XpressingMusic entrevista Sara Braga Simões
Sara Braga Simões tem no seu currículo vários prémios nacionais e internacionais. A seu respeito, a 'Opera Now' disse ser uma soprano de extensão impressionante enquanto a 'Opera Magazine' lhe atribui um desempenho excecional. Sara é o exemplo vivo da qualidade 'made in Portugal' que tantas vezes é esquecida em detrimento de outros valores vindos de fora. Nos próximos instantes tentaremos saber um pouco mais sobre a vida e carreira desta soprano portuguesa.
XpressingMusic (XM) – Sara, muito obrigado por ter aceitado dispensar um pouco do seu precioso tempo ao XpressingMusic. Sabemos que são vários os papéis que já desempenhou em Ópera. Poderemos destacar, a título de exemplo, Pamina (A Flauta Mágica), The Governess (The Turn of the Screw, Britten), Donna Elvira (Don Giovanni), Gretel (Hänsel und Gretel), Susanna (Le Nozze di Fígaro) e Despina (Così fan Tutte). A questão que lhe colocamos é se há algum ou alguns papéis que gostasse muito de interpretar e ainda não tenha tido oportunidade?
Sara Braga Simões (S.B.S.) – Tantos!! Nesta altura da minha carreira ainda sinto que tenho tudo por fazer, apesar dos vinte e tal papéis principais de ópera que já fiz!... Estou numa fase em que tenho sempre papéis novos para estudar… E ainda bem! Gostava de fazer a Adina do ‘Elixir de amor’, a Gilda do ‘Rigoletto’, a Elvira dos ‘I Puritani’… tantos, tantos… Tenho paixão por todos os que quero fazer e um carinho enorme por todos os que já interpretei… Todas as personagens que fiz deixaram as suas marcas, a sua impressão digital… e estou muito reconhecida por ter tido a oportunidade de as interpretar em palcos como o São Carlos, a Gulbekian, o São João, o São Luiz, por exemplo, e também lá fora em Inglaterra, França… Mas olho sempre mais além e quero sempre fazer papéis novos! Adoro a força da ópera… adoro interpretar personagens diferentes!
XM – Do que lemos sobre si, ficámos com a ideia de que o seu repertório concertístico é muito vasto, abarcando obras de compositores como Pergolesi, Vivaldi, Ravel, Mahler, Dvořák, Berlioz, Berio, George Crumb, George Benjamin... Tem alguma preferência especial por algum destes autores que acabámos de referir?
S.B.S. – Nunca consigo escolher um autor, uma época… Gosto de música e de todas as coisas bonitas que vivo através dela… Sempre fiz bastante música contemporânea, fruto um pouco da minha formação no Estúdio de Ópera da Casa da Música, que me proporcionou muitas experiências de concerto com o Remix-Ensemble – agrupamento mais vocacionado para este tipo de música. Esses concertos abriram portas para outros… e, por isso, a música contemporânea tem estado sempre presente na minha vida. Mas também adoro a elegância e a força da palavra no Barroco, a clareza, o equilíbrio e requinte do clássico, as sonoridades e os sentimentos exacerbados do romantismo, a densidade do Pós-romantismo, etc.… No fundo, sou uma privilegiada por não ter que escolher nada… faço um pouco de tudo, e ainda bem!
XM – Qual a obra que mais gostou de interpretar até hoje?
S.B.S. – É sempre a última ou a próxima… Ainda estou apaixonada pelo ‘Livro de Florbela op.42’ do Nuno Côrte-Real que interpretei com o Ensemble Darcos nos Dias da Música em Belém deste ano… O Nuno captou, em profundidade, as palavras de Florbela Espanca (poetisa que admiro muito) e traduziu-as numa música sublime… Fiquei absolutamente rendida!
XM – Ao ser convidada para estrear obras de compositores como João Pedro Oliveira, Nuno Côrte-Real, Luís Tinoco e Aubert Lemeland, sente que isso acontece por ser uma soprano especial e com características únicas?
S.B.S. – Não!?... Tive essa sorte!... A vida de um músico também se faz com um pouco de sorte, não é? Foi uma honra enorme… Estrear uma obra é sempre uma enorme responsabilidade! É a primeira vez que o público ouve aquela música, percebe? E eu carrego nos ombros esse grande peso… Ter a confiança de grandes nomes como o João Pedro Oliveira, o Nuno Côrte-Real, o Luís Tinoco, Aubert Lemeland, Pedro Amaral, Carlos Azevedo, Pedro Moreira - e de muitos outros - é algo que me deixa muito orgulhosa e feliz! Gosto do desafio que a música contemporânea me impõe, gosto de desvendar frases, harmonias, explorar sonoridades e recursos vocais… por vezes, implica um raciocínio mais matemático de que também gosto muito.
XM – Podemos dizer que 2010 foi um ano muito especial para a Sara ao participar na estreia absoluta da ópera O Sonho, de Pedro Amaral?
S.B.S. – Sim, foi muito especial… Foi um projeto fabuloso! A obra do Pedro era magnífica… E tive o privilégio de trabalhar com a London Sinfonietta, um dos agrupamentos top do mundo… Eram todos músicos fabulosos, inspiradores! Foi uma experiência profundamente enriquecedora! A estreia foi feita em Londres e, depois, fizemos uma segunda récita no Grande auditório Gulbenkian. Foi um desafio enorme porque era uma obra complexa, que implicava grande fusão entre as vozes de 3 sopranos: a minha, a da Carla Caramujo e a da Ângela Alves… Adorei fazer este trabalho com elas!
XM – Ser dirigida por maestros como Lawrence Renes, Martin André, Stefan Asbury, João Paulo Santos, Peter Rundell, Johannes Willig, António Saiote, Laurence Cummings, Ferreira Lobo, Cesário Costa, Marc Tardue, Osvaldo Ferreira, Pierre-Andre Valade, entre outros, é encarado por si de que forma? Considera que estas oportunidades devem ser rentabilizadas como momentos de grande aprendizagem?
S.B.S. – São pessoas com quem aprendi muito… pessoas que me deram muitas oportunidades. Como seres humanos, vamo-nos aperfeiçoando através da experiência e o contacto com estes e outros maestros ajudou-me muito a crescer como cantora.
Um músico está sempre a aprender, a absorver… Observar estas pessoas quando trabalham, a sua postura, os seus métodos só me fez crescer… Agradeço a todos o tanto que me ensinam sempre que trabalho com eles…
XM – Tem participado em gravações? Destaca alguma em particular?
S.B.S. – Os meus concertos são frequentemente gravados por produtoras ou rádios mas, para mim, continua a ser um concerto, uma ópera… e não uma gravação. Gosto de gravações ao vivo porque acredito que acontece algo especial no confronto com o público e que isso passa e se sente no som, na música... No que diz respeito a gravações de estúdio, ainda não tive muitas oportunidades de o fazer… Das experiências que tive, destaco a gravação que fiz das canções de Eurico Thomaz de Lima com o pianista Luís Pipa. São canções lindíssimas com uma escrita genial da parte do piano – porque este compositor era também pianista - que espero, sinceramente, que sejam editadas em partitura em breve…
XM – Nomes como Manuela Bigail, Rui Taveira, Peter Harrison e Elisabete Matos são certamente importantes para si. Atribui-lhes significados distintos?
S.B.S. – São os meus mestres… Todos tiveram a sua importância em momentos distintos da minha vida. Comecei com a Manuela Bigail no Conservatório de Braga, onde recebi os primeiros ensinamentos e muito incentivo! Depois ingressei na Escola Superior de Música do Porto onde estudei com o Rui Taveira. É um professor muito, muito especial que recordo com imenso carinho, por tudo aquilo que me ensinou… abriu-me horizontes, mostrou-me tanta coisa! Após o curso seguiram-se os 4 anos de formação na Casa da Música, instituição a quem devo muito. Foi o investimento que a Casa da Música fez em mim que me permitiu poder seguir o sonho de me tornar numa cantora profissional… Não podemos esquecer que um cantor, na maior parte das vezes, não sai ainda preparado de uma licenciatura (ou atualmente mestrado) para a vida profissional. Estes anos na Casa da Música vieram completar a minha formação: durante 4 anos, tive aulas diárias de Canto com Peter Harrison, fiz inúmeras masterclasses com os melhores especialistas e tive muitas experiências de palco com a orquestra Sinfónica Casa da Música e com o Remix Ensemble.
Depois desta formação, tive a sorte de conhecer a Elisabete Matos, que gostou da minha voz e se prontificou a dar-me orientação vocal regular. Aprendi e aprendo imenso com ela… aquilo que só uma cantora de topo como ela pode oferecer! A Elisabete, desde aí, tem estado sempre presente na minha vida. Mas não posso esquecer também a pianista Enza Ferrari, com quem preparo muito repertório…
XM – Trabalhar com Susan McCulloch, em Londres, é encarado pela Sara Braga Simões como uma grande oportunidade. Concorda?
S.B.S. – Fui trabalhar para Londres como uma forma de abrir horizontes, essencialmente… A Susan McCulloch é uma excelente pedagoga, com quem gosto de trabalhar regularmente. Ela é muito pragmática e, por vezes, preciso disso!
XM – Agradecemos mais uma vez a amabilidade demonstrada para com a equipa do XpressingMusic. Como última questão deixamos-lhe aqui dois pedidos. O primeiro prende-se com um conselho… Se pudesse deixar uma mensagem a todos os jovens que agora iniciam as suas aprendizagens na área do canto, que palavras deixaria? E por fim… Como caracteriza o atual momento que vivemos no âmbito da educação artística em Portugal?
S.B.S. – O conselho que dou é para que trabalhem muito, que se dediquem de alma e coração ao Canto, se é isto que realmente querem fazer! Não é uma vida fácil, exige muitos sacrifícios, mas também nada supera o prazer de estar em palco a cantar… Sejam persistentes, trabalhem com inteligência, ponderem e escolham bem os vossos caminhos!
No que diz respeito à educação artística… Eu acho que vivemos uma era de ‘boom’ artístico. Temos cada vez mais alunos nas escolas a estudar música e o nível está a subir muitíssimo. E ainda bem! Mas é preciso que esses alunos tenham horizontes cá dentro, também! Precisamos de maior investimento privado na cultura, à semelhança do que acontece em outros países europeus, para gerar mais trabalho e mais oportunidades para toda esta geração que se está a formar atualmente.
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