Sérgio da Silva Neves em entrevista ao XpressingMusic...
Sérgio Neves estudou no Conservatório de Música de Aveiro com o professor Nelson Aguiar e na ESART com o professor Carlos Alves, tendo terminado clarinete com 20 valores. Posteriormente estudou com Joan Enric Lluna na Trinity College of Music, onde finalizou o seu mestrado com a distinção "Excellence in Clarinet Studies".
Foi vencedor de vários concursos de clarinete e música de câmara em Inglaterra, Portugal, Espanha e Noruega e apresentou-se ainda em países como Brasil, França, Holanda, Luxemburgo, Irlanda e U.S.A.
Enquanto solista destaca-se a estreia da peça "Ocaso" para clarinete e orquestra de Nuno Figueiredo com a Orquestra Sinfónica da Póvoa de Varzim, a tourné a Londres que culminou na "Spring Yamaha Young Serie Artists Evening Concerts - London" e as tournées em Los Angeles, Irlanda e Michigan com a obra "Quarteto para o Fim dos Tempos" de Messiaen. Em 2006 foi considerado Figura da Semana pelo jornal Público e distinguido como Figura Jovem do Ano pela Gazeta do Interior com o (Des)Concertante Trio, do qual é membro fundador. Atualmente desempenha regularmente funções de solista A e B com a Orquestra Filarmonia das Beiras, é professor na Universidade de Aveiro, Escola profissional e Conservatório de Música e Artes do Dão e Escola de Artes da Bairrada.
XpressingMusic (XM) – Obrigado Sérgio por ter aceitado este nosso desafio. Vamos começar pelo início da sua formação. Recuamos até Aveiro, mais precisamente até ao Conservatório Calouste Gulbenkian. Recorda-se destes primeiros tempos?
Sérgio Neves (S.N.) – Em primeiro lugar gostava de agradecer o convite.
O Conservatório de Aveiro foi o meu primeiro contacto com um ensino mais especializado, onde tive oportunidade de trabalhar com professores que me influenciaram na decisão de estudar música de uma forma mais profissional.
XM – Em Portugal estudou clarinete com os professores Nelson Aguiar e Carlos Alves. De que forma estes professores marcaram o seu percurso?
S.N. – O professor Nelson Aguiar foi fundamental no início do meu percurso académico pela sua enorme capacidade de motivação. Pela minha experiência de ensino, julgo que a este nível, essa é uma das qualidades mais importantes de um professor e considero-me com sorte de ter contado com um professor motivador, motivado e empenhado.
Com o professor Carlos Alves aprendi a ser um performer além de um intérprete. Considero que atualmente existe uma obsessão pela perfeição técnica e com o professor Carlos aprendi a não descurar a vertente expressiva em detrimento da técnica.
XM – Como surgiu a decisão de fazer o seu mestrado de clarinete na Trinity College of Music em Londres? Procurava trabalhar com o professor Joan Enric Lluna?
S.N. – Queria muito passar pela experiência de ter outra vivência musical e acabou por ser Londres. Quando concorri a outras escolas no estrangeiro, no último ano de licenciatura, verifiquei quem eram os professores e acabei por escolher trabalhar com o professor Lluna na Trinity, o que me fez viajar até Londres onde vivi experiências musicais e de vida enriquecedoras.
Além das enormes oportunidades para tocar, cruzei-me com músicos de excelência com quem ainda toco e mantenho contacto.
Do professor Lluna guardo a forma como via a música além do clarinete. Trabalhámos música de Sarah Vaughan, concerto de Elgar para violoncelo, Tchaikovsky para violino, entre outros, com o objetivo de evoluir e desenvolver timbre e fraseado, sem estar limitado ao som e repertorio do clarinete.
XM – São já muitos os prémios obtidos ao longo da sua carreira. Há algum, ou alguns, que recorde com mais carinho?
S.N. – Os concursos são o reconhecimento do trabalho e talento, no entanto é importante salientar que refletem apenas o momento específico. Os concursos abriram-me portas, mas é o trabalho do dia a dia que diz quem somos.
Há um que gostaria de salientar, o 1º prémio do concurso de clarinete das Astúrias, por ter sido o primeiro concurso que venci enquanto solista de clarinete e que me permitiu tocar pela primeira vez a solo com orquestra.
XM – O Sérgio já se apresentou como solista com várias orquestras. Destaca alguma dessas experiências?
S.N. – Sim, a estreia da obra para orquestra e clarinete solo "Ocaso" de Nuno Figueiredo sob direção do maestro Luís Carvalho, no Festival internacional de Música da Póvoa de Varzim.
Além de estar a tocar a solo e estar a ser dirigido por um maestro que também é um clarinetista conceituado, senti o peso e responsabilidade da minha prestação por se tratar de uma final do concurso internacional de composição, sendo que a minha prestação poderia influenciar na apreciação do júri em relação à obra.
Felizmente correu bem e a obra "Ocaso" para clarinete e orquestra ganhou o 1º prémio e prémio do público, o que me fez sentir com o dever cumprido e muito feliz pelo compositor.
XM – Foi convidado recentemente para leccionar na Universidade de Aveiro. De que forma é que acha que pode contribuir para o ensino do clarinete em Portugal?
S.N. – Fui convidado para dar aulas de música de câmara, literatura do instrumento e pedagogia do clarinete, sendo que a disciplina de clarinete é ministrada pelo professor Luís Carvalho.
Nas disciplinas que leciono gostava de poder contribuir para a forma como se aborda o ensino do clarinete, porque verifico que se ensina maioritariamente segundo padrões e programas que remontam ao séc. XIX e XX. Isto deixa de fora abordagens e programas mais recentes.
Sinto que em Portugal fazem falta seminários ou encontros de pedagogia direcionados para o ensino instrumental, que sirvam como ponto de encontro para discutir novas abordagens e técnicas.
XM – Recentemente criou um manual de iniciação ao clarinete, fale-nos um pouco deste projeto.
S.N. – Quando comecei a investigar manuais de iniciação para dar aulas deparei-me com alguns obstáculos que me "obrigaram" a criar o meu manual. Não me identifico com nenhum dos manuais na sua totalidade e considero que, ao nível da iniciação, era imprescindível compilar técnicas e desenvolver estratégias usadas por outros autores ou professores.
Por isso, o manual que criei representa a minha visão do estudo do instrumento adaptado ao ensino do clarinete em Portugal, utilizando ainda técnicas e estratégias de outros sistemas de ensino. Os resultados que tenho obtido são muito encorajadores.
XM – Os seus alunos têm-se destacado em vários concursos. Fale-nos um pouco da sua experiência enquanto professor?
S.N. – Nos últimos 6 anos os meus alunos conquistaram 32 prémios o que me deixa muito orgulhoso enquanto professor. Este resultado é fruto de muito trabalho e dedicação, mas acima de tudo da vontade dos alunos de aprender cada vez mais, e minha, pelo prazer de ensinar.
XM – O Sérgio é fundador e diretor artístico do Festival de Clarinetes do Dão. Partilhe com os nossos leitores um pouco desta atividade.
S.N. – Na altura em que o festival surgiu havia um decréscimo de atividades deste género e pensámos que seria importante criar uma estrutura que permitisse uma vivência clarinetista de excelência, durante um fim-de-semana. Foi o que aconteceu.
Na última edição contámos com cerca de 100 clarinetistas e um total de 1000 pessoas em três concertos. Penso que para este facto muito contribuiu a qualidade dos professores e dos concertos, mas acima de tudo o cuidado na organização de todos os detalhes, para que os alunos participem numa atividade bem organizada e com um ambiente propício à troca de experiências entre participantes, professores e músicos.
XM – Pode falar-nos de alguns dos projetos que se seguem no futuro?...
S.N. – Enquanto clarinetista, além dos concertos com a Orquestra Filarmonia das Beiras e master classes de clarinete, destaco a gravação da obra para orquestra "A Última Porta" de Jean-Sébastien Béreau em Fevereiro, sob direção do compositor e ainda a gravação com o pianista Jovanny-Rey de Pedro de Los Angeles e a violoncelista Tara-lee da Irlanda com programa para trio, clarinete, violoncelo e piano.
Tenho também vontade de gravar algumas obras de compositores que escreveram peças para mim, tais como Nuno Figueiredo, Sérgio Azevedo, Paulo Jorge Ferreira, Carlos Marecos, Carlos Marques, Antony Allen e AndreaTalmelli.
Enquanto professor, estou a colaborar na planificação e criação da Escola Profissional de Música no Dão e na direção artística do 1º Festival de Música do Dão, que contará com várias master classes, Orquestra das Beiras e vários grupos de música de câmara de destaque do panorama nacional.
XM – Mais uma vez agradecemos o tempo que nos dedicou. Para terminar gostaríamos que partilhasse com os nossos leitores as suas perceções relativamente ao ensino artístico em Portugal. Estamos no bom caminho? Ainda há muito por fazer?
S.N. – Portugal tem desenvolvido, desde há várias décadas, um trabalho específico no ensino instrumental que permitiu emergir uma nova geração de músicos e professores de excelência, conforme se pode comprovar pelos vários prémios de solistas portugueses em concursos de instrumento e orquestra, a nível mundial. No entanto, apesar do trabalho que se desenvolve ser muito bom, não estão a ser criadas perspetivas de futuro, ou seja, continuamos a criar músicos e professores para desenvolver as mesmas tarefas. O mundo artístico mudou, as pessoas mudaram e as escolas e universidades não parecem estar a acompanhar totalmente esta mudança.
Penso que existe, paralelamente, todo um trabalho de reconhecimento e destaque necessário para subirmos mais um degrau e ultrapassar de vez a ideia de que "o que vem de fora é melhor", ou seja, destaque dos media e reconhecimento/aproveitamento do investimento por parte do ministério da educação e secretaria de estado da cultura pelo excelente trabalho que se faz em Portugal.
Considero ainda que nos faltam especializações em gestão de carreiras, "managers", para que toda uma estrutura que gere a música erudita de forma tão amadora se torne assumidamente profissional, criando oportunidades para os nossos solistas e maestros se afirmarem de forma muito mais substancial no estrangeiro, com o selo de qualidade que já nos é conferido.
Sérgio da Silva Neves foi laureado em diversos concursos nacionais e internacionais em Clarinete e Música de Câmara. Eis algumas dessas distinções:
- 1º Prémio The Wilfred Hambleton Clarinet Competition (Londres, 2008);
- 1º Prémio no The Harold Clarke Woodwind Competition, (Londres, 2007);
- 1º Prémio no Concurso Folefest na categoria de música de câmara, (Castelo Branco, 2007);
- 1º Prémio no I Concurso de clarinete Carreño (Astúrias, 2006);
- 1º Prémio no Concurso internacional de Música de Câmara (C.I.A. Asker, 2006);
- 2º Prémio no Concorsi Internazionalidi Musica della Val Tidone (Itália, 2006), categoria de música de Câmara;
- 2º Prémio Jovens Músicos, na modalidade de Música de Câmara – nível superior na 19ª e 20ª edição (Portugal, 2005 e 2006);
- Prémio de Mérito Ensino Magazine 2006; Prémio Fundação Engenheiro António Pascoal (2005).
Sérgio Neves toca com palhetas Rico e clarinetes Selmer.
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