A Flautista Raquel Lima fala da sua carreira e do projeto “Duo Pourquoi Pas”
Raquel Lima licenciou-se na classe do Prof. Eduardo Lucena, na ESMAE. Estudou com Renate Greiss-Armin na Saatliche Hochschule für Musik Karlsruhe e Pós Graduou-se com distinção na Royal Academy of Music (Londres) com Clare Southworth e Kate Hill. Raquel Lima também trabalhou Flautim com Patrícia Morris e Traverso com Lisa Beznosiuk. É atualmente doutoranda da Universidade de Aveiro. Foi Bolseira da Fundação Calouste Gulbenkian e é detentora de vários prémios em concursos nacionais e internacionais. Em 2009 a Câmara do Porto lançou um documentário sobre a sua formação enquanto Flautista, no âmbito do projeto "Porto de Futuro".
XpressingMusic (XM) – Raquel, é para nós uma grande honra tê-la aqui a partilhar com os leitores do XpressingMusic alguma da sua experiência e algumas das suas conquistas. Na sua biografia transparecem duas evidências muito claras. Por um lado uma enorme vontade de evoluir, espelhada na sua formação que é contínua e ininterrupta. Por outro lado, verifica-se que todo o seu trabalho tem vindo a ser recompensado com inúmeros convites e prémios conquistados. Considera que uma coisa é consequência inevitável da outra?
Raquel Lima (R.L.) – Antes de mais, muito obrigada pelo convite para realizar esta entrevista. É para mim uma honra tê‐lo recebido, e fazer parte do leque de artistas entrevistados pelo portal XpressingMusic. Na área das artes, mais especificamente na música, que é aquela de que posso falar com mais conhecimento de causa, o contínuo investimento na formação e a preparação e prática ininterruptas são dois dos pilares mais importantes na vida profissional do artista. No meu caso, posso afirmar que sim - dessa minha "insistência" em estar sempre atualizada, informada, ativa, e numa constante procura de evolução, resultam, sem dúvida, todas as recompensas e reconhecimentos de que tenho vindo a ser alvo.
XM – Qual ou quais os prémios que mais significado tiveram para si? Pode falar-nos um pouco de cada um deles?
R.L. – O prémio que mais realização me trouxe foi, sem dúvida, o que obtive no Concurso J. Pierre‐Rampal, em 2008: além de chegar à semifinal (o que já foi para mim uma enorme conquista), ainda me foi atribuído o prémio de melhor interpretação da obra obrigatória do concurso. No contexto da flauta, este concurso é um dos mais prestigiados e importantes a nível mundial, e estes factos, ser semifinalista e ainda trazer um prémio, foram um marco muito importante na minha carreira. Outros dois prémios que tiveram enorme significado para mim foram dois primeiros prémios que obtive em concursos internacionais de flauta: em 2009, no Concurso F. Kuhlau, na Alemanha (na categoria de flauta solo) e, em 2005, no Concurso Internacional de Flauta Jeunesses Musicales, em Bucareste. O motivo... um primeiro prémio é sempre um primeiro prémio... É Uma emoção ao mais alto nível, uma recompensa sem descrição.
XM – Sabemos que colabora regularmente com o Remix Ensemble, Sond'Ar-te Electric Ensemble e Orquestra Sinfónica da Galiza e que já colaborou com as principais orquestras portuguesas. É também este facto uma constatação de que reconhecem o seu esforço e o seu trabalho enquanto performer?
R.L. – Penso que sim, nomeadamente, no caso tanto do Remix Ensemble como da Orquestra Sinfónica da Galiza, a minha colaboração já começou há mais de dez anos, por isso espero continuar a fazer um bom trabalho com cada um destes grupos, bem como com qualquer orquestra ou ensemble com que trabalhe (Sond'Ar-te Electric Ensemble, Por exemplo, entre outros), no sentido de lhes dar motivos para que continuem a acreditar no meu empenho e profissionalismo.
XM – Pode partilhar connosco e com os nossos leitores quais os festivais nacionais e internacionais em que já participou?
R.L. – Já Participei em variados festivais de música, nacionais e internacionais, em diferentes contextos. Posso começar pela Música de Câmara, dando o exemplo do Festival de Guitarra de Santo Tirso, onde toquei com o Duo Pourquoi Pas, o meu duo de flauta e guitarra com o guitarrista Augusto Pacheco, ou o Festival ESMAE; com a Orquestra Sinfónica da Galiza; passei pelo Festival Mozart de la Coruña, e, com as orquestras nacionais, pelos Festivais Internacionais de Música de Espinho e Coimbra, o Festival de Música de Alcobaça, Festival de Música da Póvoa de Varzim, Festivais de Ópera de Óbidos e de Ponte de Lima. No caso do Remix Ensemble, tive oportunidade de participar em festivais mais direcionados para a música contemporânea, como o Festival MaerzMusik (Berlim), Festival Musica (Estrasburgo), Festival Wittener Tagen Fur Neue Kammermusik (Witten, Alemanha), Festival AGORA – Centre Pompidou (IRCAM‐Paris), Festival Wien Modern (Viena), Festival de Música Viva/Entr'artes de Oeiras, entre outros.
XM – Atuar em salas como IRCAM e Centro Georges Pompidu em Paris, Cité de la Musique em Estrasburgo, Radial System, em Berlim, Casa da Música e Fundação Calouste Gulbenkian é uma grande responsabilidade, embora seja ao mesmo tempo um enorme desafio... Concorda?
R.L. – Concordo plenamente. Todas Essas salas acolhem diariamente artistas, ensembles e orquestras de topo a nível mundial. É uma grande responsabilidade partilhar esses espaços. Há que estar à altura para corresponder às expectativas dos públicos que os frequentam. O desafio reside na preparação contínua para estas responsabilidades e outras do mesmo género, e na vontade de evoluir, ano após ano.
XM – A Raquel Lima já participou na gravação de alguns CD's... Gosta do trabalho de estúdio? Em que CD's já deixou as suas sonoridades e a sua marca?
R.L. – Embora prefira os concertos ao vivo, gosto muito do trabalho de estúdio. É aliciante a busca pela perfeição, e é interminável a quantidade de coisas que aprendemos sobre nós próprios quando nos gravamos. Em casa, no meu estudo individual, sempre utilizei a estratégia de me gravar, para poder ouvir aquilo que soa cá fora, e, com isso, sempre aprendi imenso, corrigindo e corrigindo. Mas no estúdio é diferente, o tempo está contado, e o objetivo final é mesmo o de registar as obras, por isso é necessário ser‐se prático e muito sensato. Gravei já 3 CD's: Com o meu duo de flauta e guitarra, gravei o cd Pourquoi Pas (2007), e ainda um cd com as obras de Fernando Lopes‐Graça para música de câmara com guitarra (2013, e aguarda lançamento); com o Remix Ensemble, participei na gravação de um CD com obras de Emmanuel Nunes (2006).
XM – Já trabalhou com maestros como Lorin Maazel, Jesus Lopez-Cobos, Peter Rundel, Emilio Pomàrico, Stefan Asbury, Alberto Zedda, Lutz Koheler, Muhai Tang, Leone Magiera e Giovanni Antonini... Estes nomes trouxeram-lhe mais-valias enquanto performer? Quais as principais aprendizagens advindas destas experiências?
R.L. – Muitas mais‐valias... Poder contar com estes nomes no nosso currículo é um orgulho. Trabalhar com maestros ao mais alto nível é uma motivação enorme, e convida a estar sempre em forma. Além de passar por experiências fantásticas, aprendi muito com todos eles – A forma como olham a música e como transmitem as suas emoções, bem como inúmeros aspetos mais técnicos relacionados com cada obra e com cada compositor.
XM – Podemos dizer o mesmo relativamente a nomes como Angela Gheorghiu, Mischa Maisky, Christian Lindberg, Pierre Strauch, Anu Komsi, G. Capuçon, Elisabete Matos, Vladimir Viardo e Luciano Pavarotti?
R.L. – Sim, tocar com solistas de renome internacional é muito enriquecedor e emocionante, poder testemunhar (e acompanhar) as características musicais de cada um deles é de facto muito interessante. Tive já, felizmente, muitas experiências do género, e posso dizer que presenciei momentos de uma beleza e profundidade extremas, que, por um lado, me ensinaram tanto sobre a música, e, por outro, me lavaram a alma.
XM – Podemos dizer que a sua participação na Orquestra Sinfónica da Royal Academy e a realização de uma tournée com Sir Elton John, com concertos em Inglaterra no Royal Albert Hall em Londres e nos EUA foram momentos altos da sua carreira?
R.L. – Sim, esse foi um dos momentos marcantes! Precisamente porque foi uma coisa completamente diferente daquilo que costumo fazer, e que me trouxe experiências muito engraçadas... Nunca tinha tocado para tanta gente - cerca de 10.000 Pessoas estavam no público nesses concertos. E um público ao rubro, que nada tem que ver com um público num concerto de música clássica... Claro que o momento sensação foi no primeiro ensaio, quando o Elton John apareceu: a orquestra já estava a ensaiar, e, a meio de uma das músicas, ele entrou e interrompeu o ensaio, na descontração do seu fato‐de‐treino preto com dizeres prateados excêntricos; sentou‐se ao piano e começou a tocar o que lhe apeteceu no momento. A orquestra, por indicação do maestro, acompanhou‐o, mas acho que ninguém mais conseguiu contar direito os compassos...
XM – Como solista, em que projetos já participou?
R.L. – Bem, recentemente participei num projeto do Serviço Educativo da Casa da Música, fazendo parte de um quarteto de flautas solistas, numa obra de S. Sciarrino, assinalando o Dia Mundial da Música. Em 2012 Fui solista com o Remix Ensemble, juntamente com Stephanie Wagner e Martin Fahlenbock, numa obra de P. Boulez,... explosant-fixe..., sob a direção do Maestro Peter Rundel. Anteriormente, toquei a solo com a Orquestra Sinfonia Varsóvia, Orquestra Filarmónica de Válcea (Roménia), Orquestra Filarmonia das Beiras, Sinfonieta da ESMAE, e Ensemble da Universidade Católica do Porto.
XM – Gostávamos que nos falasse agora um pouco do Duo Pourquoi Pas (Flauta e Guitarra), com o qual lançou um Cd... O que significa este projeto para a Raquel? Têm espetáculos agendados para breve?
R.L. – O Duo Pourquoi Pas É um projeto que iniciou já em 1999, ou seja, completamos os nossos 15 Anos de existência no próximo ano. O Duo tem‐se apresentado em diversas salas do país, nomeadamente no Europarque, Centro Cultural De Belém, Fundação de Serralves, Auditório Municipal de Gaia e Teatro Helena Sá e Costa. Colaborámos Várias vezes com a Cooperativa Árvore em cerimónias de lançamento de livros ou de homenagem a expoentes da literatura Portuguesa, como Eugénio de Andrade e David Mourão Ferreira. Contamos com um repertório muito variado, que inclui todos os períodos da história da música, e também com obras de compositores que escreveram para nós (temos, aliás, prevista a gravação de um cd com essas obras). Gravámos Já 2 cd's, de que falei anteriormente. Ficámos Também classificados como semifinalistas no Concurso Internacional Mauro Giuliani, Em Bari, Itália. Este Projeto tem um significado muito especial para mim, não só porque existe há tantos anos, mas também porque a relação que existe entre nós (o guitarrista, Augusto Pacheco, e eu) é uma relação de amizade que começou muito antes do duo ser sequer projeto.
XM – Ao mesmo tempo que realiza recitais a solo e em Música de Câmara em importantes salas do país e do estrangeiro tais como o CCB, Fundação Gulbenkian, Teatro Rivoli, Salle Gaveu em Paris, Ateneu de Bucareste, entre outros, ainda tem uma carreira enquanto docente. Como consegue conciliar tão exigentes tarefas? Onde se encontra a lecionar neste momento?
R.L. – Leciono na ESMAE, Escola Superior de Música e Artes do Espetáculo do Porto. Para conciliar todas estas tarefas, preciso de muita organização, e, essencialmente de programar tudo com muita antecedência. É necessário aprender a utilizar muito bem todo o tempo que temos, para conseguir aproveitar ao máximo todas as oportunidades.
XM – Em 2011, A Royal Academy of Music de Londres concedeu-lhe o prestigiado título de Membro Associado "ARAM". O que sentiu nesta altura? Com quem partilha mais esta conquista?
R.L. – Senti uma grande honra... Ficar associada a tal instituição de excelência é um privilégio. E isso foi possível graças a todos os professores que participaram em toda a minha formação enquanto flautista, bem como a minha família, amigos, e o meu marido, com apoio incondicional.
XM – Muito obrigado, mais uma vez, por esta partilha. Tem projetos para um futuro próximo que queira revelar junto dos nossos leitores?
R.L. – Eu é que agradeço uma vez mais a oportunidade que me foi dada. Como Projetos futuros, posso mencionar várias colaborações com a Orquestra Sinfónica da Galiza, Remix Ensemble, e Sond'Ar‐te Electric Ensemble, a gravação do CD Com o Duo Porquoi Pas, Projetos de música de câmara (incluindo a estreia do quinteto de flautas Éolia), A II Academia de Flautas de Verão, da qual sou uma das organizadoras, entre outros.
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