O Presidente da APEM, António Ângelo Vasconcelos, vem ao XpressingMusic partilhar um pouco do seu percurso e das suas inquietações relativamente aos tempos que vivemos no que concerne à música e à educação musical em Portugal.

Antonio VasconcelosAntónio Ângelo Vasconcelos nasceu em Vagos, Aveiro. Estudou música no Conservatório de Música de Calouste Gulbenkian de Aveiro e é licenciado em Ciências Musicais pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. É também Mestre em Ciências da Educação pela Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Lisboa. António Â. Vasconcelos é doutorado em Educação pelo Instituto de Educação da Universidade de Lisboa com a tese “Educação artístico-musical: cenas, atores e políticas”.

XpressingMusic (XM) – Começamos por agradecer a amabilidade demonstrada para com o XpressingMusic desde o nosso primeiro contacto. Uma primeira questão que gostaríamos de lhe colocar prende-se com a amplitude do seu trabalho. Sabemos que trabalhou como professor de música nos mais variados níveis de ensino, do pré-escolar ao ensino superior, da educação de infância ao ensino especializado de música. Este facto trouxe-lhe uma noção muito abrangente relativamente à Educação Musical, tanto ao nível das suas potencialidades como das suas fragilidades… Concorda?

António Ângelo Vasconcelos (A.A.V.) – Antes de responder à questão colocada, quero em primeiro lugar agradecer o convite para partilhar com os leitores do XpressingMusic algumas ideias e reflexões em torno da educação artístico-musical, nas suas várias vertentes e tipologias artísticas e formativas. Em segundo lugar quero felicitar a existência do XpressingMusic como espaço dedicado à música e ao seu ensino, ao trabalho investigativo e aos músicos, professores e investigadores. Como costumo afirmar, todos, e todas, somos poucos no contributo que é fundamental dar para o desenvolvimento das artes em geral e da educação artística na sociedade portuguesa contemporânea.

No que se refere concretamente à questão colocada, o facto de durante o meu percurso profissional ter abrangido vários níveis e tipos de ensino e de ter que lidar com diferentes tipos de constrangimentos, alguns dos quais ainda se mantêm, mas também de virtualidades, contribuiu decisivamente para ajudar a enformar a minha perspetiva atual sobre a relação música-educação-cultura. Perspetiva que posso sintetizar em cinco grandes planos interdependentes entre si.

O primeiro, é o de que as instituições de formação, quaisquer que elas sejam, não são apenas “centros de educação e ensino” mas também são “centros de cultura”, como escreve João de Freitas Branco, constituídas por redes e interações diferenciadas que caraterizam os mundos das artes e da educação artística em que participam diferentes tipos de atores e coexistem procedimentos diferenciados, muitas vezes paradoxais. Por outro lado, as atividades artísticas, culturais e formativas situam-se na fronteira entre o território social e comunitário e o território mercantilizado, entre o território das convenções e dos cânones e o território do indivíduo e da sua singularidade.

Um segundo, está relacionado com o facto de que a contemporaneidade artística, cultural e formativa é caracterizada por um conjunto alargado de fatores que passam pela individualização, diferenciação e pluralismo, não associados apenas a uma determinada classe social; pela multiactividade e intersetoralidade do exercício das profissões artística e docentes; pela multiplicidade de práticas, muitas vezes afastadas das suas tradições históricas; pela multicentralidade da vida cultural, artística e formativa, em que participam instituições e iniciativas diferenciadas, públicas, privadas e do terceiro setor.

Um terceiro assenta nacomplementaridade entre as instituições (escolas e organizações culturais e recreativas - públicas, privadas e do terceiro sector) e redes de artistas. Complementaridade que se perspetiva na confluência entre três dimensões principais: rede de escolas e de formações, articulação entre instituições recreativas e culturais e as redes de artistas.

Um quarto enquadra-se naquilo que designo por “singularidades diferentemente articuladas”. Isto é,o ensino artístico e musical enquadra-se num conjunto de ações que interligam (a) a formação propriamente dita, isto é, a aprendizagem de determinados códigos e convenções, técnicas, estéticas e artísticas, no âmbito interpretativo e criativo, (b) a investigação, a criação e a experimentação; (c) a contextualização diferenciada das diferentes tipologias musicais e os mundos políticos, sociais, culturais e artísticos que lhe estão associados (mesmo no âmbito de uma mesma tipologia musical); (d) a produção e realização de espetáculos de formatos e pressupostos comunicacionais diferenciados e muitas vezes realizados “fora” do âmbito estritamente escolar; (e) diferentes tipos de partenariados (formais e não formais, públicos, privados e do terceiro sector); (f) os mecanismos de receção das obras e dos espetáculos musicais.

De um outro modo, sob o ponto de vista da política artístico-pedagógico, e da pedagogia artística a educação e formação artístico-musical assenta na interligação entre diferentes saberes: saberes de natureza técnica (específica de acordo com os instrumentos em presença); saberes relacionados com a interpretação (apoiados na história das artes e na história da música); saberes relacionados com a criação e experimentação (apoiados na análise e compreensão das diferentes obras), saberes relacionados com a criatividade (apoiados no fomentar o pensamento divergente alicerçado em conhecimentos profundos de várias áreas do saber tecnológico, científico, artístico), saberes relacionados com os contextos de referência política, social, histórica, cultural; saberes relacionados com a apresentação pública, com a construção de um espetáculo, com as consequentes diferenciações em termos de comunicabilidade com os públicos diferenciados a que se destina, com a produção e difusão.

Por último, aquilo que eu designo por “localismo cosmopolita”.Isto é, das interdependências, singularidades e proliferação de sentidos e mundos diferenciados e, muitas vezes, distantes, apesar de próximos e conflituais, emerge a necessidade de encontrar formulações que permitam a convivialidade entre referências múltiplas, entre culturas que se interpenetram, entre diferentes “territórios de fronteira” e zonas de contacto, entre diferentes tipologias e géneros artístico-musicais e modalidades de ensino. Esta convivialidade implica uma “imaginação dialógica”, de que fala Ulrich Beck. Diz este autor que a “imaginação dialógica” corresponde “à coexistência de modos de vida rivais na experiência individual, o que torna inevitável a comparação, a reflexão, a crítica, a compreensão e a combinação de certezas contraditórias”. Enquanto “a perspetiva nacional é uma imaginação monológica, que exclui a alteridade e o outro”, a perspetiva cosmopolita é “uma imaginação alternativa, a imaginação de modos de vida e racionalidades alternativas que incluem a alteridade do ‘outro’. Ela coloca a negociação de experiências culturais contraditórias no centro da atividade política, económica, científica e social” (p. 18).

E, neste contexto, defendo a localização da política e da ação educativa, artística e musical, e das diferentes redes que operacionalizam a territorialização da política no quadro da convivialidade entre diferentes. E a educação artísticas em geral e a musical em particular tem potencialidades fortíssimas nestes desígnios.

XM – Podemos dizer que o trabalho que hoje desenvolve na APEM é a rentabilização de um longo percurso de experiências diversas, como a sua passagem pela direção da Escola Profissional de Música de Almada, e a sua participação na organização de programas de rádio e de ciclos de concertos?

A.A.V. – As experiências diversificadas porque tenho passado, com os seus constrangimentos mas também, e sobretudo, com os desafios que têm sido colocados, conduziram à construção de uma profissionalidade docente, que procura interligar várias dimensões enquanto professor, investigador, autor e “animador”

Neste contexto, o trabalho que procuro desenvolver na Associação Portuguesa de Educação Musical (APEM), em conjunto com os meus colegas da direção, e todos e todas que participam de diferentes modos na APEM, alicerça-se, tal como vem expresso no nosso plano de atividades para o biénio 2012-2014, na interdependência entre três desafios principais, que transcrevo:

“Um dos desafios, situado a um nível mais macro, diz respeito ao trabalho de natureza política, de produção de conhecimento e de projetos que permitam uma intervenção sólida e fundamentada que possa contribuir para a dignificação das artes em geral, e da música em particular, nas escolas e nas comunidades, bem como a dignificação da atividade dos seus profissionais.

Um outro tipo de desafio, a um nível mais intermédio, diz respeito ao desenho e operacionalização de um conjunto diversificado de atividades e de parcerias, nacionais e internacionais, que permitam levar a cabo uma intervenção artístico-pedagógica e formativa inovadora que se adeque ao tempo presente e perspetive o futuro, tendo em consideração o papel das artes e da cultura na construção dos percursos individuais, coletivos e comunitários.

Um desafio a nível mais micro, situa-se no plano da vida da organização, em termos gerais e em particular na mobilização dos sócios para um maior envolvimento não só nas atividades que se realizam, nas propostas que façam e o seu acolhimentos nas diversas regiões do país, no pagamento das quotas, bem como no incremento de novos associados que permitam o financiamento e a sobrevivência económica da Associação, sem a qual, dificilmente se poderá manter os desígnios dos seus fundadores e a qualidade da intervenção que tem norteado o trabalho da APEM.

Tudo isto centrado no desígnio fundamental de contribuir para potenciar a comunidade APEM” como coletivo de trabalho, de reflexão, de memórias, de partilha, de construção e de solidificação de práticas, saberes, afetos e relacionamentos profissionais, artísticos, intelectuais e pessoais.”

Contudo, e nestes tempos sombrios em que vivemos, é uma tarefa que não se afigura fácil, atendendo ao “esmorecimento” em relação, também, ao trabalho associativo. No entanto, e no plano pessoal, considero as associações e o trabalho por elas realizado, nas suas múltiplas configurações, como uma das dimensões fundamentais na construção e no desenvolvimento da democracia.

XM – A sua passagem, como técnico, pelo Ministério da Educação (Núcleo do Ensino Artístico – Departamento do Ensino Secundário) permitiu-lhe de alguma forma deixar a sua marca em algum campo específico do ensino da música?

Antonio VasconcelosA.A.V. – O período relativamente curto, mas muito intenso, em que estive envolvido como técnico no Núcleo do Ensino Artístico, e depois como participante em vários tipos de iniciativas de pensar a reestruturação do ensino especializado de música, foi um período importante, e de certo modo decisivo em alguns planos, embora, os resultados práticos dessa atuação, sob o ponto de vista da aprovação de medidas políticas em concreto, acabasse por não ter uma correspondência direta entre as expetativas, o trabalho realizado (em que se envolveram escolas, professores – entre outros), e os resultados práticos.

Com efeito, embora a preocupação não fosse deixar a “minha marca” mas contribuir para encontrar, com as escolas e professores de música algumas soluções para os problemas que existiam, particularmente, desde a década de 80 e da publicação do Decreto-Lei n.º 10/83, de 1 de Junho, e que, apesar das várias tentativas, por exemplo no âmbito do trabalho desenvolvido pelo GETAP não se tinha conseguido um quadro legal, e também concetual que desse corpo às expetativas e caraterísticas das escolas, professores e do trabalho existente.

Daí a intervenção em três planos distintos e que se cruzaram: (a) dar respostas imediatas aos pedidos das escolas que se confrontavam com um quadro legal completamente desajustado às suas caraterísticas; (b) trabalhar com as escolas e os professores na construção de um quadro referencial em temos da organização global do subsistema do ensino especializado em articulação com outras tipologias de formação artística e musical, materializado no projeto “Revisão Participada do Currículo” do qual resultaram dois livros que ainda hoje me parecem ter atualidade e (c) construir e propor alguns diplomas legais, relacionados com a integração dos professores nos quadros, das habilitações, do currículo (de que falarei a seguir).

Tudo isto tendo como princípio fundamental que qualquer trabalho de reestruturação só é possível de ter consequências se for elaborado e trabalhado com as pessoas em concreto. Foram tempos intensos em que, de um modo pensado e sistematizado, a administração central, pelo menos o Núcleo, procurou intervir ouvindo e discutindo as diferenças mas também as semelhanças com os atores do terreno.

XM – Temos conhecimento de que participou no grupo de trabalho no âmbito da revisão do currículo do ensino especializado de música. Qual foi o panorama que encontrou neste campo do ensino artístico? Ainda há muito por fazer?

A.A.V. – A revisão do currículo do ensino especializado de música vem na sequência do trabalho realizado no âmbito da designada “Revisão Participada do Currículo”, promovida pelo Ministério da Educação, Departamento do Ensino Secundário, em que foi desenvolvido, em conjunto com as escolas e professores do ensino especializado de música, bem como com outros atores socais, artísticos e musicais, um trabalho em que se procurou a discussão e a identificação de questões relacionais com a identidade do Ensino Especializado de Música no contexto do sistema educativo português, com a conceção e organização do currículo e com diferentes modos de articulação entre subsistemas de ensino de música: vocacional, genérico, profissional, de amadores.

Da análise dos múltiplos contributos resultou um livro intitulado “Ensino Especializado da Música: Reflexões de Escolas e de Professores”, onde estão equacionados os problemas existentes e se sintetizam propostas para a reconceptualização deste tipo de educação e de formação e das suas políticas, situadas entre a esfera da educação e a esfera da cultura.

Neste contexto, e de um modo muito sucinto, a ideia central, relacionada com o plano de estudos, os programas e a avaliação, dimensões que, apesar da intervenção em 1983, e com o GETAP no início da década de 90, continuavam ainda em vigor desde a Experiência Pedagógica de 1971, era de repensar o currículo atendendo: (a) à interligação entre a formação, a produção e a inovação, adequando a formação à diversidade de públicos existentes e à contemporaneidade artística e musical; (b) à centralidade da prática artística e criativa quer sob o ponto de vista da formação de “futuros profissionais” quer de amadores; (c) à necessidade de contemplar áreas de formação inexistentes bem como incluir outras tipologias musicais para além da designada “música erudita ocidental”

Ora, este tipo de educação e formação artística e musical estava, e de algum modo ainda está, confrontado com três tipos de tendências. Uma oriunda da tradição clássico-romântica assente na ideia do solista e de uma determinada maneira de aprender e ensinar, outra administrativo-burocrática, em que este tipo de ensino e de escolas especializadas eram escolas iguais às outras e uma terceira assente na afirmação das singularidades. Isto é, fazendo parte do sistema educativo este ensino, escolas e professores apresentam características que deveriam estar presentes no quadro legal. Em relação a estas questões veja-se por exemplo o meu trabalho sobre os conservatórios de música e os trabalhos do grupo de trabalho coordenado por Domingues Fernandes, aquando da revisão curricular de 2007.

Estas tensões estão bem claras nas palavras de Maria João Pires, quando numa entrevista ao Expresso em Outubro de 2001, afirma: “um dos grandes problemas do ensino tradicional é aplicarem-se critérios semelhantes em disciplinas totalmente opostas. Aquilo que se aplica numa escola de medicina pode não ser aplicado numa escola de piano. Isso acontece por preguiça intelectual. […] Não existe escola de artes, mas sítios (conservatórios, escolas superiores) onde as pessoas podem ir ter apoios para descobrir coisas. A escola de arte é um laboratório” (p.41).

Por outro lado, para além destas tendências e tensões, existia, e ainda existe, pouco trabalho investigativo e de produção de conhecimento sobre as diferentes realidades que constituem estes universos complexos do ensino especializado de música em que se jogam questões que ligam o passado, o presente e o futuro, para além das diferenciações existentes em relação à história de cada disciplina artística e instrumental, a sua inserção no contexto musical profissional, amador, comunitário.

Das diferentes possibilidades que foram apresentadas, e que constam do relatório, em que se procurava atender às particularidades deste tipo de educação e de formação, o que me apraz verificar foi a proposta, minha e de mais duas pessoas, da criação de cursos de Jazz, e que não teve a concordância da maioria dos membros do grupo de trabalho, ser uma realidade passados dez anos.

Contudo, é de realçar que o panorama atual no ensino especializado de música está bastante diferente do que no início do século XXI. Embora, haja muito por fazer como por exemplo alagar a outras tipologias musicais relacionadas com a música de tradição oral e a música urbana, bem como assumir as diferenciações em relação às escolas do ensino regular, a formação de amadores e a formação ao longo da vida.

Isto porque, uma das questões centrais, em termos de política e de políticas das escolas e também do Estado, não está situada nem no favorecer um “relativismo” artístico, cultural e formativo, nem na opção política e formativa assente nas “práticas acessíveis aos gostos”, mas sim na criação de condições de modo a que os processos permitam envolver a capacidade de construção de ferramentas conceptuais, de pensamento e de cultura, que permitam contribuir para uma opção dos públicos informada e plural.

A promoção de um acesso às artes, à cultura e a uma formação artística relevante sob o ponto de vista social, individual e cultural significa trabalhar com as comunidades e as pessoas onde elas se inserem e não esperar que elas “cheguem à cultura”. A participação alargada e livre dos cidadãos na vida cultural é possível se se estender a um conjunto de medidas que não são apenas do âmbito do sistema educativo mas também de diferentes organizações artísticas e culturais, assim como dos próprios artistas.

XM – Qual a principal mensagem que tem tentado passar nas inúmeras ações de formação no domínio da formação de professores, da educação musical, educação de infância e currículo? Do que temos lido a seu respeito, parece-nos uma pessoa saudavelmente inconformada. Tenta passar essas inquietações para os seus formandos?

A.A.V. – A formação de professores, inicial e contínua, no âmbito da música e da educação artístico-musical é, em Portugal, relativamente recente quando comparados com outros sistemas educativos. Também no que se refere a formação dos educadores de infância e dos professores do primeiro ciclo, a formação no domínio das artes, apesar de constar nos currículos, acaba por ter uma dimensão diminuta, o que muitas vezes limita a intervenção neste campo com as crianças. Apesar de, por mais paradoxal que possa parecer, não existir nenhuma escola nem educadora e/ou professora que não desenvolvam atividades no âmbito das artes.

Por outro lado, existem um conjunto de ideias que se disseminaram e que se tornaram como “naturais”, evidentes, verdades quase inquestionáveis, quando se fala de educação artística, de educação musical, de educação de crianças e jovens. Por exemplo, e no que se refere à existência da música na escolaridade obrigatória, e que vem expressa na Portaria n.º 573-79, de 31 de Outubro, a ideia, defendida por um conjunto de atores, incluindo o Estado, em que a formação no designado “ensino genérico” não é para “ formar músicos” mas para aproveitar o “extraordinário valor educativo da música” na “estruturação da personalidade dos jovens e para o enriquecimento da sua elevação espiritual, introduzindo-os assim em estádios de crescente desenvolvimento e aperfeiçoamento” (DR, I Série, n.º 252, pp. 2774-(119)).

Ora, partindo do princípio que “o que é evidente mente”, como refere António Nóvoa num livro de 2006, a minha preocupação fundamental sempre passou, e continua a passar, por procurar desnaturalizar e questionar o que é evidente e ajudar a construir um novo senso comum sobre o trabalho formativo, quer nas dimensões técnicas, no domínio e na apropriação dos códigos e convenções (que fazem parte de um determinado contexto socio histórico e por isso modificáveis como escreve Howard Becker), na compreensão das estéticas, saberes e conhecimentos envolvidos numa determinada ação e/ou peça artística e musical.

Por outro lado ainda, se “educar é transformar”, isto significa a existência de uma relação dinâmica que é portadora de uma tensão fundamental situada entre aquilo que já se conhece e o caminho para algo que ainda se sabe muito bem o que será. Que ainda não está devidamente apropriado. E se isto pode criar algum desconforto inicial, e provoca, as artes e a educação artística, e em particular as artes performativas, podem ser um instrumento importante no desenvolvimento desta tensão criativa, entre o que é e o que ainda não. Particularmente na criação de novos imaginários individuais e coletivos. Isto porque, entendo as artes e a música, não só como modalidade entretenimento que o é, mas, sobretudo, como forma de interpelação do mundo. Dos mundos. Reais e imaginários.

Estas têm sido algumas das inquietações que enquadram a minha cação enquanto docente, na tentativa, de como já referi, ajudar a criar novos sensos comuns sobre a relação entre a música e a educação e cultura.

XM – Na sua opinião, o problema ainda hoje detetado relativamente à não afirmação da educação musical como área fundamental para uma formação holística dos cidadãos tem mais a ver com dificuldades de comunicação por parte dos profissionais que estão no terreno ou é assumidamente um problema de administração educacional?

Antonio VasconcelosA.A.V. – As artes em geral e a música em particular são áreas de saber e do conhecimento que aliam competências diversificadas de natureza multifacetada. No plano das técnicas, das estéticas, mas também históricas e culturais e intelectuais. Para além disto, como refere Josep Marti a música, tal como outras modalidades artísticas no âmbito das artes performativas, é muito mais do que uma forma de arte. É uma forma de construção identitária, individual e coletiva. Esta dimensão individual e social é também salientada por José António Abreu (fundador do “El Sistema” na Venezuela) que defende que aprender a tocar e tocar numa orquestra é algo mais do que apenas estudos artísticos. São exemplos de escolas de vida social. Cantar e tocar em conjunto significa coexistir intimamente.

O que a história da educação artística e musical tem demonstrado no quadro do sistema de ensino em Portugal é que, apesar de toda a retórica existente, tem sido difícil “acomodar” as áreas artísticas no currículo das escolas do designado “ensino regular”, e mesmo no âmbito do ensino especializado, como se verá mais adiante, existem posições bastante diferenciadas, se se pensar no quadro da relação entre as escolas e a administração central.

Esta dificuldade tem conduzido a que, durante um determinado período histórico, com reflexos ainda na contemporaneidade, se procurou afirmar a pertinência da inclusão desta área na escolaridade através de uma dupla argumentação. Por um lado, argumentos situados na “importância da música na formação integral das crianças”, e, por outro, na procura de que as disciplinas artísticas e musicais fossem iguais às outras disciplinas. É interessante ler alguns textos da década de 70 e 80 que afirmam que finalmente a disciplina de música, por fazer exames, era uma disciplina iguais às outras. E isto conduziu a diferentes tipos de problemas que ainda hoje existem no interior da relação Artes-Música-Educação-Currículo-Escolas.

Ora o que tem estado aqui em causa pode ser interpretado de uma dupla forma. Por um lado, a não assunção, por parte dos profissionais do setor – músicos, docentes, escolas de formação de professores, apesar de alguns desenvolvimentos muito interessantes de norte a sul do país e incluindo as ilhas, das particularidades desta área de saber e do conhecimento, e por outro, as dificuldades da administração, nos seus vários planos, de assumirem, como escrevi noutro local, “lógicas diferenciadoras como forma de construção de igualdades”.

Por outro lado, e sob o ponto de vista concetual assiste-se à dificuldade na assunção desta área formativa como “disciplina indisciplinada”, para utilizar as palavras de Denyse Beaulieu, em que nem tudo pode ser medido e avaliado, como refere, como refere António Nóvoa e Collin Durant, por exemplo.

Com efeito, “os mundos da educação artística e musical”, parafraseando Howard Becker, são constituídos por redes diferenciadas de intersecções que cruzam a formação, a criação, a receção a produção e a difusão artístico-musical, ligando diferentes contextos, das instituições formativas, aos espaços domésticos e às comunidades como falam Alexandra Lammont e Nita Termmerman. Convive entre contrários, numa “estrutura rizomática” entre o estrutural e o anti estrutural; o ortodoxo e o subversivo; o nacional e o local; o institucional e o anti-institucional; o; os interesses, valores e objetivos conflituais, de que fala Brent Wilson.

Apesar das tensões ainda existentes, veja-se a recentração no “ler, escrever e contar”, felizmente diferentes tipos de projetos existentes no terreno têm vindo a alterar algumas das perceções dominantes, e, quer no interior dos agrupamentos de escolas, quer na relação entre as escolas, do ensino regular e do ensino especializado, as artes e a música afiguram-se como uma dimensão fundamental do trabalho formativo.

Com efeito, nas sociedades contemporâneas, o que torna a educação e a formação das crianças e dos jovens mais rica e plural é a existência de escolas pensadas e organizadas como “laboratórios de cultura e de cidadania”, como refere Anthony Everitt. Laboratórios de cultura e de cidadania que contribuam decisivamente para a preparação de cidadãos aptos para viverem em tempos complexos e incertos, com competências diversificadas, capazes de produzirem ideias criativas e inovadoras, aptos para enfrentarem e responderem a novos e diferentes tipos de desafios e de riscos.

XM – A sua passagem por congressos internacionais e o contacto com os seus pares de outros países conferem-lhe perspetivas privilegiadas relativamente ao que se passa noutros continentes, noutros países… A situação em que se encontra a Educação Musical em Portugal é muito distinta de outras realidades com que tenha contactado lá fora?

A.A.V. – A situação da Educação Musical em Portugal, no seu sentido amplo, quando comparada com os países do designado “mundo ocidental, apresenta, como é natural, algumas diferenciações e similitudes.

Tendo presente que o nosso ponto de partida, o nível em que este tipo de educação e de formação se encontrava depois do 25 de Abril de 1974, a situação presente, graças ao esforço individual e coletivo das escolas, dos professores, das comunidades, e, numa pequena parte, pelo Estado, é incomparável. Pela diversidade, pela dinâmica, pelo trabalho muito interessante que, globalmente, se vai fazendo pelo país. E, deste, ponto de vista, naturalmente com as devidas diferenças, é algo que se pode considerar que tem paralelos com outros países.

Do mesmo modo, esta recentração tecnocrática nos designados “saberes fundamentais” apresenta contornos semelhantes em alguns países europeus, como por exemplo a Espanha, ou mesmo do outro lado do mundo, como na Austrália. A diferença é que, sendo não só sociedades com outros graus de desenvolvimento, a par da sua maior dimensão populacional, o poder reivindicativo apresenta contornos completamente diferentes dos nossos. Dou dois exemplos aqui bem próximos de nós. Em 2004 o Conselho Económico e Social Francês aprova um documento em que crítica a falta de investimento público na educação artística e apela, com argumentos muito interessantes, à sua implementação, no plano não profissionalizante, em todos os graus de ensino, do pré-escolar a universitário. Um outro exemplo, de 2005 em que Muriel Marland-Militello, por proposta da Assembleia Nacional Francesa elabora um relatório que foi aprovado em que analise criticamente o papel dos poderes públicos neste domínio e apresenta uma conjunto de soluções, também muito pertinentes, em que se procura interligar as várias componentes e dimensões da formação artística e musical. Aqui em Portugal desconheço qualquer relatório do Conselho Económico e Social e da Assembleia da República sobre esta matéria.

Por outro lado, existem dinâmicas muito interessantes nos países da América Latina, onde para além das questões de natureza mais profissional desenvolvem-se projetos de intervenção artística e musical em bairros problemáticos, acompanhados devidamente por investigação e produção de conhecimento.

Esta dimensão, investigação e produção de conhecimento, é uma das áreas que, em Portugal, só recentemente começa a dar os primeiros passos. Ainda não temos massa crítica suficientemente forte, diversa e fundamentada que ajude a compreender melhor os diferentes tipos de realidades existentes no âmbito da música e do seu ensino e que encontre caminhos teóricos e práticos que estejam para além de reproduzir o mesmo no mesmo. E aqui as instituições do ensino superior, quaisquer que elas sejam, têm responsabilidades acrescidas.

Identifico ainda, e de um modo muito sucinto, cinco outros pontos frágeis, quando se compara com outros países. Um está relacionado com a necessidade de uma maior ligação com os criadores portugueses e uma maior incorporação da música destes compositores no trabalho formativo. Lembro que, mesmo nas instituições do Estado, predomina a utilização das fotocópias e não partituras. E isto, como é fácil de perceber tem consequências profundas na vida dos criadores. Um outro tipo de fragilidades está centrada na diminuta utilização dos criadores e intérpretes no âmbito do que se designa por “residências artísticas”, em que durante um determinado período de tempo estes músicos desenvolvam trabalho no interior das escolas e das comunidades. Um quarto ponto frágil diz respeito à ausência no sistema público português de formação prática no âmbito das músicas e dos instrumentos de tradição oral, da música urbana, bem como formação de adultos. Por último uma fragilidade relacionada com a conceção e operacionalização de um quadro legal relacionado com as profissões artísticas e com a docência artística que potencie, para quem assim o entender e de um modo claro, as valências do exercício de ambas as atividades.

XM – Muitos professores de Educação Musical têm manifestado junto do XpressingMusic algum desalento e alguma desmotivação relativamente à crescente desvalorização da Educação Musical nas escolas dos 2º e 3º ciclos do ensino básico. Enumeram vários sinais dessa gradual perda de força da disciplina, sendo um dos quais as reduções nas cargas horárias. Tem alguma palavra de ânimo para estes profissionais, ou possui alguma informação ou perceção de que algo possa ocorrer em breve para que se contrarie este cenário?

A.A.V. – Vivemos de facto tempos sombrios, quer sob o ponto de vista da inserção da música na escolaridade básica obrigatória, quer sob o ponto de vista da profissionalidade e das carreiras docentes. Nunca na história da educação pública em Portugal e da história dos professores em democracia, se encontram tempos em que uma das classes profissionais mais qualificadas do país fosse atingida tão profundamente: ao nível do congelamento das carreiras, da dignificação da profissão, do desemprego.

No caso concreto da educação artística e musical, nas recomendações elaboradas pelo Conselho Nacional de Educação (Recomendação n.º 1/2013, DR, 2.ª série - N.º 19 - 28 de janeiro de 2013, pp. 4270-4273) afirma-se que a “importância da educação artística para todos os envolvidos no sistema de educação e formação reúne hoje um consenso alargado. Decisores políticos com responsabilidade na matéria, passando por investigadores e profissionais ligados à educação, até às mais diversas instâncias da sociedade, reconhecem esta área como fundamental, tanto para o desenvolvimento individual como para o desenvolvimento da sociedade”.

No entanto, “Portugal está longe de conseguir a concretização da educação artística que se entende como desejável e que tem sido conseguida em outros países. Ainda que ela se mantenha estabilizada em academias específicas e se tenha ampliado a setores da população a que antes não chegava - nomeadamente por via das parcerias com conservatórios de música e outros equipamentos culturais disponibilizados pelas comunidades -, não se pode negligenciar o facto de uma grande parte das crianças e jovens ficar privada de aprendizagens artísticas de diversos tipos ao longo da sua escolaridade e numa lógica de continuidade e coerência” (p. 4270). Os diferentes tipos de recomendações do CNE, de indispensável leitura e reflexão, situam-se nos planos (a) do currículo e da organização dos ensinos básico e secundário, (b) ao nível da formação de professores e educadores, (c) ao nível das escolas e das autarquias, (d) e ao nível da investigação, da coordenação e da articulação política e das políticas

Apesar deste parecer, bem como de todos os outros elaborado quer pelo CNE quer por outros grupos e autores, e da sua ineficácia política apesar dos acordos internacionais assinados por Portugal no domínio das artes na educação, resta constatar que, apesar dos políticos e das políticas, muitos são os projetos que, de norte a sul do país e ilhas, em diferentes tipos de modalidades, formatos, parcerias envolvidas e estéticas, contribuem para ir contrariando as ineficácias das políticas publicas neste domínio, e os círculos viciosos existentes nos poderes e nos responsáveis políticos, procurando criar e desenvolver atividades diversificadas que alimentam esperanças e perspetivas de uma educação mais culta.

Neste quadro, e não tendo nenhuma informação privilegiada que me permita prever a alteração deste cenário, pelo contrário, é um fenómeno que atravessa de um modo contraditório a sociedade europeia, o que se pode inferir da história do ensino de música, bem como a enfase cada vez maior nas designadas “indústrias criativas”, no discurso da importância da criatividade, na criação em diversas autarquias de norte a sul de espaços dedicados às artes, do incremento das atividades artísticas e musicais, é que as artes e a música se afiguram como elementos estratégicos de desenvolvimento da sociedade contemporânea.

Por outro lado, “num mundo de tangíveis, que agora nos escasseiam com a fluidez com que estávamos habituados, e de direitos esforçadamente adquiridos, que agora nos falham e nos empobrecem, o que emerge de mais nítido para o futuro próximo é repararmos e cuidarmos do intangível”, (Helena Águeda Marujo, no Público em 2013), como os bens relacionais, educativos, artísticos e culturais de modo a contribuir para a construção de saberes e de vidas com sentido.

Nesta confluência e interseção entre as profundas modificações sociopolíticas e culturais e o “repararmos e cuidarmos do intangível”, do belo e do bom, em que a educação artístico-musical desempenha um papel transversal na construção de “vidas com sentido”, o trabalho dos professores de música, com os seus saberes e competências e qualquer que seja o plano em que se movimentem, reveste-se de uma importância central em todo este processo.

Assim, e num momento em que tudo parece ruir à nossa volta, e de, muitas vezes, a falta de perspetivas presentes e futuras nestes tempos absurdos, dois aspetos merecem especial destaque.

Um primeiro aspeto está relacionado com o investimento em nós, de que fala Claude Dubar. Investimento em nós que se apresenta como uma das dimensões estruturantes de construção não só da nossa profissionalidade como também um instrumento de reconfiguração das nossas práticas e de preparação e segurança no futuro por mais incerto e imprevisível que ele se afigure.

Um segundo diz respeito às diferentes dinâmicas sociais e culturais em que cada vez mais a dimensão artística e musical se apresenta como um fator de reconfiguração das identidades, individuais e coletivas e, por esta via, os projetos de intervenção artística e musical, que estão para além da escola, são um campo potencial de desenvolvimento de emprego e de trabalho.

Para isso é necessário uma maior interdependência, colaboração e solidariedade entre os professores de música, procurando centramo-nos mais naquilo que nos une do que naquilo que nos divide. Potenciar as nossas incompletudes e tornarmo-nos mais sábios.

XM – Pep Alsina dizia numa entrevista em 2008 que “a educação musical não necessita de se justificar em função da sua influência nas aprendizagens específicas de outras áreas, pois esta tem a sua própria missão no desenvolvimento humano”. Concorda com esta afirmação? Como a interpreta?

Antonio Vasconcelos 04A.A.V. – Esta afirmação de Pep Alsina merece ser enquadrada no contexto da história do ensino artístico e musical. Com efeito a história da educação musical, e em particular pós 1971 do século passado, ano da Experiência Pedagógica protagonizada pela Madalena Perdigão, assiste-se a um triplo fenómeno. Por um lado, uma crítica aos modelos tradicionais de trabalho no Conservatório Nacional, que dava habilitação para o ensino das crianças e dos jovens, e, por outro, uma “incorporação” política, metodológica e didática de modelos oriundos dos países centrais, em particular a Alemanha, que vieram questionar o ensino de música tradicional. Por outro lado ainda, as dificuldades em termos de políticas públicas, e de políticas internas das escolas, de incluíram as artes e a música nas aprendizagens e no currículo (aliás algo semelhante ao que se passa hoje). A conjugação destes factores, a que se acrescenta a filosofia do “Movimento da Educação pela Arte” – a partir de finais dos anos 60, veio reforçar a ideia da afirmação da importância da educação artística e musical. E esta afirmação centrou-se fundamentalmente na utilização de argumentação que acentuava as potencialidades das artes e da música no “desenvolvimento integral das crianças”.

Num artigo publicado no Jornal de Letras de Abril de 1997, Helena Rodrigues escreve que: “Divirto-me quando, em relação à necessidade da Educação Musical no sistema educativo, se invoca o mistério da purificação: o Santo Nome da Música surge, messiânico, no ritual ébrio de neblina e discurso político disfarçado de educativo […]. Erguem-se as mãos e clama-se orações, que dizem ser a educação musical muito importante, pois ajuda a socialização das crianças, no desenvolvimento do raciocínio matemático, da inteligência, da criatividade, do sentido estético, da interdisciplinaridade, da maturidade psicológica, etc., etc.. É interessante tal como as vitaminas e o Ginseng”. Neste artigo esta autora apresenta contra-argumentos em relação ao que designa por “mistério da purificação” terminando fazendo, por um lado e ironicamente, a apologia de que se pode pensar “que senão fossem os efeitos catárticos da arte em vez de artistas teríamos mais delinquentes”, e por outro, defendendo que “talvez o mais importante das artes, numa sociedade tão preocupada com a utilidade das coisas, é que não tem utilidade nenhuma” (p. 12).

Neste contexto, as artes e a música, para além de outras coisas, são formas de conhecimento e de saber, são formas de conhecer e construir mundos, reais e imaginários. Embora com algumas características semelhantes, as artes e a música são diferentes de outras formas de conhecimento e de outras áreas de saber. Fazem parte das sociedades, das culturas e do desenvolvimento humano, social, económico e cultural. Daí, a importância de nos libertarmos dos argumentos dominantes e construirmos outros, como se depreende das afirmações de Pep Alsina. Construirmos outros conceitos, linguagens e práticas que possibilitem dar corpo e visibilidade à música e à educação artístico-musical como parte integrante da vida das pessoas, das sociedades. Nas suas múltiplas formas e valências, que nem sempre se podem medir e avaliar de um modo convencional. É um desafio de todos e de todas construirmos novos olhares e práticas educativas, artísticas e interventivas. No interior das escolas e no âmbito intergeracional e comunitário.

XM – António Vasconcelos, muito obrigado, mais uma vez, por ter aceitado o nosso convite. Quer deixar uma última mensagem a todos aqueles para quem a música e a educação musical são o seu dia-a-dia?

A.A.V. – Para finalizar uma mensagem de esperança. Eu que, utilizando as palavras de Boaventura Sousa Santos, sou “um otimista trágico”. São tempos difíceis estes em que vivemos e em que também as artes e a cultura na escola parecem estar, mais uma vez, colocadas à margem e numa situação problemática de empobrecimento quer para os professores quer para o desenvolvimento de uma formação que se quer rica e plurifacetada. Aos tempos sombrios em que vivemos contrapõe-se o saber, a inteligência, a imaginação e o trabalho em conjunto. E, por mais paradoxal que possa parecer de norte a sul do país, assim como nas ilhas, assiste-se a um incremento da formação artístico-musical assim como de atividades concertísticas desenvolvidas pelas escolas, pelos professores e pelas crianças e jovens, que me deixam menos pessimista. Há e vai continuar a haver música na escola e nas comunidades graças ao trabalho dos professores, estudantes e famílias, comunidades, para além das políticas centrais.

Por outro lado, como refere Pierre Boulez, todas as atividades relacionadas como a música da criação à interpretação, da produção e difusão à divulgação, da formação à investigação, são estruturantes e importantes no desenvolvimento da profissionalidade artística e docente. É tempo de deixarmos de nos guiarmos por falsas dicotomias e trabalharmos numa base de complementaridade entre modos, tipologias, estéticas e técnicas artísticas e musicais.

Termino como comecei: todos, e todas, somos poucos no contributo que podemos dar, e que é imprescindível, para o desenvolvimento das artes em geral e da educação artística e musical na sociedade portuguesa contemporânea de modo a construirmos uma democracia mais culta e plural. As crianças e os jovens merecem-no. Nós também.

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