Raquel Queirós. XpressingMusic entrevista a jovem violinista de Viana do Castelo.

Raquel QueirósRaquel Queirós iniciou os seus estudos musicais muito nova, em 1982, e desde aí nunca mais parou. Da sua formação fizeram parte instituições como a Academia de Música de Viana do Castelo, a Escola Profissional e Artística do Vale do Ave, mais conhecida como ARTAVE, a École Supérieure de Musique de Sion na Suíça e a Royal Academy of Music, em Londres. São também vários os prémios e distinções conquistadas. Nesta entrevista ficaremos a saber um pouco mais sobre a vida de Raquel Queirós e sobre o seu pensamento relativamente ao ensino da música em Portugal, bem como relativamente às oportunidades existentes no nosso país para absorver os inúmeros talentos que estão a aparecer oriundos de uma geração corajosa, motivada e persistente que tem apostado na formação como base para uma carreira sólida.

XpressingMusic (XM) – Raquel, muito obrigado por ter aceitado o convite do XpressingMusic. Foi em 1982 que tudo começou, sendo o piano a sua primeira escolha... Recorda-se dos objetivos que tinha nessa altura da sua vida? Sonhava já com uma carreira no mundo da música?

Raquel Queirós (R.Q.) – Gostaria, antes de mais felicitar o trabalho do XpressingMusic e agradecer o convite para a entrevista que é com grande prazer que aceito fazer!

Desde muito pequena que a música faz parte da minha vida... Em pequenina, como todas as crianças, cheguei a ponderar outras profissões mas apenas a música subsistiu.
Venho de uma família de amadores da música. O meu avô materno tocava violino (a nível amador) e muitos dos meus tios tocavam algum instrumento ou pegavam em qualquer um e facilmente reproduziam músicas de ouvido.
Esse gosto pela música levou a minha mãe a inscrever a minha irmã mais velha no piano.
Como grande parte dos irmãos mais novos... eu também imitava a minha irmã tentando tocar de ouvido as músicas que ela estudava em casa. E foi aos 5 anos de idade que iniciei os meus estudos de música na Academia de Música de Viana do Castelo.

XM – O que a leva a optar pelo violino em 1986?
Raquel QueirósR.Q. – Inicialmente foram as influências da família... A minha mãe tinha uma predilecção pelo violino, talvez por ter sido o instrumento escolhido pelo seu pai e aquele que mais ouviu durante a sua infância... Propôs-me então experimentá-lo, o que eu aceitei imediatamente.

Iniciei os meus estudos de violino com o professor António Soares.
Embora tivesse seguido os estudos de piano até aos 16 anos de idade, o violino tornou-se rapidamente o meu instrumento preferido. Ao início porque sentia mais facilidades e só tinha uma clave para ler!!! Mais tarde porque me identificava melhor com a sua sonoridade e, sendo um instrumento mais pequeno e que fica mais perto do corpo, fazia com que sentisse mais facilmente as suas vibrações dando então a sensação de poder usufruir de um maior controle para produzir o que desejava.

Pouco tempo depois fui selecionada para obter uma bolsa de estudo e entrar na classe do professor Tibor Varga e da sua assistente Chirin Lin.
Tibor Varga era um violinista e pedagogo de renome internacional que dava regularmente Masterclasses no Estoril e que, com o patrocínio da Secretaria de Estado da Cultura, fez uma seleção de alunos por todo o país com o objectivo de fundar uma escola em Portugal.
Desde as primeiras aulas, o professor Tibor Varga mostrou grande interesse em que eu continuasse os meus estudos com ele mas com maior regularidade propondo então aos meus pais que eu fosse estudar para a Suíça onde tinha a sua escola e recebia alunos de várias partes do mundo. Como seria de esperar, enquanto criança seria impossível sair do país. No entanto, após um ano, os meus pais aceitaram fazer a viagem à Suíça para que eu pudesse participar no seu Masterclasse. Foi então aos meus 10 anos de idade que lá fui pela primeira vez. Desde então participava nos seus Masterclasses com regularidade.
Entretanto o professor Tibor Varga deixou de vir a Portugal e um pouco mais tarde a sua assistente também.
Senti-me perdida e desorientada...

XM – Ir para a ARTAVE estudar com o Professor David Lloyd foi uma opção consciente na época?

R.Q. – Foi uma opção consciente!
O professor António Soares (que tinha sido o meu primeiro professor de violino), estando inteirado sobre a minha situação anteriormente referida, sugeriu então que fosse estudar para a ARTAVE. Pareceu-nos uma óptima ideia (para mim e para os meus pais) pois nessa altura já não conseguia imaginar-me a seguir outra profissão que não fosse a música e, sendo uma escola direccionada exactamente para aquilo de que gostava, pareceu-me perfeito.
Na altura não sabia que o professor David Lloyd seria o meu professor... Mas foi sem dúvida alguém que adorei conhecer! Excelente músico, excelente pessoa e sempre com uma energia incrível e contagiante!!
Foi também nessa escola que o meu gosto e interesse pela Música de Câmara aumentou! Agradeço isso aos dois professores que tive (Jed Barahal e Jaroslav Mikus) e aos colegas e grandes amigos que faziam parte do meu grupo e que partilhavam o mesmo gosto que o meu.

XM – Como surgiu em 1993 a oportunidade de ir estudar para a Suíça? Trabalhar com o Professor Tibor Varga deixou-lhe muitas marcas enquanto performer?

Raquel QueirósR.Q. – Posso dizer que o professor Tibor Varga foi quem mais me marcou nos estudos e influenciou enquanto performer... Talvez uma das principais razões tenha sido o facto de ele exigir o máximo de mim desde pequenina o que fez com que eu tivesse levado os meus estudos da música com maior seriedade desde o início e a ter um grau de exigência para comigo própria mais elevado... Isso levou-me a segui-lo durante vários anos frequentando os seus Masterclasses até que, acabado o meu 9º ano na ARTAVE, com o consentimento e apoio dos meus pais, tomei a decisão de continuar os meus estudos na Suíça.
As despesas eram muitas e a maior parte das bolsas de estudo eram atribuídas apenas a alunos que já tivessem o Curso Superior concluído...
Com bastante insistência da parte da minha mãe, a Fundação Calouste Gulbenkian (que na altura também só atribuía bolsas a alunos com o Curso Superior) acabou por aceitar a minha participação na audição. Felizmente as regras foram alteradas e foi-me concedida a bolsa de estudo para a Suíça o que permitiu a continuidade dos meus estudos no estrangeiro.

As mudanças de país, de escola, de colegas, de língua... não foram nada fáceis ao início.
Não falava francês... apenas um pouco de inglês. Tinha um professor muito exigente e nada meigo! O nível dos colegas era muito elevado e o círculo bastante fechado o que me fez duvidar de mim e das minhas capacidades... O violino parecia-me bem mais difícil do que antes!!! Saudades dos meus amigos!!! Do tempo em Portugal.........
Mas tinha de me concentrar no objetivo que me levou para lá. Aprender mais... exigir mais de mim...

O tempo foi passando... Sentia-me cada vez mais segura de mim... o violino já não parecia ser o bicho-de-sete-cabeças como nos primeiros tempos... Fui fazendo novas amizades... Já falava e escrevia em francês tendo aprendido numa escola de línguas...
Também conheci e estudei com outros professores (grandes músicos) que foram igualmente muito importantes para mim como por exemplo o professor Gabor Takács-Nagy e o professor Paul Coker... fantásticos professores de Música de Câmara!
Tudo parecia estar a correr pelo melhor.
No entanto a situação da escola ainda não estava completamente resolvida... (o processo para a sua oficialização estava em andamento mas ainda não completamente concluído...)
Teria de procurar onde obter o meu diploma de licenciatura...

XM – Trabalhar com a Professora Lydia Mordkovitch em Londres foi outra grande oportunidade... Concorda?

R.Q. – Foi no Verão de 2001, no Estoril, que conheci a professora Lydia Mordkovitch no seu Marterclasse .
Desde logo adorei a sua personalidade, a sua energia, o seu estilo... Seria uma excelente professora para mim!! Após o Masterclasse, não tinha mais dúvidas! Era com ela que eu queria continuar a estudar!!
Voltei à Suíça para me despedir e fazer as malas... Um mês depois estava em Londres.

Um dos meus objectivos na Royal Academy of Music era obter a minha Licenciatura em Música. No entanto, a professora Lydia Mordkovitch julgou que, com o meu nível, seria mais proveitoso inscrever-me para um Diploma de Pós-Graduação. Foi então o que realmente acabei por fazer.

XM – Costumamos dizer que "bom filho à casa torna"... Foi o que aconteceu com a Raquel Queirós ao regressar em 2003 à École Supérieure de Musique de Sion onde estudou com o Professor Francesco de Angelis?

R.Q. – É verdade! Após ter obtido o Diploma de Pós-Graduação na Royal Academy of Music voltei para a Suíça.
A "École Supérieure de Musique de Sion" tinha finalmente sido oficializada. Visto ter frequentado e concluído várias disciplinas teóricas no Conservatoire de Musique de Sion, optei por concluir a minha Licenciatura na minha antiga escola.
O professor, Francesco de Angelis, era ex-aluno do professor Tibor Varga, 1º violino solo na "Orchestra del Teatro alla Scala de Milano".

XM – Quanto a concursos e prémios, há algum ou alguns que lhe mereçam uma distinção especial? Considera-os como o justo reconhecimento por todos estes anos de trabalho?

Raquel QueirósR.Q. – Nunca tive um espírito de competição... Para mim os concursos serviam apenas para fixar objectivos e para trabalhar mais e melhor. Quando me apresentava, o meu objectivo não era "ganhar o primeiro prémio" mas sim divertir-me, dar o meu melhor e sobretudo transmitir algo para o público...

Para mim todos os prémios foram muito importantes! Do concurso Júlio Cardona, do Jovens Músicos Portugueses, do concurso organizado pelos Lions Club... etc.
Para uma pessoa que nunca está plenamente satisfeita com o que faz (como eu), esses prémios eram particularmente importantes porque mostravam-me que havia pessoas que gostavam do meu trabalho, que acreditavam em mim e isso motivava-me para seguir em frente e continuar a lutar.

XM – Ao longo da sua constante e ininterrupta formação já trabalhou com professores como Lydia Mordkovitch, Zakhar Bron, Ana Chumachenko, André Gousseau, Gabor Takacs-Nagy, Tibor Varga, Francesco de Angelis, Jean-Jacques Kantorow e Victor Pikaisen. O que é que cada um destes nomes lhe acrescentou enquanto performer e estudiosa desta área do conhecimento?

R.Q. – Cada um destes professores com quem tive a honra de poder ter trabalhado deixaram alguma marca em mim. Todos eles acrescentaram algo ao meu conhecimento tanto a nível técnico como musical. Ajudaram-me também a adquirir uma maior abertura de espírito e a conseguir ver as coisas com perspectivas diferentes... não tudo apenas a preto e branco.
Todos eles são (ou foram) pessoas excepcionais, com vivencias interessantíssimas e que muito me transmitiram das suas experiências e sabedoria!!

XM – Como solista, há concertos que certamente a marcaram e não deixarão um dia de constar do seu "livro de memórias"... Pode partilhar com os nossos leitores alguns desses momentos?

R.Q. – Vários concertos ficarão para sempre na minha memória como por exemplo um em que tocava o concerto para dois violinos de J. S. Bach com um colega e ter ficado sem cerdas no arco a meio do concerto...!! Ainda continuei a tocar durante alguns segundos mas vendo que era completamente inaudível o que fazia apenas com a vara, parei e ri... O público aplaudiu...
Este terá sido o ultimo dia com apenas um arco na minha caixa de violino!!

Outro que não esquecerei foi a primeira vez em que toquei a solo com orquestra. Aquele receio de me sentir intimidada ou de me perder... Mas felizmente foi completamente o oposto e uma sensação incrivelmente boa!!

Mas sem dúvidas que os melhores concertos que tive foram aqueles que não me lembro... Aqueles em que começo a tocar e quando acabo não me lembro de nada do que se passou ou do que fiz e fico surpreendidíssima de tudo ter passado tão rápido!! Aqueles em que entrei num outro mundo onde só existia eu e o som do meu violino... Que tanto podia chorar como rir esquecendo completamente um público que me observava...
Como explicar......? A melhor sensação do mundo!!

XM – O mesmo se passará certamente nos seus concertos com orquestra...

R.Q. – Sim, também tive concertos inesquecíveis com orquestra...
Um que jamais esquecerei foi o concerto organizado com os alunos e ex-alunos do Professor Tibor Varga em sua memória onde interpretamos um arranjo para orquestra do quarteto "A morte e a donzela" de F. Schubert!! Um momento... muitíssimo intenso!

XM – Para além da Raquel Queirós performer, existe a professora... O que tenta mostrar aos seus alunos no sentido de os incentivar para uma carreira futura?

Raquel QueirósR.Q. – No ensino eu tento arranjar soluções para que os alunos possam obter rapidamente bons resultados e com maior facilidade.
Também gosto de associar a música a outras artes para ajudar a desenvolver a sensibilidade, criatividade e imaginação dos alunos. Como por exemplo o teatro. Como poderia inventar e interpretar diferentes histórias, com diversos caracteres numa mesma frase musical... e como o corpo reagiria em cada uma das situações...
Associo igualmente com a pintura... a dança... etc.
A história também é bastante importante. Não entro na matéria de maneira exaustiva mas certos factos e acontecimentos ajudam a perceber melhor o estilo das músicas e das épocas dos compositores.

XM – Considera Portugal um país pequeno para tantos talentos que têm aparecido nestes últimos anos?

R.Q. – Portugal sempre foi um país com muitos talentos... já o professor Tibor Varga afirmava. Infelizmente nem todos eram bem aproveitados... Penso que é nessa questão que reside a grande diferença entre o antigamente e estes últimos anos.
Portugal tem vindo a desenvolver muito a nível cultural.
Com o lançamento das escolas Profissionais e com o desenvolvimento do ensino artístico especializado criaram-se grandes oportunidades para muitos jovens.
Tem existido igualmente um maior intercâmbio com outros países e outras culturas, maior abertura para o mundo e muito também graças às novas tecnologias de informação e comunicação.

Talvez Portugal seja um país pequeno para tantos talentos mas sendo a música uma linguagem universal, em Portugal ou fora, penso que há lugar para todos.

XM – Muito obrigado mais uma vez por nos ter dedicado parte do seu precioso tempo. Há projetos futuros que possam ser partilhados com os nossos seguidores?

R.Q. – Quando voltei para Portugal ainda não tinha planos bem definidos... Apenas sabia que gostava muito de ensinar e tocar violino, claro!
Comecei a trabalhar como professora na Academia de Música de Viana do Castelo e pouco depois na Escola Profissional de Música da mesma cidade.
Gostava muito das escolas e dos alunos... mas algo faltava. Uma vida artística mais ativa!
Decidi então mudar-me para Lisboa em busca de mais oportunidades...
O meu desejo é tocar, tocar e tocar! Fazer muita Música de Câmara e orquestra... sem deixar por completo o ensino.
Penso estar no bom caminho! Pelo menos espero muito que sim pois adoro Lisboa!!!

Raquel Queirós

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