Entrevista ao Clarinetista, Maestro e Compositor, Luís Carvalho

Luís CarvalhoO nosso entrevistado distingue-se como um dos mais versáteis músicos portugueses da sua geração. Tem-se apresentado um pouco por toda a Europa, Norte de África, Médio-Oriente e Ásia, tanto em recitais como em concertos, muitas vezes estreando as suas próprias obras e de outros compositores contemporâneos portugueses e estrangeiros. Luís Carvalho aparece em cerca de uma vintena de CD's, quer como clarinetista, maestro ou compositor, e em etiquetas como NUMÉRICA, CASA DA MÚSICA, AFINAUDIO ou PUBLIC ART. Muitas têm sido as distinções atribuídas a Luís Carvalho que dirige várias das mais importantes orquestras portuguesas. Falamos de orquestras tais como a Nacional do Porto, a Sinfónica Portuguesa, a Metropolitana de Lisboa, a Orquestra do Algarve, a Filarmonia das Beiras, a Orquestra de Câmara Portuguesa, a Sinfónica da Póvoa de Varzim, a Sinfónica da Universidade de Aveiro, a Sinfónica da ESART ou a Orquestra Clássica de Espinho. Também no estrangeiro aparece em concertos com várias orquestras de Rússia, Itália, Hungria, Espanha e Finlândia.

XpressingMusic (XM) – Agradecendo obviamente ter aceitado o nosso convite para esta entrevista ao XM, começamos por lhe perguntar se se lembra da altura da sua vida em que se começou a interessar pela música. Que idade tinha? Qual o primeiro instrumento musical que sonhou aprender?

Luís Carvalho (L.C.) – Comecei a andar na música por um mero acaso... Não tenho antecedentes musicais, à exceção de um avô que tocava numa daquelas fanfarras de bombos... Por volta dos meus dez anos, a zona onde eu vivia começou a ter alguns problemas relacionados com droga e outros problemas sociais. Assim, a minha mãe, numa tentativa de me afastar de más companhias ou de algumas perigosas tentações, Luís Carvalhoresolveu meter-me na música como forma de ocupar o meu tempo. Uma coisa mesmo de mãe... Eu estava na escola primária e havia uma colega da minha turma que andava na escola de música da Banda de Ramalde que era uma banda aqui do Porto que entretanto já não está em atividade, creio eu... A Banda de Ramalde tinha uma escola de música muito perto de minha casa pois eu vivia na freguesia de Ramalde, aliás, os meus pais ainda vivem lá. Durante muito tempo essa minha colega chateava-me a mim e à minha mãe dizendo "Ó Dona Luísa deixe o Luís vir para a Música!..." Mas eu não queria nada saber da música... queria era brincar. Entretanto a minha irmã, logo a seguir a mim - pois somos quatro irmãos sendo os dois mais novos gémeos – é que foi para a música com a minha colega. Eu não quis ir inicialmente... Foi então que a minha mãe utilizou uma "artimanha" que resultou muito... Como eu não ia para a música, não me deixava sair de casa. A partir desse momento, os meus sábados passaram a ser uma enorme monotonia pois enquanto os meus colegas iam para a música, eu ficava sozinho sem nada para fazer. Passado meio ano acabei por ceder e aceitar ir para a escola de música. Depois de entrar para a escola de música comecei uma espécie de corrida a galope... O Sr. Que estava à frente da banda de música, o Sr. Fernando Cunha, era músico militar e descobriu rapidamente que eu tinha talento para a música e começando no solfejo fui dando os primeiros passos também com uma flauta de bisel que ele me deu ao aperceber-se que eu tinha jeito para tocar... Passados sete, oito ou nove meses deu-me um clarinete para experimentar diretamente sem sequer me perguntar se eu gostava ou não gostava... Na altura, nas bandas, havia um pouco esta mentalidade, ou seja, se alguém tinha muita facilidade no solfejo, tinha que ir para clarinete porque era um instrumento que tinha que tocar muitas notas. Já se tinha pouca facilidade iria para trompa ou tuba que só fazem acompanhamento ou ainda se não tinha qualquer jeito para o solfejo, o mais certo era ir para a percussão... (risos). Voltando ao clarinete... Ele deu-me o instrumento para as mãos, explicou-me como se tocava e disse-me "Sopra"! Eu soprei e saiu logo som. Foi assim que surgiu o clarinete na minha vida, não foi uma escolha minha... No clarinete avancei muito rápido, começando a tocar na banda de música passado meio ano. Depois foi o percurso normal 3º clarinete, 2º clarinete e no terceiro ano deu-se um escândalo passando diretamente para solista, chefe de naipe, 1º clarinete... na altura tinha uns catorze, quinze anos...

XM – Nomes como António Saiote e Fernando Lapa, foram muito importantes para si? Sente que lhe deixou marcas a convivência com estes mestres?

L.C. – Absolutamente. Antes de mais por o professor António Saiote ser o clarinetista que é e formar a escola que formou... É um nome incontornável da música portuguesa. Não só como clarinetista pois é um grande músico. Ele é intrinsecamente músico, como costumo dizer... Há pessoas que não têm que pensar muito para fazer música e o professor António Saiote é um deles. Ele tem o enormíssimo mérito de criar uma coisa que não havia antes, ou seja, uma escola de clarinetes. Antes do professor Saiote havia algumas pessoas que tocavam bem clarinete... professor Américo Aguiar, que morreu recentemente e foi solista da Orquestra do Porto durante dezenas de anos. Também em Lisboa havia um ou dois casos mas eram casos pontuais. Tal como o professor Saiote seriam intrinsecamente músicos, ou seja, não necessitariam de uma escola para serem os clarinetistas que foram. Não havia uma sistematização, não havia uma escola ou um grupo alargado de gente que tocasse toda muito bem. O grande mérito do professor Saiote é esse no clarinete. Ele cria uma escola de tocar clarinete. Não é necessariamente uma única forma de tocar clarinete. Às vezes descreve-se "escola" como um conjunto de pessoas a tocar, todas da mesma maneira... A escola do professor Saiote tem um sentido mas não toca toda a gente de maneira igual. Esse foi o grande mérito dele.
Fernando Lapa marcou-me muito no campo da composição. Foi com ele que comecei a estudar composição no conservatório. É uma pessoa de um trato e de uma amabilidade sem limites. É um professor dedicadíssimo, fazendo tudo para ajudar os alunos. É um grande compositor, escreve muito bem, tem paciência com os alunos indicando-lhes caminhos. É o exemplo do professor dedicado e que orienta. Se me permitir, digo-lhe ainda que na área de direção, um nome que me marcou foi Jorma Panula na área de direção de orquestra mas isso já foi um pouco mais tarde quando andei pelo estrangeiro a estudar.

Luís CarvalhoXM – Que sentimentos se apoderaram de si, quando em 1994 lhe foi atribuído o «Prémio para o melhor aluno do curso» da ESMAE?

L.C. – É um reconhecimento... Isso aconteceu logo no meu primeiro ano em que terminei com a melhor média. Foi naturalmente uma honra e o constatar que valia a pena o esforço. Este é um prémio que eles atribuem todos os anos, havendo sempre um aluno que é distinguido mas, mesmo assim, é sempre uma honra, um reconhecimento...

XM – Mas outros nomes foram entrando na sua vida e nas suas aprendizagens... Jorma Panula, Jesus López-Cóbos, Arturo Tamayo, Luis de Pablo, e Magnus Lindberg. O que é que absorveu de cada um deles? Podemos dizer que o Luís Carvalho que hoje temos é o resultado da sobreposição ou da justaposição de todas as experiências daqui advindas?

L.C. – Sim, claro, com certeza. Sempre fiz questão de ir aprendendo e ir absorvendo experiências das mais diversas. Nós só evoluímos se recebermos várias influências. Não podemos ir por um só caminho. Temos que seguir os vários caminhos para um dia seguirmos o nosso próprio caminho. Todos esses nomes estão ligados, uns à área da composição, outros à da direção de orquestra... São nomes com os quais eu convivi em cursos, em master classes, e dos quais fui tentando absorver quais as suas posturas perante a música, quais as perspetivas deles. No caso dos compositores, analisei as suas obras, ouvi os seus conselhos, ouvi as suas opiniões e dentro disto tudo, fiz como quem cozinha, ou seja, vão-se colocando os ingrediente todos para dentro de uma panela e no fim sai uma perspetiva que é a minha e que é naturalmente influenciada pelas várias vivências que fui tendo.

Luís CarvalhoXM – Já são muitos os prémios conquistados, tanto como clarinetista, como compositor... Há algum, ou alguns que destaque em particular?

L.C. – Todos os prémios constituem momentos especiais... É claro que há alguns que são de destacar... Quando fui nomeado em 2012 pela Sociedade Portuguesa de Autores (SPA) pela minha peça Nise Lacrimosa, foi um momento especial por ser um reconhecimento nacional onde só são escolhidas três pessoas das quais só uma receberá o prémio. Eu não recebi o prémio mas só o facto de me encontrar neste grupo tão restrito de três nomes. Esta nomeação foi importante ainda para mais tendo em conta que o nosso país é tão centralista e que é tão difícil penetrar em Lisboa. Depois posso ainda referir um 1º prémio, este já em 2001 no Concurso de Interpretação do Estoril, o que me proporcionou a oportunidade de tocar com várias orquestras a solo como a Orquestra do Porto, Orquestra das Beiras, Orquestra Sinfónica Portuguesa... E mesmo no âmbito da direção de orquestra foi também importante ter sido já selecionado por duas vezes para figurar entre os vinte concorrentes, de entre de centenas de candidatos, ao Concurso Internacional de Direção de Orquestra Jorma Panula na Finlândia. Isto dá muito trabalho mas depois tem um "sabor" muito especial.

XM – Quando atua enquanto clarinetista, sente algum conflito interior entre o que interpreta, segundo a direção de outro maestro, e o "como gostaria que a obra que interpreta fosse dirigida"?

L.C. – Desde que me comecei a dedicar mais à direção de orquestra, enquanto clarinetista passei a atuar em grupos de câmara, portanto grupos mais pequenos onde não existe formalmente um maestro... No entanto, no início ainda chegaram a andar estas duas realidades lado a lado. Mas para mim é muito claro que quando estou a tocar, estou a tocar e quando estou a dirigir, estou a dirigir e quando estou a compor, estou a compor... Embora estas atividades possam estar justapostas, nunca podem estar sobrepostas. Neste momento dedico-me mais à composição e à direção tendo ficado o clarinete um pouco mais de lado. De qualquer forma, por vezes toco clarinete em pequenos projetos de música de câmara ou em concertos da Universidade de Aveiro onde sou docente. Voltando ao início posso dizer que quando estou a tocar tenho que respeitar o maestro e quando estou a dirigir espero que me respeitem a mim.

Luís CarvalhoXM – É fundador e diretor artístico/musical da Camerata Nov'Arte. Este é um projeto muito pessoal?

L.C. – É um projeto muito pessoal! A ideia partiu de mim em 2011 cá no Porto, naturalmente com um grupo de colegas meus, músicos que se juntaram a mim para fazermos o grupo. O grupo não tem uma formação fixa, ou seja esta adapta-se aos projetos e aos reportórios. A nossa estreia aconteceu em 2011 em Alcobaça onde estreámos também uma nova versão da Canção da Terra de Mahler para vinte músicos. Este ano, em julho, estivemos em Paços de Brandão no Festival Internacional, com 14 músicos, mas por exemplo, ainda há pouco tempo fomos ao Brasil só com seis ou sete músicos. Não temos uma formação fixa porque nos adaptamos a cada projeto e a cada momento. No caso do Brasil por uma questão de viagens e logística tivemos que nos adaptar levando uma formação mais de câmara e correu muito bem. A digressão teve muito sucesso. Este é um projeto muito pessoal, um sonho meu muito antigo que consistia em formar um grupo que pudesse começar a crescer, o que não tem sido uma luta fácil pois, em Portugal, não há apoios, o mercado está um pouco saturado, há poucas oportunidades para tocar, há cada vez mais e melhores músicos mas temos conseguido fazer coisas... Temos já projetos para o futuro. Enfim, é um projeto pessoal que acarinho muito...

XM – Considera que existe uma desproporção entre a formação de públicos e a formação de músicos? Temos mais do que públicos?

L.C. – Há um certo desfasamento entre os músicos e o público mas quando dão esse argumento para justificar a falta de investimento e de apoio à cultura é uma desculpa falaciosa. É um engano e um engodo porque o público também se forma e não se pode formar público se não houver oferta. Podemos ver o exemplo da Casa da Música que no início também tinha espetáculos com pouca gente e agora tem imensas casas cheias, ou seja o público também se cria, também se cria o hábito nas pessoas... Nós não estamos a formar músicos a mais. É certo que se fez um grande investimento nos últimos 20, 30 anos na formação musical em Portugal. A prova disso é a quantidade de jovens portugueses que estão a vingar lá fora. O Abel Pereira está na Sinfónica de Berlim, o Samuel Bastos é 1º Oboé da Ópera de Zurique, ou seja, os nossos músicos estão muito bem formados e isso é reflexo de um investimento efetivo que houve no ensino da música. As entidades competentes esqueceram-se do outro lado da questão. Se por um lado é preciso apostar na formação, por outro será necessário apostar nas oportunidades de trabalho. Por mas que se diga que a cultura é subsídio-dependente, está-se a colocar o foco no lado errado. A cultura deve ser considerada investimento e não despesa. Pois se fosse despesa também poderíamos dizer que a escola pública não tem interesse pois também é uma despesa. Não se pode considerar Cultura, Justiça, Saúde e Educação como gastos pois são investimentos no futuro senão vamos voltar ao século XIX...

Luís CarvalhoXM – Ser maestro titular da Orquestra Verazin (Póvoa de Varzim) implica uma dedicação muito assídua a este projeto. Como consegue conciliar em termos de agenda(s)? Qual a regularidade dos ensaios?

L.C. – Infelizmente, também por contingências inerentes ao orçamento, esta orquestra está parada agora... Esta orquestra surgiu como a Orquestra residente do Festival Internacional de Música da Póvoa de Varzim. Espera-se, e em conversa com o diretor do festival que é o Professor João Marques, fiquei com a esperança de que a partir de 2014 e com o apoio da Câmara Municipal da Póvoa de Varzim esta orquestra adquira uma maior regularidade. Infelizmente durante o ano de 2013 o projeto esteve completamente parado. A partir do momento que o projeto adquira uma maior regularidade, certamente exigirá uma dedicação grande pois a dedicação de um maestro titular não é só no momento de dirigir. Há que programar, é preciso pensar nas peças que se vão fazer, é preciso fazer programas e planificar. É também preciso pensar em orçamentos. Por exemplo, temos x músicos... com estes músicos o que é que podemos tocar?... Há muito trabalho antes dos concertos e antes de começar o primeiro ensaio.

XM – Ao longo da sua carreira tem acompanhado vários solistas de renome tais como o trompista Radovan Vlatkovic, o pianista Pedro Burmester, o fagotista Rui Lopes, o violoncelista Marco Pereira ou ainda os cantores Elsa Saque, Carlos Guilherme, Mário Alves, Rui Baeta, Susana Milena e Alexandra Moura. Quando olha para trás e vê tudo o que já fez, o que sente? Cansaço? Realização? Vontade de continuar e de produzir mais ainda?

L.C. – É um dilema para mim porque eu tenho o hábito de olhar mais para a frente do que para trás e, quando olho, penso que há muitas coisas que eu gostaria de ter feito e que ainda não fiz... Quando olho para o futuro vejo que ainda tenho tanto para caminhar... mas naturalmente quando olho para trás vejo que já fiz muita coisa. Sinto orgulho do que fiz e realização por o ter conseguido fazer, no entanto, sinto que a ambição pode ser um defeito ou uma qualidade, uma virtude, e eu sou ambicioso, não tenho qualquer problema em assumir isso e isso empurra-me para a frente na maior parte dos momentos. Mesmo nos momentos de dúvida a ambição ajuda-me a avançar. Sinto realização por já ter feito muitas das coisas que já fiz, no entanto sinto que ainda tenho tanto mas tanto por fazer...

XM – Sabemos que o repertório que aborda é vasto e eclético mas será que tem preferência por alguma época específica ou por algum compositor em especial?

L.C. – Eu costumo dizer que só distingo dois tipos de música. A música boa e a música má. Dentro disto gosto de todos os tipos de música. Até da música pop posso gostar desde que seja boa... Gosto muito da música do século XX até porque sou compositor... mas não gosto de toda a música do século XX. Há música que perdeu a noção do que é a arte. Alguma música tornou-se uma mera manifestação política. Não estou aqui a dizer que toda a música tem que ser bela e bonita. A música pode transmitir precisamente o sentimento contrário... pode transmitir angústia, pode transmitir tristeza, pode querer transmitir uma coisa horrível... A música não tem que ser bonita, o que a música tem que ser, passo a redundância, é musical. A partir que passa a ser um mero jogo de matemática, deixa de ter interesse. No entanto, as pessoas devem compreender que compor música é, em grande medida, um trabalho matemático que envolve várias contas. Não é esperar pelo momento da inspiração divina porque isso é uma coisa que não existe... ou Luís Carvalhoexiste?!? Pode sempre haver um momento de inspiração ou não... Eu costumo dizer que para compor, para tocar, ou para tudo o que tenha a ver com arte, tem que haver 5% de inspiração e 95% de trabalho. Pode haver um momento de inspiração mas sem trabalho, depois nada acontece. Parafraseando um compositor famoso, Tchaikovsky, quando lhe perguntavam se esperava pela inspiração, ele dizia: "eu trabalho das nove às cinco, se a inspiração aparecer, já sabe onde me encontrar!"

XM – E das obras que compôs? Destaca alguma em particular?

L.C. – Nise Lacrimosa é uma obra que me diz muito por várias razões. Primeiro porque foi uma encomenda do festival de um querido amigo que é o Alexandre Delgado que era diretor do festival e depois por ser uma obra para orquestra. É também especial por ser baseada na história portuguesa, ou seja, na história de amor entre D. Pedro e Dona Inês de Castro.
Outra obra que me diz muito é a obra que escrevi para orquestra de sopros Funtastic Variations que tem sido tocada por várias vezes. Ainda há pouco tempo foi tocada no Congresso Internacional Ibero-americano de Bandas em Valência – Espanha, também dirigida por um querido amigo Alberto Roque, foi tocada por uma banda espanhola. Esta obra está gravada pela Banda Sinfónica Portuguesa em CD, dirigida por mim. É uma obra muito difícil, que requer instrumentos diversos como contrafagote não estando ao alcance da maioria das bandas. É uma obra longa, cerca de 15 minutos, difícil, mas quando a escrevi, foi intencionalmente composta assim pois se quisesse fazer uma obra para a maioria das bandas também o teria feito. Eu queria fazer uma coisa diferente. Felizmente temos muitos compositores a escrever bem para banda, mas nesta minha obra eu procurei propositadamente um estilo diferente do mais habitual!

XM – Sente que a formação deve ser uma constante na vida de um músico?

Luís CarvalhoL.C. – Há um ditado português que diz que parar é morrer e há ainda outro que diz que o saber não ocupa lugar. A formação deve ser uma constante. Na altura que o fiz tinha toda a lógica fazê-lo. Neste momento estou a concluir o meu doutoramento, embora este seja também por uma obrigação profissional pois estou a lecionar na Universidade de Aveiro. De qualquer forma, mesmo que não estivesse a lecionar, não pararia de estudar pois para mim isso é uma constante. Eu estou sempre a estudar, quanto mais não seja, enquanto maestro tenho sempre obras novas para dirigir, enquanto compositor estou sempre à procura de nova música, de novos compositores... Se ouço uma obra que me agrada, vou logo à procura da partitura para perceber como a obra foi composta, enfim para estudar a obra, para perceber como resolveram certos desafios que por vezes nos aparecem quando estamos a compor... A aprendizagem e o estudo são portanto uma constante.

XM – O facto de se encontrar a lecionar na Universidade de Aveiro permite-lhe um contacto direto com os novos músicos em formação no nosso país. Sente que estamos um país muito diferente daquele do tempo em que estudou?

L.C. – Completamente. Eu faço parte de uma geração pós 25 de abril. Nasci em maio de 1974, logo não presenciei o que se passava antes mas só para terem uma ideia, quando eu fiz música de câmara no Conservatório do Porto havia uma peça que tínhamos que tocar e eu fiz a parte do oboé porque não havia nenhum aluno de oboé no Conservatório de Música do Porto, nem sequer havia classe de oboé... Fiz a parte do oboé no clarinete... Hoje em dia isso seria impensável. Até as bandas filarmónicas já têm oboés. A este nível, em trinta anos nós evoluímos mais de cinquenta. Se calhar gastou-se algum dinheiro e fizeram-se algumas loucuras mas o país não tem comparação com aquilo que éramos há trinta anos atrás. Estamos num paradigma completamente diferente e a música é tão-somente um espelho disso. Hoje em dia nós conseguimos ter orquestras só com músicos portugueses, algo impensável há vinte anos atrás. Hoje em dia temos gente a ganhar lugares em orquestras lá fora. Estamos num outro planeta.

XM – Neste momento encontra-se a realizar o seu doutoramento. O que se encontra a estudar neste momento?

L.C. – A 10ª sinfonia de Mahler. O objetivo deste meu doutoramento é criar uma versão da 10ª sinfonia de Mahler. Mahler quando morreu deixou esta sinfonia inacabada, deixou só em rascunhos. Existem neste momento já várias versões mas todas para orquestra sinfónica. A minha proposta é completamente diferente, ou seja, orquestrar a obra toda para um ensemble de vinte e um músicos. Uma coisa do género do que fazia Schoenberg no início dos anos vinte, ou seja, fazer versões de grandes obras sinfónicas para um grupo mais reduzido. Tendo em conta que a obra está inacabada, eu pego nos rascunhos de Mahler e transponho-os para este pequeno ensemble ao contrário do que fizeram outros até agora.

XM – Agradecemos mais uma vez esta oportunidade que nos deu de o conhecer melhor. Pode dizer aos nossos leitores onde é que o podemos ver em breve?

L.C. – Antes de mais, quero dizer que o prazer é todo meu, para mim é uma honra reconhecerem o meu trabalho. Fico muito agradecido por esta oportunidade por qua ao fim e ao cabo é uma forma de divulgar o meu trabalho, o que é muito importante para mim. No final do mês, a 28 de setembro vou estar em Lisboa no teatro São Carlos a dirigir a Orquestra Sinfónica Portuguesa num programa que inclui um concerto para clarinete de Mozart. Em novembro dirigirei o concerto de encerramento do Festival de Outono com a Orquestra da Universidade de Aveiro com a colaboração da Filarmonia das Beiras. Será um grande programa sinfónico. Em princípio será no Teatro Aveirense. No entanto as pessoas poderão ir acompanhando todas as novidades no meu site em www.luiscarvalho.com.

Luís Carvalho

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