Entrevista a Ingrid Sotolarova, pianista e professora de piano.
Ingrid Sotolarova nasceu em Brno, República Checa e iniciou os seus estudos musicais aos seis anos da idade. Já tocou em países como a Grécia, Alemanha, Espanha, Portugal e República Checa. Atualmente trabalha como docente e pianista acompanhadora na Academia de Música AMVMS, em Guimarães, e como pianista acompanhadora – assistente convidada no Departamento da Música da Universidade do Minho e na ESMAE, no Porto. Ingrid Sotolarova encontra-se neste momento a fazer o seu Doutoramento em Artes Musicais na Universidade Nova de Lisboa.
XpressingMusic (XM) – A Ingrid ganhou em 1969 o Prémio do Concurso Nacional de Piano das Escolas Musicais Básicas da Checoslováquia. Foi o primeiro prémio da sua carreira?
Ingrid Sotolarova (I.S.) – Sim, foi o primeiro, tinha 11 anos e acho que foi quando decidi dedicar o resto da minha vida ao piano. Suspeito que foi porque logo depois disso, a minha mãe me comprou um brinquedo, um chocolate grande e levou-me a visitar a sua família em montes Tatras, na fronteira da Eslovaquia com a Polonia (o concurso decorreu em Bratislava e a minha mãe era eslovaca). Portanto, o prémio fez-me pensar que os músicos na sua vida se dedicavam principalmente a agradecer os aplausos, receber prendas e doces, e viajar. Mais tarde percebi que a verdade é mais perto do que disse Beethoven (1% de talento, 99% do trabalho e aplicação...)
XM – O "Prémio Beethoven" esteve presente na sua vida por mais do que uma vez. Conte-nos como foram estas várias experiências...
I.S. – A primeira experiência foi no ano 1972, quando fui finalista do Concurso do Prémio de Hradec de Beethoven (o Concurso tem o nome da cidade e castelo em Norte de Moravia, onde Beethoven foi convidado a viver algum tempo pelos condes Lichnovski). Foi a última edição internacional deste concurso destinada aos países do antigo Bloco de Este- como p.ex. Checoslovaquia, Bulgaria, Hungaria, Alemania de Este, e também Polónia. Assim aconteceu, que o vencedor absoluto de todas as categorias, foi um pianista polaco de 15 anos, deixando a todos literalmente atónitos com a sua virtuosidade, expressividade, e absoluto domínio do piano e de todos os estilos musicais... O seu nome era Krysztian Zimmermann.
Nos anos de 1976 e de 1981, já na edição nacional, obtive o 3º prémio com o Prémio da melhor interpretação da obra contemporânea (P.Eben-Toccata in Des) e Menção Honrosa, respetivamente. Lembro-me, que neste último ano, a Sonata de Beethoven, escolhida por mim, foi Appassionata – e na noite anterior à 2ª eliminatória eu fui ver a estátua de Beethoven, situada na floresta perto do castelo; ia explicar-lhe, que gostaria mesmo muito passar a 3ª eliminatória, mas não tive tempo, porque de repente, começou uma tempestade, o céu escureceu, apareceram os relâmpagos e mal cheguei ao hotel onde estávamos alojados, começou chover com muita força. Evidentemente, fiquei muito inspirada para tocar a Appassionata, (porque como sabem, Beethoven tomou a inspiração para compor esta sonata, na "Tempestade" de Shakespeare), no dia seguinte, passei a última eliminatória, e nunca mais tentei falar com estátua nenhuma (risos).
XM – Depois de ter obtido o diploma de professora de piano e de pedagogia no Conservatório Estatal de Música de Brno em 1978 continuou os seus estudos na Academia Superior das Artes Musicais (JAMU) também em Brno, com a professora Inessa Janichkova que tinha sido discípula de Heinrich Neigaus. Foi importante para a Ingrid ter passado pela classe de Inessa Janichkova?
I.S. – Sim, a professora Janichkova (1938-2010), foi sem dúvida quem mais influenciou a minha vida artística e a atividade docente e de concertista, que estou desenvolver já há mais de 30 anos. Primeiro na minha terra natal, e mais tarde em Espanha (Galiza) e Portugal. Sem exagerar, posso dizer que quase não passa um dia sem que me lembre dela, bem como, dos meus pais. Foi uma pessoa, para quem não chegava a formação completíssima obtida no Conservatório Superior de Saint Petersburgo e posteriormente em Moscovo em mestrado com H. Neigaus. Ela estudou toda a vida as diferentes escolas e métodos, embora fosse, como às vezes nos dizia, para saber o que decididamente não devíamos de fazer. O seu método, além de seguir a escola russa, foi elaborado a partir dos conhecimentos de vários métodos desenvolvidos mundialmente e com base na longa experiência docente. Eu estou a tentar transmitir alguma da sua sabedoria aos meus alunos, e a mim mesma – o facto de poder tocar muitas horas diárias sem apanhar uma tendinite, agradeço a ela. Isto sói para dar um exemplo.
XM – De 1983 a 1992 trabalhou como pianista acompanhadora e membro da Orquestra da Ópera Nacional de Brno acumulando ainda o cargo de Assistente Especial no departamento de Cordas e Canto de Ópera na Academia Superior das Artes Musicais. Foram anos de intenso trabalho? Porque decide, depois de todos estes anos, prosseguir a sua carreira em Espanha e em Portugal?
I.S. – Foram, antes de tudo, anos da aprendizagem, tendo a sorte de conhecer muitos artistas e profissionais de renome e trabalhar com eles, especialmente em Teatro. Foram a minha autêntica paixão. Depois da queda do Muro de Berlim e, consequente com o fim do regime socialista-comunista no meu país e no resto do antigo Bloco Este, as condições económicas mudaram abruptamente para nós, e muitos músicos procuraram emprego nos países economicamente mais avançados. A minha primeira intenção foi procurar trabalho de pianista no Teatro de Hannover, mas afinal isto não aconteceu, entre outras razões, pela minha situação pessoal. Quando aceitei a proposta laboral no Conservatorio Mayeusis Vigo, foi com certeza, por ter o meu filho de 8 anos comigo. A decisão não foi fácil, mas naquele tempo necessária.
XM – Entre os anos de 1998 e 2010 foi pianista acompanhadora nas Escolas Profissionais Artísticas do Viana do Castelo, EPMVC, e de Vale do Ave, ARTAVE. Gostou destas experiências?
I.S. – Sim gostei, foi um primeiro encontro com um tipo de ensino diferente daquele que conheci em Espanha e que, com a sua intensidade e exigência, me lembrava mais o ensino musical na minha terra. Foi também uma oportunidade de ampliar o repertório dos instrumentos de sopro, o qual acho que conheço já quase completamente e que foi o último para completar a minha experiência profissional, depois de ter acompanhado canto, todos os instrumentos de corda, o balet e coros e de me apresentar várias vezes como solista. Também nestas escolas tive oportunidade de trabalhar com muitos bons profissionais portugueses e estrangeiros e aprendi muito com eles. Finalmente decidi mudar a minha residência de Espanha para o Portugal porque na altura preferi ser acompanhara em vez de professora e isso só foi possível aqui, em Portugal. Atualmente dou também aulas e gosto do trabalho docente da mesma maneira como o de acompanhar. É uma maneira diferente de aprender e de crescer. Por vezes, os alunos sabem nós situar perante o espelho...
XM – Como surgiu a oportunidade de, em 2003 se tornar a pianista titular do Coral Casablanca del Círculo Mercantil de Vigo?
I.S. – Depois da pianista anterior, que foi Cristina Garcia Lomba, deixar o cargo, convidaram-me a mim, até porque já tinha feito uma substituição de 3 meses, em 1994 e o diretor Oscar Villar Diaz lembrou-se novamente de mim. Desempenhei o lugar de pianista titular até este ano 2013, e foi uma experiência maravilhosa. O Coral Casablanca e o seu diretor apresentam um alto nível artístico, sendo convidados para concertos por toda a espanha (Madrid, Oviedo, Ourense, Corunha, Ponferrada e toda Galicia),são galardoados entre outros, com a Medalha de ouro da Real Academia Galega das Artes.
XM – A sua vida continua com enorme intensidade pois atualmente trabalha em três instituições de ensino... Como consegue conciliar o trabalho que desenvolve na Academia de Música AMVMS, em Guimarães, no Departamento da Música da Universidade do Minho, em Braga e na ESMAE, no Porto com o Curso de Doutoramento em Artes Musicais na Universidade Nova de Lisboa?
I.S. – O certo é que é precisa muita organização e às vezes compreensão e boa vontade dos colegas e superiores, (neste sentido tenho verdadeira sorte) e que funcione bem o carro! No entanto, neste momento, o mais complicado é a parte administrativa... os trabalhos são três, e os papéis que necessitaos de preencher para isso, trinta ou mais! Mas, acho que quando trabalha se com a paixão – (e eu gosto imenso tanto do meu trabalho, como do projeto de investigação - penso que no campo da música e dos músicos, há ainda muito que descobrir desde os numerosos pontos da vista, sejam psicológicos, históricos, sociológicos e/ou outros), arranja-se tempo para tudo. Tem que se arranjar tempo..., porque também ainda gosto de subir ao palco as vezes... (risos)
XM – Agradecemos o tempo que dedicou a esta nossa entrevista e, para terminar, deixamos aqui uma questão/desafio... Qual a característica que mais admira nos músicos portugueses?
I.S. – Obrigada pela vossa atenção e pelo espaço que me dedicaram. O que admiro nos músicos portugueses? A incansável vontade de aprender e de trabalhar, e saber cultivar a grande tradição musical do seu país... e a humildade. Eu encontrei-me aqui em Portugal com verdadeiras estrelas, tanto alunos, que constantemente ganham prémios em concursos nacionais e internacionais, como os seus professores, com ampla experiência docente e formação invejável e completa, alguns deles diplomados pelas melhores instituições de ensino musical da Europa, e por vezes fico surpreendida quando estou a pronunciar o meu reconhecimento ou como dizem aqui, elogiar a alguém... e custa-lhes acreditar nas minhas palavras... Acho que, sobretudo nos últimos tempos, pode-se observar uma expansão dos músicos portugueses pelo mundo, e isso é uma das razões pela qual me alegro de ter escolhido finalmente este país para viver e trabalhar. E as outras razões são... história e natureza. Há lugares lindos de morrer em Portugal.
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