O pianista António Oliveira em entrevista ao XpressingMusic...
Natural do Porto, António Oliveira iniciou os seus estudos musicais na Academia de Música de Vilar do Paraíso. Com a carreira de concertista tem acumulado a de docente, sendo professor de piano no Conservatório de Música do Porto. Nesta entrevista iremos saber mais sobre este pianista que, para além do seu trajeto enquanto performer, tem assumido outras funções de destaque no âmbito da música e da produção musical. A título de exemplo refira-se que o pianista António Oliveira foi Assessor do Programador, Maestro Rui Massena, na Capital Europeia da Cultura, Guimarães 2012. A solo ou em música de câmara, António Oliveira tem realizado vários recitais tendo marcado presença em eventos tais como: Festival de Música do Estoril, Festival da Foz do Cavado, Festivais de Outono em Aveiro, Festival Raízes Ibéricas, Festival Cistermúsica em Alcobaça, Festival de Música de Coimbra, Festival de Música do Palácio da Bolsa, Encontros de Piano do Porto, nas Quintas de Leitura no Teatro do Campo Alegre, ClarinetFest2007 em Vancouver, Canadá, Musiquem Lleida 2007 em Espanha, ClarinetFest2008 em Kansas City, Estados Unidos da América, e ClarinetFest 2009 na Casa da Música do Porto.
António, agradecemos desde já a amabilidade em receber-nos para esta entrevista. Começamos por lhe perguntar se se recorda daquilo que o levou a optar por ir aprender música... O piano sempre foi o instrumento que quis aprender?
Eu é que agradeço o seu simpático convite para esta entrevista. O início dos meus estudos musicais foi fortuito: os meus pais inscreveram-me num colégio pré-escolar, o Colégio Casa Verde, cuja diretora, a professora Virgínia Barroso, era professora de formação musical na Academia de Música de Vilar do Paraíso. Foi nas aulas de iniciação musical que lecionava no Colégio que a professora Virgínia observou em mim propensão para a música e aconselhou os meus pais a me inscreverem na Academia de Música de Vilar do Paraíso. Nessa altura já eu estava na escola primária, hoje I ciclo, e julgo ter sido o piano escolha de meus pais (pelo menos, eu não me recordo de ter pedido para estudar o instrumento).
Depois da Academia de Música de Vilar do Paraíso, decidiu ir aprofundar os seus estudos musicais na ESMAE. Houve alguma razão especial para optar por esta Escola Superior? Era seu objetivo trabalhar com a Professora Sofia Lourenço?
Decidi que queria ser músico por volta dos meus 15 anos: senti um forte apelo pela música e pelo piano e seu reportório. Na altura, outros colegas meus mais velhos tinham tomado a mesma decisão pelo que, aos olhos da família, começava a desenhar-se a possibilidade da música se constituir como um horizonte profissional. Por outro lado, também aos 15 anos, o diretor da Academia de Música de Vilar do Paraíso, o professor Hugo Berto, convidou-me para tocar nas aulas de ballet, pelo que datam daí os meus primeiros recursos vindos exclusivamente da música. A opção pela ESMAE surgiu de forma natural face ao prestígio da mesma (mormente a classe de piano) e à proximidade geográfica; na altura não conhecia a professora Sofia Lourenço, mas estudava já particularmente com o professor Jaime Mota que me garantiu que ficaria "bem entregue" com qualquer um dos professores. Concorri unicamente à ESMAE, fui admitido e em Setembro colocado na classe da professora Sofia.
Também estudou na Hochschule der Kunst de Berlim na classe do Professor Lazslo Simon. Foi importante para si esta experiência? O que mais o marcou?
Estudei com o professor Simon em Berlim durante um semestre ao abrigo do projeto Sócrates/Erasmus. Esta oportunidade começou a desenhar-se quando o professor Simon visitou o Porto em Abril ou Maio de 1998 para lecionar uma masterclass na ESMAE. De referir que a minha professora é diplomada pela Hochschule der Kunst onde estudou com o professor Simon. Nessa masterclass, toquei para o professor Simon e ele admitiu-me na sua classe sem reservas. Tudo o mais, foram questões administrativas e logísticas.
A minha estadia em Berlim foi marcante a vários níveis, nomeadamente pessoal e artístico. Pessoal pois mergulhei numa cultura que não conhecia, numa língua que eu mal falava, e numa grande capital mundial. O que primeiro senti foi vertigem pela enorme quantidade de informação nova. Houve que me adaptar a uma condição nova – a de viver sozinho e de organizar o meu dia-a-dia – e que aproveitar a oportunidade de estudar numa das melhores escolas do mundo e de viver naquela que é por ventura a cidade mais relevante no universo da música erudita: na altura, havia em Berlim oito orquestras sinfónicas residentes, três casas de ópera permanentes, para além de artistas de todo o mundo que passam obrigatoriamente por Berlim.
Os meses em Berlim foram de encontro comigo mesmo, de clarificação de objetivos e prioridades, de muito estudo e dedicação. Foram, talvez, os meses mais intensos e exigentes da minha vida.
Recordo sempre com saudade as inúmeras vezes que fui à Philharmonie escutar a Orquestra Filarmónica de Berlim, dirigida pelos mais variados maestros de topo e tocando com solistas de prestígio. Mas a mais marcante foi, sem dúvida, ouvir Tristão e Isolda de Wagner em versão de concerto pela Orquestra Filarmónica de Berlim dirigida por Claudio Abbado, recentemente falecido.
Obteve o diploma "Master of Music" na The Hartt School, University of Hartford, Connecticut, EUA. Pertencer à classe do Prof. Luiz de Moura Castro foi relevante para si enquanto músico... Concorda? Este será outro dos nomes que estarão sempre ligados à sua forma de interpretar?
Sem dúvida que sim. Conheci o professor Moura Castro em Óbidos, nas Semanas Internacionais do Piano, e de imediato senti que era com ele que tinha que prosseguir os meus estudos. O professor Moura Castro, para além de ser um notável pianista, é um prestigiado pedagogo, um professor que sente e respeita a identidade artística do aluno e lhe fornece as "ferramentas" técnicas para que se possa expressar ao piano. Um reflexo desta maravilhosa abordagem é a heterogeneidade da classe do professor Moura Castro: como o professor não formata e não condiciona, cada aluno distingue-se dos demais pelas suas próprias características e reportório, por contraponto a outras classes das quais se diz "tocam todos da mesma forma".
Em suma, com o professor Simon aprendi imenso sobre estilo e abordagem ao texto, com o professor Moura Castro compreendi o mecanismo inerente a tocar piano.
Mas outros nomes são certamente inesquecíveis e incontornáveis quando falamos da sua formação enquanto pianista. Pode referir-nos quais as principais características e ensinamentos que considera ter absorvido de Mestres como Helena Sá e Costa, Pedro Burmester, Mikail Pethukov, Carla Giudici e Emanuel Ax?
Complementei a minha formação com os pianistas que refere em masterclasses e em aulas particulares. De todos me fica a seriedade e rigor na abordagem do texto musical, como o decifrar e ler à luz do contexto e do estilo; a importância de se "viver" com as obras, conhecê-las em tal detalhe que elas se tornem em discurso na primeira pessoa; a importância da audição interior, ouvir a música antes de a fazer, ter uma ideia prévia, uma intenção.
Receber uma Menção Honrosa no Concurso Maria Campina e ser finalista do Concurso "Emerson String Quartet Competition" são reconhecimentos que jamais esquecerá. Concorda? O que guardou destes dois momentos da sua carreira?
São momentos importantes que balizaram o meu percurso académico: o prémio no Concurso Maria Campina obtive-o enquanto estudante na ESMAE; ser finalista do Concurso Emerson aconteceu já nos EUA. Os prémios são sempre importantes por representarem o reconhecimento do trabalho, mas ser finalista do Concurso Emerson teve um sabor especial pois os finalistas tocavam com o próprio Quarteto Emerson: recordo-me de pisar o palco para a prova e nem acreditar que ia tocar com aqueles músicos extraordinários que eu tanto admiro. Tocamos o Quinteto de Schumann, e recordo-me que quando a música começou senti-me como que levitar pelo maravilhoso som do Quarteto.
É professor de Piano no Conservatório do Porto... Sente que hoje o ensino da música está muito diferente daquele que era praticado no seu tempo?
São épocas diferentes e, no meu caso particular, em escolas diferentes. Digamos que não posso na verdade comparar porque a realidade de hoje do Conservatório é muito diferente da realidade de então da Academia de Música de Vilar do Paraíso. Curiosamente, ambas as escolas trilharam nos últimos anos percursos semelhantes: ambas são hoje escolas que oferecem ensino em regime integrado, ou seja, onde os estudantes recebem as aulas de música mas também as disciplinas do currículo geral. Estas mudanças são marcantes na vida de uma escola e na vida dos estudantes: recordo-me de, no meu tempo, deslocar-me à Academia para me dedicar exclusivamente à música, de haver uma outra atitude perante a música, por ventura mais intensa; hoje, por se habitar o mesmo espaço físico de manhã à noite, há um certo efeito de contaminação, as energias são diferentes.
Nestes vinte anos, muito mudou nas mentalidades: como disse acima, nos anos 90 do século passado, a decisão de ser músico não era fácil pois as perspetivas profissionais não eram as mais animadoras e, por outro lado, ser músico não gozava de grande prestígio social (recordo-me duma piada contada algures: "Maria, esconde as pratas que chegaram os músicos!", reveladora da baixa estima nutrida por nós). Hoje, ser músico é uma profissão respeitável como qualquer outra. O ensino progrediu bastante, abriu-se à sociedade e democratizou-se: há hoje muito mais escolas, tanto conservatórios e academias, como escolas superiores, o que operou maravilhas na qualidade geral da formação e dos músicos.
Pode falar-nos agora um pouco da sua experiência no Estúdio de Ópera da Casa da Música do Porto? Em que consistiu?
Associei-me ao Estúdio de Ópera da Casa da Música em Setembro de 2003, como pianista correpetidor. Tinha regressado dos EUA há um ano, lecionava também há um ano no Conservatório de Música do Porto quando o Estúdio de Ópera abriu provas para a contratação de um pianista. Concorri porque o projeto era muito aliciante: recitais todos os meses e duas produções operáticas em cada temporada, bem como a oportunidade de todos os meses receber ensinamentos de personalidades que se deslocavam ao Porto para trabalharem com o Estúdio de Ópera, fossem pianistas, maestros, cantores ou encenadores.
Durante os pouco mais de três anos que estive no Estúdio de Ópera (até à sua extinção em Dezembro de 2006), convivi de perto com um reportório extraordinário que é o de voz e piano: recordo-me de recitais maravilhosos totalmente preenchidos por canções de Robert e Clara Schumann, ou de Hugo Wolf. Na verdade, o que mais gostava era de fazer música de câmara, de construir uma obra com outrem.
O António tem realizado recitais a solo e de música de câmara em algumas das salas mais importantes do país e no estrangeiro. Pode destacar aqui alguns dos momentos mais importantes para si neste âmbito?
Tenho tido a sorte e o privilégio de fazer aquilo que mais gosto: estar no palco e fazer música. Importantes têm sido todos pois aprendo sempre algo novo com cada experiência. Destacaria o concerto com a Fundação Orquestra Estúdio dirigida pelo maestro Rui Massena em Guimarães 2012, em que interpretamos a Rapsódia sobre um Tema de Paganini, de Rachmaninoff, perante uma plateia cheia; ou o recente recital de piano que dei na Fundação Engenheiro António de Almeida, integrado nos Encontros de Piano do Porto, também perante a sala cheia; ou ainda o recital com a soprano Luísa Barriga, exclusivamente dedicado a canções de Grieg, no Palácio Foz. Enfim, têm sido tantos os momentos saborosos que se torna difícil relevar este ou aquele.
Já gravou para a RTP e RDP Antena 2... Quais as obras que interpretou neste âmbito?
Gravei no ano passado o Concerto nº2 de Rachmaninoff para o programa da RTP1 "Música, Maestro" apresentado pelo maestro Rui Massena. Fiquei entusiasmadíssimo com o convite do maestro para o programa, tanto mais que seria dedicado a um dos meus concertos preferidos, o que finalmente me deu oportunidade de o estudar e tocar.
Para a Antena 2 toquei, se a memória não me falha, em três Concerto Abertos: o primeiro com o clarinetista António Rosa, em que tocámos as obras do nosso primeiro CD – Projecto XXI – dos compositores Fernando Lapa, Carlos Marques, Francisco Loreto, Pedro Faria Gomes e Jorge Salgueiro; o segundo com o António Rosa e a soprano Luísa Barriga, com obras de Schubert, Eurico Carrapatoso e Spohr; o terceiro novamente com o António Rosa e a soprano Marina Pacheco, em que interpretámos Schubert, Fauré e Joaquin Rodrigo.
O oboísta Kevin Vigneau e o clarinetista Darko Brlek são dois dos nomes com os quais já teve o prazer de tocar... Recorda-se destas experiências?
Sim, bastante bem. O recital com o Kevin foi muito curioso: algures em 2000, 2001, abordaram-me na Hartt School sobre a possibilidade de tocar com um oboísta que nos visitaria daí a umas semanas para lecionar uma masterclass e tocar um recital. De imediato aceitei. Para minha surpresa, ao chegar a casa tinha uma mensagem no meu voice-mail, da parte do Kevin, a falar... em português! É verdade, o Kevin, foi em tempos, primeiro oboé da Orquestra Metropolitana de Lisboa, pelo que arriscou falar em português pois "António Oliveira" soava-lhe...português! Recordo-me das suas divertidas aulas e do recital que fizemos em trio com a sua esposa.
O convite para tocar com Darko Brlek surgiu da parte dos professores Maria José Souza Guedes e Luís Meireles, programadores do Festival Internacional de Música do Palácio da Bolsa. Recordo-me que o programa era do mais complicado que se possa imaginar para clarinete e piano: tão só as duas sonatas op.120 de Brahms e as Phantasiestücke de Schumann! No mesmo concerto!! Mas correu muito bem, o Darko é um clarinetista brilhante e a empatia musical foi imediata.
Com o clarinetista António Rosa gravou dois CD's de Música Portuguesa do Séc.XXI. Este projeto já alcançou um prémio importante...
O António Rosa é um amigo de longa data e um músico com quem sempre gostei de tocar. Quando voltei dos EUA, formámos um duo – o Projecto XXI – e após vários recitais, decidimos inovar, desafiando compositores portugueses a escreverem para nós. Assim surgiram algumas das obras que estão registadas nos nossos dois CD's. O primeiro CD tem um pendor mais sério; o segundo CD teve como intenção lançar pontes entre a música dita clássica e o jazz – de onde o título Pontes de Vanguarda – daí que convidámos compositores que "pisam" ambos os territórios com igual mestria: Telmo Marques, Zé Eduardo, Paulo Perfeito e Marco Barroso.
O prémio a que se refere foi obtido no Festival Musiquem Lleida em 2007, um festival dedicado a pequenas formações de câmara das quais se elegia no final a que tinha realizado os melhores recitais. Coube ao Projecto XXI a sorte de receber esta distinção.
O projeto PORTriO editou o seu primeiro CD em outubro de 2013. Quem o acompanha neste projeto? Sobre que reportório se debruçam?
O PORTriO é o mais recente projeto em que estou envolvido e inclui o clarinetista Filipe Pereira e o violetista Hugo Diogo. O trio surgiu em Abril de 2013 com o propósito de gravar em CD as Oito Peças de Max Bruch, as Cinco Miniaturas em Trio de Sérgio Azevedo e o Duo para clarinete e viola de Alexandre Delgado.
De momento estamos igualmente a trabalhar no incontornável Kegelstatt Trio de Mozart e no Trio op.264 de Reinecke.
O António teve já o privilégio de estrear obras de compositores como António Chagas Rosa e Telmo Marques. Sente que é uma grande responsabilidade ser o primeiro a interpretar esta ou aquela obra?
Sim, sinto que é uma grande responsabilidade mas igualmente um privilégio poder receber diretamente do compositor impressões e sugestões relativamente à interpretação. Digamos que o facto de ser uma estreia acarreta consigo uma vantagem e um desafio: a vantagem é não haver interpretações ou gravações com quem te compararem (o que dá um certo conforto não ter que ouvir "gostei mas a interpretação de fulano X é melhor"); o desafio é, por não existirem referências sonoras, termos que descobrir a obra por nós mesmos!
A solo já se apresentou com a Orquestra Clássica da Madeira, com a Orquestra do Norte, com a Orquestra Sinfónica da ESART e com a Fundação Orquestra Estúdio sob a direção dos Maestros Rui Massena, Sandor Gyudi e Miguel Graça Moura. O que representam para o António estas oportunidades?
Representam a oportunidade de fazer reportório concertante, pois sem orquestra não é possível fazer muita da grande música que se escreveu para piano. Podemos sempre estudá-la, é certo, mas a experiência de palco é insubstituível, e fazer com a parte da orquestra reduzida a um segundo piano perde toda a variedade de colorido.
Representam também a oportunidade de tocar com outros músicos e de rápida e eficazmente encontrarmos pontos convergentes (rápida porque normalmente só se fazem dois ensaios com a orquestra antes do concerto). É um imenso estímulo à audição e à disponibilidade: não podemos ter interpretações cristalizadas, há que deixar espaço a outras visões e a outras formas de tocar. Tive a oportunidade de tocar a Rapsódia sobre um Tema de Paganini, de Rachmaninoff, com três orquestras diferentes – a Orquestra do Norte, a Orquestra Clássica da Madeira e a Fundação Orquestra Estúdio – e as interpretações foram sempre diferentes precisamente porque há que moldar visões, escutar diferentes formas de frasear, diferentes formas de respirar.
Muito obrigado pelo tempo que nos dedicou. A sua carreira daria certamente para falarmos muito mais... Para terminar, gostaríamos que nos falasse dos seus planos para o futuro mais próximo... Está em preparação algum projeto novo para apresentar ao público?
Eu é que agradeço novamente o convite e as suas generosas palavras. Tenho brevemente, no dia 18 de Fevereiro, um recital integrado nas comemorações do Centenário do Nascimento da pianista Maria Campina, no Cineteatro de Loulé. Outros recitais estão "na forja", mas por não ter ainda datas fechadas não queria estar agora a alongar-me. Mas novidades virão. Muito obrigado.
Sistema de comentários desenvolvido por CComment