Carlos Araújo em entrevista no XpressingMusic

Carlos Araújo @ XpressingMusicCedo começou a tocar com músicos mais velhos. Embora tenha começado a tocar acordeão, foi na guitarra que se notabilizou. Rapidamente se apercebeu de que queria fazer da música a sua profissão e estruturou toda a sua vida para que isto fosse possível. Nesta entrevista tentaremos conhecer melhor vários aspetos da vida de Carlos Araújo e compreender os seus pontos de vista em relação à música enquanto profissão. Enquanto músico, tocou e participou na gravação de inúmeros registos discográficos. Já como compositor e arranjador tem estado envolvido na produção e na direção musical de vários e prestigiados artistas portugueses e estrangeiros. Com o seu grupo atuou em vários programas de televisão. Carlos Araújo representou a RTP (Rádio Televisão Portuguesa) e Portugal em vários festivais nacionais e internacionais. O nosso convidado compôs, arranjou, produziu sonoplastias e músicas para cinema, teatro, conteúdos televisivos, coreografias de bailado, telenovelas e para diversos espetáculos.

XpressingMusic (XM) – Carlos, agradecemos desde já a amabilidade demonstrada para com o XpressingMusic. É para nós um enorme prazer entrevistá-lo. Com que idade deu início a esta viagem pelo mundo musical?

Carlos Araújo (C.A.) – Obrigado! Comecei a tocar muito cedo, a aprender, estudar, mas só por volta dos onze anos comecei a tocar em grupos e com músicos mais velhos e da geração anterior à minha.

XM – Tendo começado tão jovem, acaba por ter tido a sorte de lhe aparecerem oportunidades de tocar logo com grandes músicos… Isto contribuiu muito para o seu amadurecimento enquanto músico. Concorda?

C.A. – Sim, de facto. A vantagem de ter tido logo contato com músicos muito bons, alguns já com méritos reconhecidos e outros que se foram revelando e, mais tarde, afirmando, e a “sorte” de ter sido “descoberto” por essa gente muito cedo, de terem visto em mim “qualquer coisa”, resultou em grandes e boas colaborações, que deram bons frutos para a música de cá e, consequentemente, para mim, tanto a nível de experiência como, mais tarde, de maturidade. Mas não comecei a tocar com esses músicos por ser jovem, acho eu, mas por ter as competências necessárias para os trabalhos que se propunham fazer, ou nos propúnhamos fazer. Sendo que, criei logo nessa altura o meu próprio grupo, com a música que me interessava e com alguns temas ou arranjos meus, o que foi uma boa “montra”.

XM – É verdade que chegou mesmo a ter problemas com o Ministério do Trabalho e com o Sindicato dos Músicos?

Carlos Araújo @ XpressingMusicC.A. – É verdade! Fui multado, andei a ser perseguido quase como criminoso. Paguei e passei por grandes chatices: tribunal do trabalho, etc., por uma situação completamente ridícula e um vazio legal. Poderia dizer “outros tempos”, mas agora está tudo mais ou menos igual!
O que aconteceu é que fui “apanhado” a tocar, numa inspeção do Ministério do Trabalho, sem carteira profissional. A carteira era obrigatória e passada pelo sindicato dos músicos, em exame, como exigido pelo Ministério. Engraçado e caricato, pois para tocar era obrigatório ser sindicalizado! Mas o sindicato só fazia exames, por lei ou estatutos (?), a quem tinha mais de 18 anos. E eu tinha 16. E isto tinha a ver com a apresentação pública, não com o facto de receber ou não cachet. Daí eu não poder tocar por não ter carteira profissional e, por outro lado, não poder tirar a carteira, fazer exame, porque não tinha idade. Complicado! A solução, bem portuguesa, foi uma multa equivalente a meia dúzia de cachet's. Resolvido!

XM – Como era encarada a música na época em que começou a tocar? Considera que a carreira musical adquiriu nos dias que correm outra dignidade que não tinha há uns anos atrás?

C.A. – Sim, claro! Naquela época havia três percursos, grosso modo. Os músicos clássicos, das orquestras; os músicos académicos, que se formavam e tocavam em grupos no período em que estudavam; e os que sobravam destes mundos, uns com uma carreira mais ou menos firmada nacionalmente, a viver em Lisboa independentemente da origem regional, e os que acabavam nos casinos e afins, como se dizia na altura. O resto eram exceções! Destes, os dois primeiros grupos eram mais reconhecidos e respeitados. No entanto, foi essa geração, na qual me incluo, que criou as condições, princípios e meios para a dignidade, competência e reconhecimento que hoje existe em relação ao nosso meio.

XM – A sua aprendizagem musical não passou somente pela guitarra e pelo acordeão… Que outros instrumentos domina?

C.A. – Baixo elétrico, com muito trabalho publicado e que executei bastante ao vivo nos anos 80, simultaneamente com grupos onde tocava guitarra e até, às vezes, no mesmo grupo. Teclas, que utilizo muito em estúdio para trabalhos de sonoplastia, etc.. Bateria, que agora toco pouco por causa das programações, mas que gravei em muitos trabalhos. Melódica, harmónica e percussão. Craviola de 12 cordas e cavaquinho brasileiro. Pedaleira de baixo, como a dos órgãos, que executo em simultâneo com a guitarra e a voz (tem um reconhecimento incrível no estrangeiro, nos meios do Jazz, que é basicamente a musica que pratico com este formato, em formações com bateria, sopros e voz.

XM – Para além de ter tocado em vários festivais da RTP, chegou mesmo a ser músico residente da Rádio Televisão Portuguesa. Recorda-se desta altura em que tinha que estar todos os dias em direto? O grau de exigência profissional era muito intenso?

C.A. – Lembro-me bem! O grau de exigência era enorme e a bitola estabelecida por mim. Entre outras coisas, tive que provar que se podia fazer som direto todos os dias; na altura achava-se impossível. Ter bons músicos a trabalhar desde manhã diariamente, era também considerado impossível. Preparar 4 a 5 temas de qualidade, entre originais e arranjos, todos os dias.
Compor os genéricos e separadores e gravá-los. Convidar músicos e cantores nacionais e internacionais e preparar apresentações que às vezes eram de vários dias. Garantir o nível de qualidade e não fazer cedências. Fazer reuniões de produção e negociar tudo o que pretendiam fazer; com uma notável, genial e visionária equipa de produção, diga-se! Foi difícil, fantástico e deu muito trabalho! Mas foi muito bom! É preciso lembrar que foi há umas décadas e num contexto completamente diferente, até tecnológico, e feito pela primeira vez. Eu fui, por acaso, a pessoa que aceitou este e outros desafios, que juntamente com outras pessoas e outros desafios mudaram o panorama do meio, como se referiu atrás. Mas era inevitável e incontornável a mudança e a inovação, porque na altura nada acontecia! Depois fiz muitas outras coisas e tive muitas colaborações regulares em televisão, mas não diariamente e nem sempre em direto.

XM – O que o leva a enveredar também por uma carreira empresarial? Falamos por exemplo do “Splash”, da “Carambola”…

Carlos Araújo @ XpressingMusicC.A. – Exatamente os mesmos motivos atrás referidos: criar condições para se fazer e divulgar, música, espetáculos, numa época em que não havia motivação de ninguém para se criarem espaços para cultura e animação cultural. Nem os organismos responsáveis o faziam. Eu já andava pelo estrangeiro a tocar e conhecia esse tipo de espaços. Como ninguém arriscava, arrisquei eu. Música e teatro, espetáculos diários, no Splash. Todas as semanas grupos musicais, oriundos de todos os sítios, inclusive do estrangeiro, com muitas 4ªs feiras em direto, emissão Comercial Norte, via telefone e, muitas vezes, televisão à segunda de manhã no “Ás dez”, RTP. Teatro, “sketch's”, que hoje se chama “stand-up comedy”, com os melhores, também todos os dias. Isto em 80 e tal. E comecei a exportar música e teatro para todo o País, a partir dali, sem qualquer benefício comercial e pessoal. Antes não havia espaços para apresentações e programação regular e depois criou-se um circuito nacional, principalmente a Norte.
A Carambola foi o fechar deste círculo: estúdios de gravação, edição fonográfica, comunicação, promoção, som e luz, produção audiovisual, desenvolvimento de ideias e projetos para animação cultural, espetáculos, conteúdos televisivos, exposições, conferências, desenvolvimento gráfico e de ideias para sites com informação, música, vídeos, etc., antes de tudo isto ser tão normal como o ar que respiramos, como se passa agora. O engraçado é que o meu empenho neste projeto foi tão grande, no objetivo, que a única pessoa que não gravou e editou Cd's nessa época pela Carambola, utilizando os meus meios, fui eu.
A ideia “empresarial” não era pelo negócio, mas pela criação de meios que, ou não havia de todo, ou quando havia eram completamente controlados pela indústria e com objetivos exclusivamente comerciais .

XM – O que tem para dizer aos nossos jovens que hoje sonham ter uma carreira em torno da música? É impossível ser somente performer? Para sobrevivermos neste mundo musical temos que fazer um pouco de tudo como foi exemplo a vida do Carlos?

C.A. – Pelo contrário, quem não tiver apetência e competências que o atraiam e solicitem para estas atividades ligadas à música, mas não são música, e quiser ser performer, não deve fazer mais nada. Hoje não faz sentido, há gente já a trabalhar bem em todas as áreas. Naquele tempo é que não havia nada. Tudo se criou depressa e bem em duas décadas. Um performer tem que trabalhar e viver de “ser performer” e isso é tão viável como qualquer outra profissão ou atividade. Tem os mesmos problemas e conflitos de todas as profissões e atividades, e cada um sabe da sua! Ao contrário do que está a pensar, eu não ganhei dinheiro nesses “negócios”, até porque não sou gestor, sou criador e empreendedor. Ao revés, investi dinheiro que ganhei na música, a tocar, compor, arranjar e produzir, nessas atividades porque acreditava que eram necessárias, imprescindíveis ao desenvolvimento da música e do meio musical e não existiam. Mas fi-lo com o dinheiro da música e, digo-lhe, estaria melhor economicamente se não tivesse investido dinheiro nelas. As outras virtualidades estão à vista e valeram bem a pena! De resto, foi também o desafio, como na televisão e no estrangeiro.
Assim, quem quiser fazer música é isso que deve fazer: música!

XM – São inúmeros os nomes a que esteve ligado. Exemplos dos mais mediáticos são: Rão Kyao, Rui Veloso, Paulo de Carvalho, Ivan Lins e António Pinho Vargas. Esteve certamente ao lado de outros nomes sonantes da música portuguesa e estrangeira. Quer destacar mais alguns?

C.A. – A minha relação com os músicos com quem trabalhei, fosse em bandas minhas, grupos de outros ou mesmo grupos que organizei para outros, foi sempre de parceria. A este nível não se trabalha por amizades, mas por competências e é-se pago. Independentemente das amizades, que as tenho e algumas são muito grandes, claro! Por isso, os mais conhecidos do grande público gozam do mesmo tratamento dos outros: fazermos bem e o melhor que sabemos e podemos! No entanto, é incrível a quantidade de músicos de exceção que não são conhecidos do grande público, tanto aqui como lá fora. Isto sem detrimento dos mais conhecidos ou dos nomes que referiu. Daí que vá referenciar outros nomes como Ruben Dantas, Ricardo Lacquan, Paulinho Lêmos, Ricardo Baumgarten, Marcelo Ribeiro, Léo Teixeira, Luiger Lima, Thereza Sayas, Esther Godinez, Heiki Virtannen, Almir Blanco, Nathan Marques, Diego Schaff, Pedro Borges de Araújo para se ter uma ideia mais abrangente do tipo de gente que construiu o meu mundo.

XM – Agradecemos mais uma vez a prontidão com que aceitou conceder-nos esta entrevista. Como última questão gostaríamos de lhe perguntar se tem novos projetos na calha para os próximos tempos.

Carlos Araújo @ XpressingMusicC.A. – Muitos, sempre! Ando em viagem, a tocar em muitos sítios, principalmente no estrangeiro. Neste momento na Europa e em breve uma pequena segunda tournée no Brasil com trabalhos meus, alguns já gravados lá pelo “Marcelo Ribeiro e a Banda B”. Também no Brasil com “Viagem de Encontros”, um projeto de Lusofonia que tenho com músicos de África e principalmente do Brasil desde os anos 80 e que já se apresentou aqui em Portugal algumas vezes (inclusive no encerramento do Festival de Publicidade Lusófono, na Inauguração do Cais de Gaia, Praça Super Bock, no Festival de música de Bragança, no aniversário do BP. Tenho gravações programadas, de instrumentais e de canções, e outros espetáculos conceituais previstos. Espero também fazer umas colaborações com gente que gosto muito, como aconteceu no ano passado. Enfim, muita coisa, mas com tempo e prazer, até porque neste momento faço exclusivamente música, como o conselho anteriormente dado.
E quem agradece sou eu, pelas palavras amáveis do convite, pela qualidade das questões, pela informação revelada acerca de mim e pela divulgação da música e músicos. Obrigado!

 

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