?
TZ.B. – A Billboard ainda hoje existe, é um bocado a Bíblia da indústria musical. Toda a gente que trabalha na música lê a Billboard. Eles baseiam-se nos Tops dos países. Em 1976 o Gemini nasceu e começou logo a vender uma enormidade de discos. O primeiro Disco de Ouro entregue em Portugal foi aos Gemini. Os Discos de Ouro até 1976 não eram oficiais, eram as editoras que entregavam aos artistas mas não havia certificado oficial de vendas, etc. Em 1976, com a Associação Fonográfica Portuguesa isso nasceu. E o primeiro disco, o Disco de Ouro número um, eu tenho-o lá em casa, eu e os meus colegas do Gemini, como é óbvio, cada um de nós recebeu um. Nós gravámos um álbum que vendeu mais de 50 000 cópias e a Billboard elegeu-me o compositor do ano fundamentalmente pelas vendas. Mas obviamente que, na altura, foi muito agradável receber esse reconhecimento.
XM – Em 1977 lança a solo, pela Phonogram, os singles "2010 DC" e "Eu, Tu e o Tempo". Fazia aqui uma projeção de como seria a primeira década de 2000?
TZ.B. – É... É um disco curioso e se o formos ouvir verificamos que não acertei uma (risos). Estava a gravar um disco nos anos 70 e pus 2010 como poderia ter posto 2020 ou 2030. Na altura eu tinha 20 e tal anos e 2000 já era uma loucura, 2010 então já era futurologia... e estamos aqui em 2014 a falar disso (risos). O disco abre com um noticiário lido pelo Cândido Mota e é curioso porque muitas coisas que lá estão não aconteceram ainda, o que não quer dizer que não venham a acontecer porque é muito fácil chegar-se lá, mas a ciência evoluiu por outros caminhos, a física quântica basicamente transformou tudo. Foram experiências, esses discos não foram importantes na minha vida, embora sejam documentos, ficaram aí. Mas os Gemini faziam um tipo de música muito comercial, o objetivo era vender muito, fazer muitos espetáculos, fazer dinheiro e resolver os nossos problemas económicos pois já estávamos casados e com filhos e já não era bem como no 1111 que, se ganhássemos ganhávamos e se não ganhássemos também não era grave porque nos aguentávamos com pouco dinheiro. Quando se tem família começa-se a ter outras preocupações pois temos que ganhar dinheiro e os Gemini foi uma maneira de ganhar dinheiro. No entanto, eu sentia que musicalmente aquilo que estava a fazer, embora não desgostasse, não era aquilo que eu mais gostava de fazer... Então fiz esses discos um bocado para fazer aquilo que eu realmente gostava.
XM – Com o projeto Gemini é vencedor do Festival RTP da canção, em 1978. Recorda-se de como foi esta experiência? O que significava na altura ser-se vencedor do Festival RTP da Canção?
TZ.B. – Era fundamental, tinha um peso enorme, mudava a vida de qualquer um. Durante anos não faltava trabalho nem espetáculos. Só que realmente aí fiz uma opção de vida. Em Paris, quando fomos representar Portugal, que correu muito bem, senti que já tinha feito tudo o que queria com os Gemini e informei os meus colegas no início do verão de 79 que no fim deste sairia do grupo. Eu estava um pouco cansado da estrada, de estar às vezes um mês fora de casa no verão sem ter tempo para vir a casa ver a família...
XM – Foi por esta altura que foi convidado para trabalhar na PolyGram?
TZ.B. – Foi. Tinha que tomar uma decisão na minha vida: ou continuar a ser músico e andar na estrada, ou passava ao papel de executivo discográfico e ao mesmo tempo não deixava de ser produtor e fundamentalmente autor, que é aquilo que eu sou, é aquilo que mais gosto de fazer. O que mais prazer me dá é escrever canções. Foi aí que eu entrei para a PolyGram como A&R. Foi uma opção de vida.
XM – Em 1982, "Bem Bom" das Doce vence o Festival RTP da Canção. Sente-se responsável pelo sucesso deste projeto? Foi um fenómeno inédito e proclamador da explosão que se deu anos mais tarde com o aparecimento de outras "GirlsBand"?
TZ.B. – Sem dúvida, na altura não havia girls band, havia nos Estados Unidos as The Supremes que era uma banda de R&B negra e havia mais alguns grupos.... Mas não havia nenhum grupo a que se pudesse chamar girls band como as Spice Girls, por exemplo, que depois apareceram. Na altura, quando o Gemini acabou, eu fiquei com um problema grave para resolver. Grave não para mim, mas para elas. As minhas duas companheiras do Gemini, a Teresa e a Fá ficaram desempregadas. Eu tinha o que fazer e rapidamente estava a trabalhar, o Mike ainda hoje continua a ser um grande músico e um grande orquestrador, é um bom compositor portanto também não lhe faltou trabalho, elas só cantavam... Aí veio-me à cabeça a ideia de criar um grupo de 4 mulheres. Fui buscar mais duas, a Lena Coelho e a Laura Diogo e juntámos 4 mulheres que cantavam bem e que tinham visuais muito distintos: duas morenas, uma loira e uma ruiva. O Zé Carlos era o costureiro que as vestia e ajudou imenso sendo o responsável por toda a parte visual. Eu e o Mike essencialmente escrevíamos a maior parte do reportório delas, produzíamos os discos e portanto sim, sinto-me responsável por isso e sinto-me responsável também pela canção, pois fui um dos autores, e lá fomos nós para Inglaterra. Foi muito divertido.
XM – Sabemos que, enquanto autor, participou em vários programas de Herman José. Como foi esta experiência de trabalhar com um dos maiores humoristas de sempre da cena artística portuguesa?
TZ.B. – Foi uma experiência única e ainda hoje somos grandes amigos. Ficámos amigos para sempre. Eu já o conhecia, aliás ele convidou-me porque já nos conhecíamos. Conheci o Herman no Teatro-Revista, precisamente em 1976 quando regressei de Londres uma das coisas que me convidaram para fazer foi escrever música para o Maria Vitória, no Parque Mayer, para Revistas. O Herman estava a começar a carreira dele como ator, tinha feito o Feliz e o Contente com o Nicolau Breyner e estava a pensar em começar a fazer programas sozinho e, como não percebia nada de futebol, não gosta e não acompanha, e queria criar uma personagem à volta do futebol, o Esteves, precisava de alguém que lhe escrevesse os textos, que lhe desse noções básicas de futebol e lhe falasse dos jogadores, das equipas e das táticas, com o que ele depois brincava genialmente. Nós escrevíamos uma coisa e depois o que ia para o ar não era nada do que tínhamos escrito. Era baseado no que estava escrito porque faltavam-lhe essas bases, mas ele depois improvisava e nós morríamos a rir nas gravações daquele programa porque ninguém aguentava, era hilariante. O Herman nessa altura era genial, aliás, ele é genial. Como humorista, para mim, o melhor de sempre. Na altura ele estava imparável. Foi um prazer enorme escrever textos, não só para O Tal Canal mas, também, para o Hermanias, etc. Acompanhámos sempre essa figura, o Esteves, até recentemente os textos foram sempre escritos por mim e pelo António Tavares Teles.
XM – "Penso em ti, eu sei" de Adelaide Ferreira vence o Festival em 1985. Já se tornava uma rotina para o Tozé vencer festivais... Concorda?
TZ.B. – Às vezes perdia pelo meio (risos). Eu estive em 12 festivais e ao todo ganhei 3, portanto, é uma boa média! Voltou a acontecer com a Adelaide, em 1985, lá fomos à Suécia. Mas o importante com a Adelaide não foi o Festival da Eurovisão, que foi interessante, foi mais uma viagem, mais uma oportunidade da Adelaide crescer, porque é uma experiência única, cantar no Festival da Eurovisão. Assusta qualquer um. A pessoa chega lá e sente os joelhos a tremer... estamos a cantar e não somos nós, nem a RTP, mas sim Portugal. A altura em que eu mais senti o peso da responsabilidade de estar em palco, foi quando representei Portugal (quando cantei com o Gemini). As Doce também sentiram isso e a Adelaide também. Foi muito bom porque começou aí uma parceria com a Adelaide que depois deu no Papel Principal e noutras coisas que eu escrevi, canções que ainda hoje se ouvem por aí.
XM – Quando, em 1990, sai da PolyGram para dirigir a filial portuguesa da editora BMG, quais eram as suas expectativas? "Diz-se" que a BMG colocara a fasquia muito alta, sendo essa uma das causas da sua saída em 1998. O que nos pode dizer sobre isto?
TZ.B. – Eu estive lá 8 anos e durante esse tempo criei um catálogo de música portuguesa que a BMG não tinha e quando de lá saí era o segundo maior catálogo sendo somente superado pelo da EMI Valentim de Carvalho. Ultrapassámos a PolyGram que já era Universal, a Sony, a Warner. Todas as outras que tinham catálogo português ficaram para trás. Durante esses 8 anos, eu e a minha equipa fizemos um excelente trabalho a criar um catálogo nacional. Crescemos de tal forma que já não me pediam o cimo das árvores, pediam-me o céu... e eu aí comecei a achar que aquilo era um disparate completo. A pressão era diabólica (as multinacionais têm um pouco essa filosofia). A BMG tinha uma quota de mercado de 3%, depois passou para 5%, 10% até que chegámos a 17%. Só que depois eles já queriam 20%, mas tinham que entender que os outros também estavam cá... 17% era uma excelente quota de mercado... Falei com o meu presidente e saí para fundar o meu próprio projeto, a MAR. A minha própria empresa, a MAR tinha uma estrutura de A&R e produção. Fiz uma aliança com a EMI, com o meu amigo David Ferreira. Portanto a EMI editava e vendia os meus discos enquanto eu produzia e gravava.
XM – Quando nasce a sua empresa MAR, esta surge para romper com os padrões definidos pelo status quo de então? Lúcia Moniz, Ayamonte, Francisco Mendes e Darrasar são fruto desta nova "aventura" empresarial?
TZ.B. – A ideia era romper um bocadinho com o que se fazia e criar um catálogo alternativo pois a EMI já tinha nomes muito fortes como Rui Veloso, Trovante, etc. Pediram-me precisamente que descobrisse gente nova pois não estavam muito vocacionados para isso. Lúcia Moniz correu muito bem, os Darrasar também pois estávamos numa altura em que proliferavam as Boys Band e atingiram vários discos de ouro. Foram anos muito bons, aqueles que passei na MAR. Mas depois surgiu novamente um convite para regressar à Universal...
XM – Como e quando surgiu o convite para ser Presidente do Conselho de Administração da Universal Portuguesa (ex-PolyGram)?
TZ.B. – Foi em 1990. Foi um convite quase irrecusável, para já porque em termos económicos era compensador, e depois em termos de desafio também, porque a Universal era a maior companhia, na altura, e era manter a companhia em número um, lutando sempre com a EMI Valentim de Carvalho que, tradicionalmente, era a guerra que tínhamos. Ao mesmo tempo, refazer o catálogo nacional da Universal que era forte, mas com gente já muito estabelecida. Estavam a precisar de sangue novo e lá fui eu, de novo, meter-me nestas confusões das multinacionais, nas guerras que são simpáticas mas pesadas.
XM – Referências como Lúcia Moniz, Marta Plantier, Adelaide Ferreira, Paulo de Carvalho, José Cid, Quarteto 1111, Carlos do Carmo, Simone de Oliveira, Victor Espadinha, Doce, Gemini e Green Windows são nomes eleitos para comemorar 35 anos de carreira. Houve alguma razão para esta escolha?
TZ.B. – Faltam aqui alguns nomes, aliás quando festejei depois disso os 40 anos de carreira nas Festas do Mar em Cascais, convidei todos os que estavam disponíveis e muitos outros que não referiram nesta questão. É sempre uma escolha difícil pois eu escrevi para dezenas de pessoas neste país e não as podia convidar todas. Uma das coisas que mais gozo me deu foi ter escrito para quase toda a gente deste país, desde o rock até ao fado para o qual cada vez escrevo mais, pois o fado está hoje com uma força enorme e é a área de maior desenvolvimento em Portugal.
XM – Porque deixa, em 2007, a Universal Music Portugal?
TZ.B. – Cansaço e o facto de estarmos a entrar numa época completamente diferente. A internet apareceu e começou a constituir-se como um problema gravíssimo porque qualquer pessoa podia fazer uploads, downloads, troca de ficheiros, etc. Entrámos num paradigma completamente diferente, a música começou-se a difundir por outros canais, a gratuitidade instalou-se e isto veio desgastar toda a indústria musical e, em particular, a indústria discográfica e as multinacionais, vindo mesmo a obrigar as companhias a redimensionarem-se. Assim, em 2007 a Universal passa a ser Universal Ibérica ficando a sede em Madrid e eu comecei a achar que já não fazia qualquer sentido eu continuar o meu trabalho pois estava habituado a ter liberdade de decisão. Decidi que me queria dedicar cada vez mais à minha atividade de autor e surgiu também por essa altura o convite para vir aqui para a SPA, logo acabou por se algo de muito natural esta minha saída da Universal. Em 2008 fui para a administração da SPA mas ainda não a tempo inteiro pois na altura ainda me encontrava como consultor da RTP, lugar que ocupei durante 3 anos.
XM – Ao assumir em 2008 a administração da SPA (Sociedade Portuguesa de Autores), apercebeu-se de angústias por parte dos artistas das quais não tinha consciência enquanto representante das editoras?
TZ.B. – Este é um "outro lado"... mas eu já tinha perfeita consciência, até porque, como administrador de multinacionais, tinha contactos permanentes com a SPA à qual tínhamos que pagar todos os direitos de autor. Simplesmente o que acontece deste lado é que as coisas têm muito menos a ver com a indústria e mais a ver com os autores. O trabalho aqui prende-se muito mais com a defesa do direito de autor que é uma causa que me toca muito fundo pois acima de tudo também eu sou um autor. Portanto, defender os direitos dos autores portugueses é para nós um ponto de honra e é o que estamos aqui a fazer contra ventos e marés e contra todas as expectativas, porque o panorama não está nada favorável aos autores em lado nenhum do mundo... e a internet tem muito a ver com isso porque tudo o que são conteúdos digitais não estão protegidos, pois não há regulamentação. Vai ter que se regulamentar, vai ter que se regular, vão ter que se criar leis porque, se não, a médio prazo vai-se "matar" tudo... Ao contrário do que se pensa - não posso deixar de exprimir esta minha opinião – há hoje muito mais gente a fazer música do que há 20 ou 30 anos atrás, o problema é que não sabemos o que está a ser feito. É uma loucura, entrarmos no YouTube e termos milhões de pessoas a despejar para lá conteúdos... Sabemos lá o que é que é bom, o que é que é mau? Ninguém percebe o que se está a passar ali... Há muita gente que anda ali perdida. As pessoas andam ali perdidas e enganadas porque pensam que, por terem muitas visualizações já têm uma carreira. Isto já aconteceu também com portuguesas... lembro-me por exemplo da Mia Rose, da Ana Free, embora esta última ainda vá tocando, mas são da geração da internet. O curioso é que conseguem ter visibilidade na internet mas depois têm que se encostar a uma editora. Podemos ter um milhão de visualizações na internet,... torna-se um fenómeno viral e isso é fantástico porque é sinal de que as pessoas gostam do que fazemos, mas depois como é que saímos dali? Como se vai para a estrada? Como se organizam espetáculos? Quem é que faz o agenciamento? Quem é que faz o management? Quem é que edita os discos? Tudo bem que hoje em dia não é necessariamente obrigatório editar o disco fisicamente... ele pode ficar pela internet, mas mesmo assim quem é que trata do iTunes, do Spotify, do MusicBox...? Cantar, é uma coisa, escrever canções é outra... Qualquer um em casa pode pegar numa guitarra e escrever canções mas depois... como se transporta isto para o palco? Quem é que faz o marketing? É por isso, volto a dizer, que toda a gente que faz sucesso na internet tem como adquirido que o passo seguinte é encostar-se a uma editora para que lhe possam tratar de uma série de coisas, nomeadamente para que recebam os direitos conexos. Temos aqui falado dos direitos de autor mas quem é artista e autor recebe dos dois lados. Enquanto artista, recebe direitos conexos e, enquanto autor, recebe direitos de autor. Logo, se estivermos na internet mas sem uma editora por trás, não estando inscritos na SPA, bem podemos fazer espetáculos, mas só recebemos os cachets, porque direitos não recebemos nenhuns... Não recebemos pelas vezes que a nossa música passa na televisão, não recebemos por a nossa música passar na rádio, etc. Foram estas regras que a internet veio alterar... Acho que sendo a internet um meio fantástico enquanto meio de informação e divulgação, (eu próprio já não passo um dia sem que vá à internet ver o que se está a passar), não é certo pensarmos que esta veio substituir tudo o que existia, pois se não andamos por lá perdidos... Eu posso ter um projeto a fazer sucesso na internet mas se quero ir para a estrada tocar, quem é que mete os camiões a rodar, os roadies a trabalhar e os técnicos de som? E onde é que está o PA para tocar? Quem é que me faz os songbooks? São tantas as questões... No entanto não sou daqueles que dizem que a internet veio matar aquilo que gira em torno da música. De maneira nenhuma! A internet veio acrescentar! O que tem que se fazer é regulamentar isto para que não aconteça o que muitas vezes constatamos que é, qualquer um colocar coisas que não lhe pertencem na internet. Somos livres de colocar o que é nosso, não aquilo que é feito e que dá muito trabalho aos outros. Penso que será uma questão de tempo, mas a regulação vai ter que surgir para que isto não se torne uma anarquia, porque aquilo a que estamos a assistir é um assalto e é muito complicado... Hoje em dia já assistimos a partidos piratas representados no parlamento europeu. São eleitos e vão para lá dizer que tudo o que está na internet é de todos... Lamento discordar mas o que é meu, é meu e só quando eu dou autorização é que pode ser partilhado. Quando coloco um vídeo no meu canal do YouTube, todos são livres de o ver e/ou partilhar, agora se acabei de gravar um disco, estou no meu direito de o querer comercializar e posso fazê-lo na internet através do MusicBox, do Spotify, do iTunes, etc. pois todas estas plataformas são legais e pagam direitos de autor.
XM – "MUV"-Movimento de Ideias Criativas, é outro projeto do Tozé... Em que consiste o MUV?
TZ.B. – A "MUV" foi algo que fez sentido antes de eu estar aqui a tempo inteiro na SPA. Agora já não faz qualquer sentido. Não tenho tempo para me dedicar à "MUV". A "MUV" era um bocadinho diferente da "MAR" porque produzia espetáculos e outras coisas mesmo fora da área da música como livros... Hoje eu não teria tempo para isso. Era um trabalho muito absorvente e que teria que ser realizado a tempo inteiro.
XM – Tendo vivido antes do 25 de abril e todos estes anos que o precederam, diga-nos que transformações são dignas de evidência no âmbito da música portuguesa. E relativamente ao futuro? Pode partilhar com os nossos leitores quais as suas perspetivas para "2020 DC"? (risos)
TZ.B. – Tudo mudou no país... tudo mudou na música depois do 25 de abril de 1974. A música não mudou só em Portugal, mudou no mundo todo e nós acompanhámos essa mudança. A única coisa relevante que aconteceu, para além do denominado movimento do Rock Português na década de 80 com o aparecimento do Rui Veloso, dos UHF, dos GNR, dos Heróis do Mar, dos Táxi, dos Jáfumega e de todas essas bandas novas que apareceram nessa altura mas que não traziam um momento novo, pois já noutros tempos tinham existido os Sheiks, os 1111, entre outros que faziam rock, embora de uma forma diferente, foi já nesta década, com a classificação do Fado como Património Imaterial de Humanidade. Isto, para mim, muda completamente a música portuguesa porque começamos a ter fenómenos como os Madredeus que, embora não sejam Fado, são vistos um pouco como... para-fado. Falamos da chamada World Music, a música do mundo, onde os Madredeus se encaixam, pensando as pessoas que aquilo é fado mas aquilo não é bem fado, ou seja, algo muito idêntico ao que aconteceu com a Dulce Pontes que teve um sucesso enorme fora de Portugal. Depois vieram a Mariza, a Ana Moura, a Carminho, o António Zambujo, que também não é bem fado pois ele faz aquele cruzamento de fado com as mornas de Cabo Verde, com música do Brasil e com a música alentejana (e faz isso muito bem porque ele é alentejano) ... Portanto esta foi a grande mudança e o grande salto na música portuguesa após o 25 de abril para além da morte da canção política, embora tenha tido por volta de 1975 uma força enorme com o chamado Canto Livre... Também com o Sérgio Godinho, o José Mário Branco, o Fausto, entre outros que são brilhantes, que são muito bons e que tiveram nos anos 70/80 um período áureo de grande produção, mas que depois começam a desvanecer com a perda de sentido deste tipo de canção de intervenção política e social. Isto foi sim um fenómeno, mas passou, assim como o chamado rock português (o que eu considero um erro chamar-lhe assim pois o rock é rock... porquê chamar-lhe português? Porque é feito em Portugal? Os chineses também devem ter o rock chinês... (risos)...) que teve o seu espaço e a sua explosão nos anos 80. Agora temos este fenómeno do Fado mas, o que tem acontecido, é que a música portuguesa tem afinal acompanhado a evolução da música em todo o mundo. Quando há um fenómeno de explosão da World Music por todo o mundo também é provável que o mesmo se passe por cá, não sendo exclusivamente responsável por este "boom" do fado a sua classificação de Património da Humanidade. Se formos ao Royal Albert Hall em Londres ou ao Carnegie Hall em Nova York, num dia ouvimos a Mariza porque é portuguesa, no outro ouvimos o Caetano Veloso porque é brasileiro e no outro o Salif Keïta porque é africano, ou ainda o Idan Raichel porque é de Israel... A world music é uma coisa gigantesca que abarca tudo... Este é um segmento de mercado interessante para quem gosta deste tipo de música e é algo que não existia nos anos 70/80... O que tínhamos era mainstream pop, mainstream rock, havia a massificação do Pop-Rock americano que era "copiado" pelo mundo fora... A canção francesa também sempre teve algum peso por ser diferente da americana e pouco mais havia. Agora relativamente à segunda parte da questão... (risos) até 2020 vamos ter que regular a internet como já tínhamos falado há pouco. Isto tem que ser feito a bem da música e dos músicos... Eu tenho netos que já tocam guitarra. Embora sejam crianças já dão uns toques na guitarra. Às vezes ponho-me a olhar para eles e pergunto-me – como é que algum deles poderá um dia ter uma carreira como a que eu tive? – é impossível... Começar aos 17 anos e chegar aos 67 (chego lá daqui a 4 anos). Como é que, com a velocidade que as coisas se estão a passar, uma pessoa hoje em dia pode ambicionar viver durante 50 anos da música? É impossível! As coisas que hoje nascem têm 15 minutos, 15 dias, 15 meses de fama e... acabou! A continuarem assim as coisas, nunca mais se vão construir carreiras... Os Rolling Stones ainda estão vivos a tocar e, quem diz estes, pode dizer outras 500 bandas dos anos 60/70 que ainda se juntam para tocar e enchem pavilhões. Há Sting, há Elton Jonh e uma série de gente como Paul Simon... Isto pode nunca mais acontecer se não se tiver cuidado. As coisas andam perdidas... Há imenso talento por aí, muita gente a fazer coisas boas, mas ninguém sabe onde é que estão. Perdemos o crivo. Vou fazer aqui uma analogia que talvez nos ajude a perceber um pouco melhor tudo isto. O talent scouting que é o "descobrir de novos talentos" e que é feito por pessoas especialistas em ver se este ou aquele têm talento, se são bons para construir ou não uma carreira tem que existir, pois não é por eu tocar guitarra que sou músico. Não somos todos músicos só porque tocamos guitarra! Há uns que têm talento e outros que não o têm. Passando este exemplo para a linguagem futebolística... Há os Cristianos Ronaldos e há aqueles miúdos que que têm jeito para dar uns toques na bola, mas que muitas vezes nem chegam a jogar nos campeonatos distritais. Todos eles quando nascem gostam de dar uns pontapés na bola (eu também gostava...). Agora, se formos às escolas do Sporting que são das melhores do mundo (estou à vontade para o dizer até porque sou do Benfica), estão lá os miúdos a serem vistos pelos talent scouting do futebol jogando 11 contra 11 que vão escolher apenas alguns destes. Este trabalho tem que ser feito para que depois se escolham os melhores. Agora imaginem o que é colocarem em campo 5000 miúdos aos pontapés a uma bola, que é o que acontece com a música que está disponível no Youtube... ninguém se entende! Então como é que se descobre quem é que tem talento quando temos 5000 miúdos a darem pontapés caoticamente numa bola? É isto que acontece no Youtube! É o caos! Ninguém se consegue distinguir. Nenhum talento sobressai... Tem que haver uma seleção. Os A&R's das editoras, que eram as pessoas responsáveis pelas assinaturas de contratos entre os artistas e essas mesmas editoras, (e eu fui A&R), sabíamos quando uma pessoa tinha talento para ser profissional ou não. Muitas vezes, quando tinha dúvidas, mandava-os trabalhar e pedia-lhes que voltassem passado algum tempo. Às vezes, algumas dessas pessoas sobre as quais tínhamos dúvidas apareciam passado um ano ou dois, chegando mesmo a assinar e a construir uma carreira. É preciso que haja esta seleção, é preciso que haja alguém que dirija. Não podemos colocar milhares de músicos num saco e dizer "vá, agora todos podemos tocar e ter uma carreira". Isto não existe! Assim ninguém consegue sustentar uma carreira por 50 anos. Nem 5, nem 10 anos, quanto mais! Portanto nunca mais vai haver bandas como os U2 que talvez sejam a última banda dessa geração que nasceu nos anos 80 e já duram há trinta e tal anos... (São uma superbanda). Todas as bandas que nasceram nesta geração da internet duram pouco. Não vejo que haja alguma que consiga ter uma carreira de 30 anos, embora veja algumas com muito talento como é o caso dos The National, mas não os vejo com uma carreira daqui a 30 anos com esta confusão que se instalou no mercado da música... Assim será muito complicado alguém projetar uma carreira para a vida. É difícil uma criança dizer que a sua vida irá ser fazer música. Eu tive esse privilégio. Aos 17 anos decidi que queria ser músico e aqui estou aos 63 tendo sempre feito o que gostava e acho isso lindo. Fantástico! É uma felicidade fazer-se o que se gosta, não andando para aqui a pensar que tenho que ir picar o ponto de manhã e ao fim do dia numa atividade que só serve para ganhar o meu sustento. Faço o que gosto há quase 50 anos e isso é muito bom. O que está a acontecer neste momento é que os que não têm talento atrapalham os que têm e nem uns nem outros fazem carreiras...
XM – A entrevista já vai longa, mas consideramos impossível fazê-la com um período de duração menor dada a enorme produção musical e o igualmente vital contributo do Tozé Brito para a música que hoje se faz em Portugal. Para terminar, pode partilhar com os nossos leitores, algum sonho que ainda não tenha concretizado e que deseje privilegiar em 2014?
TZ.B. – Em 2017... Digo 2017 porque faz 50 anos que gravei o meu primeiro disco e vou querer comemorar esse ano, se chegar lá com saúde... Quero fazer uma coisa que ainda não fiz e que agora me encontro a fazer, ou seja, escrever um livro. Não vou obviamente contar já como é mas posso adiantar que é um livro diferente, pois não me considero um António Lobo Antunes nem um José Luís Peixoto. Logo não será nenhum romance nem nenhuma novela pois a minha vida não é escrever livros. Passo aqui o dia todo e depois quando vou para casa vou escrever canções que é aquilo que gosto de fazer... Não sou portanto um escritor. Estou então a preparar um livro para sair em 2017 juntamente com muitas outras coisas que vão acontecer nesse ano. Na altura darei a conhecer todas estas coisas que estão a ser preparadas para comemorar os 50 anos desde que gravei o meu primeiro disco com os Pop Five. Vão acontecer concertos e lançamentos de coisas antigas e outras mais novas. Relativamente ao livro, será algo muito diferente, como já disse.
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