Mário Barreiros em entrevista ao XpressingMusic
O nosso entrevistado desta semana provém de uma família de músicos. Irmão de Eugénio Barreiros e de Pedro Barreiros, muito cedo deu os primeiros passos no meio musical. Com apenas oito anos de idade integrou o grupo "Mini-Pop", formado pelo seu pai e irmãos. Este projeto musical gravou vários discos e foi uma das revelações do "Festival de Vilar de Mouros" de 1971.
Mário Barreiros é um músico Português polivalente e detentor de um enorme engenho reconhecido pelos seus pares. Seja como baterista ou guitarrista, professor ou produtor musical ou ainda como técnico de gravação, mistura e masterização, há qualidades e características transversais que o tornam único e fazem dele um dos mais requisitados talentos da música, em Portugal e não só.
XpressingMusic (XM) – Mário, agradecemos-lhe desde já ter aberto as portas do seu estúdio para nos receber para esta entrevista. A primeira questão que lhe queremos colocar prende-se com o facto de, ao longo de toda a sua carreira, ter criado, ou ajudado a criar tantos e tão prestigiados projetos. Podemos dizer que os Mini-Pop, os Jáfumega, o Sexteto de Mário Barreiros e a Escola de Jazz do Porto são marcos muito fortes na sua carreira? O que lhe "ensinaram" estes projetos que transporte ainda hoje para as suas produções e performances?
Mário Barreiros (M.B.) – Esse percurso tem sido a minha vida. Tenho feito trabalhos com muita gente para além daquelas que acaba de mencionar. Lembro-me que em 1985... por volta dessa altura... ainda antes do Mário Laginha fazer parte do quinteto da Maria João, fiz parte deste com o Carlos Bica, o José Peixoto... Também toquei com o José Peixoto e com o António Pinho Vargas nessa altura. Estou na música desde miúdo e tenho tido a sorte de trabalhar com artistas muito bons. Essa é que tem sido a mais-valia. Aprendi muito pelo facto de ter tocado com pessoas melhores do que eu.
XM – Ingressar no Conservatório de Música do Porto, para além de lhe ter trazido um aprofundamento dos seus conhecimentos musicais, trouxe-lhe a possibilidade de lidar de perto com músicos como o António Pinho Vargas e o José Nogueira. O que significaram, na altura, estes nomes para si?
M.B. – Ora bem... na altura, quando acabámos o Mini-Pop aí por volta de 76, durante dois anos até formarmos os Jáfumega em finais de 78 quisemos conhecer aquilo que nós considerávamos a melhor música e os melhores músicos do Porto, quando digo nós refiro-me aos irmãos Barreiros. Entre estes melhores músicos estavam naturalmente o António Pinho Vargas, o José Nogueira, o Álvaro Marques com quem viemos depois a tocar.
XM – Foi nessa altura que surgiu o interesse pelo Jazz e pela música de Elvin Jones e Tony Williams?
M.B. – Sim, sim... Desde miúdo que gosto de música Pop e Rock e continuo a estar ligado com muito gosto a essas correntes musicais mas, com 15 anos, portanto em 76, descobri o Jazz e fiquei maluco com essa música... ainda hoje é a musica que eu mais aprecio pelo engenho dos músicos. Os grandes músicos são verdadeiramente sensacionais.
XM – Admira-os pela criatividade? Pelo facto de improvisarem no momento?
M.B. – Sim... Sim também por isso. Mas isso só está ao alcance dos melhores... na minha opinião isso é claro. O Pop e o Rock são mais fáceis, portanto estão acessíveis a mais pessoas.
XM – Como surgiu a ideia de criar os Jáfumega? Quais os músicos que embarcaram consigo nesta aventura? O sucesso foi imediato?
M.B. – Nós, os três irmãos do Mini-Pop, passámos para o Jáfumega, juntaram-se o Álvaro Marques, o Luís Portugal e o José Nogueira. Quanto ao sucesso... não foi um fenómeno imediato pois o Jáfumega fazia uma música um bocadinho mais elaborada. Nós gostávamos muito da música de Steely Dan desde miúdos. Já no tempo dos Mini-Pop talvez fosse o nosso grupo favorito... meu e dos meus irmãos. O Jáfumega mistura vários tipos de música mas com esse refinamento, com esse tipo de subtilezas.
XM – Foram também buscar influências aos Police?
M.B. – Sim... sim... Os Police eram um grupo muito influente na altura.
XM – Como surgiu a oportunidade de integrar o Quarteto de António Pinho Vargas?
M.B. – Eu já substituía o José Martins ainda no Quarteto Zanarp. O António Pinho Vargas tinha um quarteto com o José Nogueira que se chamava Zanarp e o baterista era o José Martins, marido da Amélia Muge. Na altura, o José Martins mudou-se para Lisboa e tinha muitos problemas para vir aos ensaios e eu, aos poucos, comecei a substitui-lo. Foi assim que acabei por integrar o, mais tarde designado, Quarteto António Pinho Vargas. Durante quase 15 anos toquei com o António Pinho Vargas.
XM – Nos anos 80 tocou ainda com Rão Kyao e com o Sexteto de Jazz de Lisboa. Foram anos de intenso trabalho... Concorda?
M.B. – E continuam ainda ser hoje...
XM – Em 1990, 1991 e 1992 foi guitarrista e diretor musical de Rui Veloso e os "Otimistas" com quem gravou e produziu os álbuns "Mingus e os Samurais" e "Auto da Pimenta". Esta também terá sido uma experiência que nunca esquecerá...
M.B. – Foi uma experiência muito boa. Aliás, foi talvez a minha primeira experiência assim num fenómeno de sucesso e popularidade. Foi talvez o apogeu da carreira do Rui Veloso que é provavelmente o maior artista português.
XM – Como produtor, diretor musical e guitarrista, acompanhou Pedro Abrunhosa e os Bandemónio entre 1993 e 1997. Foram certamente 4 anos muito intensos entre o estúdio e os palcos. Hoje já não se mantém ligado aos projetos do Pedro Abrunhosa?
M.B. – Eu, depois de ter saído como guitarrista e diretor musical dos projetos do Pedro Abrunhosa nos finais de 97, produzi mais dois discos. Portanto... ele tem ao todo seis discos editados dos quais produzi quatro. Enquanto músico participei nos dois primeiros discos... Quando falo de discos, estou a falar de trabalhos de estúdio pois também existe um disco ao vivo chamado "Palco" em que eu também toquei... não estava a contar com este...
XM – Quando abriu com José Nogueira e Carlos Tê o estúdio Kasbah, estava a tentar fechar-se mais no campo da produção/gravação musical, ou o palco nunca deixou de estar presente na vida do Mário?
M.B. – O palco nunca deixou de estar presente pois eu gosto de fazer as duas coisas. Eu produzo oficialmente desde os discos dos Jáfumega... portanto os discos dos Jáfumega eram produzidos por mim e pelo José Nogueira. Depois a minha atividade como produtor realmente aumenta a partir dos anos 90. Produzi Rui Veloso, Pedro Abrunhosa, Clã, Ornatos Violeta, David Fonseca, Silence 4, uma série de grupos... começo a ser muito requisitado em meados dos anos 90. Eu já tinha um estúdio e sempre tive gravadores e passámos a ser autónomos enquanto produtores, eu, o Carlos Tê e o José Nogueira a partir de 97.
XM – Utilizando o chavão de que «por trás de um grande homem está sempre uma grande mulher» gostaríamos de lhe perguntar se a criação do Boom Studios, em 2001 em Canelas (Gaia), com a Isabel Dantas consistiu na efetivação dessa máxima...
M.B. – Sim isso é verdade. Ainda hoje temos uma sociedade que se chama "Chave do Som" que é dos dois... portanto continuamo-nos a apoiar muito.
XM – Reafirmamos o nosso agradecimento pela amabilidade demonstrada pelo Mário e pela Isabel, recebendo aqui no vosso espaço o XpressingMusic. Estamos quase a terminar mas queremos ainda colocar mais uma ou duas questões... Depois de ter produzido projetos musicais como os Clã, Ornatos Violeta, Silence 4, David Fonseca, Da Weasel, Xutos & Pontapés, Jorge Palma, GNR, Maria João e Mário Laginha, há algum nome da música portuguesa ou estrangeira que gostasse ou ambicionasse produzir?
M.B. – Claro... há muitos... o problema é que se disser um, vou omitir uma série de outros... Há muita gente de quem eu gosto. Aliás, aquilo que motiva e continuará a motivar são as coisas de que eu gosto e que não são feitas por mim. Eu faço o que posso e gosto muito do que faço mas o que me motiva são os outros. Há uma lista muito grande de coisas que eu gostaria de fazer... Este ano, por exemplo, produzi a Luísa Sobral. Gostei muito de a conhecer, gostei muito de trabalhar com ela e há muito mais gente por aí com qualidade. Estamos num país com qualidade e por esse mundo fora também há muita coisa boa e interessante para se produzir.
XM – Considera portanto que estamos a viver um novo momento mais descomplexado relativamente às nossas raízes culturais e musicais?
M.B. – Sim... isso é só um lado das coisas... Temos grupos como os Deolinda... Mas temos muito bons trabalhos noutros estilos. Música mais pesada, mais levezinha, mais acústica, mais eletrónica... Estamos a viver em Portugal um momento particularmente bom...
XM – A aprendizagem da música também mudou... mais escolas... consequentemente mais músicos e mais qualidade... Concorda?
M.B. – Eu não sei se está melhor, se está pior... sobretudo continua a haver muita qualidade que... sempre houve, atenção!! E... sobretudo no Porto... o Norte tem essa característica. Hoje talvez esteja mais diversificado pelo país inteiro... mas o Porto... lembro-me disto desde miúdo. Estou a falar de há 45 anos atrás. O Porto sempre teve uma tradição de grandes músicos e de grandes grupos.
O 25 de abril foi muito importante pois a liberdade e o mundo moderno assim como a internet, foram fatores que nos aproximaram do mundo pois estávamos muito isolados... Antes do 25 de abril era muito difícil importar-se coisas. Pagavam-se taxas muito grandes. Era sempre um acontecimento quando um amigo recebia um álbum do Miles Davis. Agora tudo isso é mais fácil, pois está acessível a toda a gente. Penso que isto também tem muito a ver com o desenvolvimento que sentimos hoje na música. Mas tudo é proporcional. Pode haver muita gente a tocar mas são sempre poucos a tocar bem e isso já era assim antigamente. A música é como o desporto. Há muitos a praticar mas só alguns superam as marcas e vencem etapas.
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