Joel Barbosa em entrevista ao XpressingMusic

Joel Barbosa @ XpressingMusicJoel Barbosa é Professor Titular da Escola de Música da Universidade Federal da Bahia, Brasil. Neste contexto, é professor de clarinete nos cursos de graduação, mestrado e doutoramento. O nosso entrevistado tem coordenado e prestado consultoria em projetos sócio musicais na Bahia e noutros estados do Brasil. O seu campo de investigação centra-se nas áreas pedagógica e de performance musical. Joel está também ligado ao desenvolvimento de materiais didáticos para bandas e prepara os alunos da Universidade Federal da Bahia para trabalharem com a metodologia de ensino coletivo de instrumentos de banda. Enquanto clarinetista tem-se apresentado em países como Brasil, EUA, Áustria, Alemanha e Colômbia. O seu valor foi reconhecido em publicações como o Eastsideweek (WA, EUA) e o Journal American (WA, EUA). Joel Barbosa foi membro do quarteto “Janela Brasileira”, projeto este que recebeu o prémio COPENE de Cultura e Arte em 1997 e o prémio Rumos Itaú Culturais Música, 2000. Atuou como primeiro clarinetista da Orquestra Sinfónica da Bahia nos anos de 1997-1999.

XpressingMusic (XM) – Joel Barbosa, agradecemos muito ter aceitado o nosso convite para esta entrevista. A sua atuação como maestro e clarinetista está muito ligada às bandas. As bandas exercem algum tipo de fascínio para si?

Joel Barbosa (J.B.) – Sim, primeiramente porque me sinto devedor desta tradição e seus mestres. Considerando que a marioria dos mestres de bandas têm feito grandes esforços para manter esta tradição sesquicentenária viva, voluntariamente ou sem receber salários dignos, e que, sem ela, eu não teria a oportunidade de aprender música, devo a estes anónimos baluartes da história da música do meu país. As bandas estão espalhadas por todas as regiões do Brasil e ensinam gratuitamente. Assim, são consideradas, por diversos estudiosos, como o conservatório do povo. Elas fascinam-me por constituírem exemplos de comunidades que dão certo no meio de tantas mudanças sociais, “tempestades” económicas e desleixos governamentais de um país de terceiro mundo. São modelos de resitência. Elas cativam-me pela amistosidade dos seus integrantes, maneiras de se relacionar com as comunidades em seu redor e, até mesmo, pelos casos de intrigas que contam em relação às rivais locais. Seus repertórios e sonoridades trazem-me recordações e imagens agradáveis, associadas a um bem-estar gostoso de sentir.

XM – Sabemos ter feito parte da Community Music Activities da International Society for Music Education (ISME). Foi importante para o Joel o contato com esta entidade?

Joel Barbosa @ XpressingMusicJ.B. – Certamente. Participo em seminarios internacionais da CMA/ISME desde 2000 e fui membro da sua comissão durante seis anos. Assim, tenho participado de discussões sobre educação musical em comunidade com pesquisadores e educadores dos diferentes continentes. Aprimorei e compreendi melhor, principalmente, o trabalho que realizo em comunidades carentes de Salvador – alguns deles através dos programas UFBA em Campo e ACC/UFBA (Atividade Curricular em Comunidade da UFBA) em parceria com a Sociedade 1º de Maio do bairro de Novos Alagados de Salvador, BA.

XM – Qual era a sua idade quando iniciou os seus estudos na Banda da Guarda Mirim Municipal de Piracicaba, São Paulo? Considera que existe uma idade certa para se iniciar a aprendizagem musical?

J.B. – Iniciei aos 12 anos, primeiramente, no coral e no grupo de flautas doces da Guarda Mirim e, depois, ainda com a mesma idade, comecei a aprender requinta (clarineta soprano em mi bemol) para ingressar na banda. Acredito que a prática musical pode contribuir para o crescimento e bem-estar mental, social e físico do ser humano nas fases que vão da gestação à velhice. Já para o aprendizado de um determinado instrumento, não acredito que a idade seja o fator preponderante a determinar o momento de iniciá-lo. Penso que se deve considerar também as características físicas, mentais e mesmo sociais do interessado. Digo sociais por trabalhar com jovens de famílias de baixo rendimento que, nesta aprendizagem, tem a oportunidade de se catapultar economicamente.

XM – Ainda mantém contato com o Conservatório de Tatuí, onde se graduou em 1985?

J.B. – Mantive contacto direto com o Conservatório de Tatuí até 2005, ministrando cursos sobre banda ou clarinete, realizando recitais e concertos, e organizando um encontro nacional de clarinetistas. Muito da minha carreira está diretamente relacionada com os ensinamentos que lá recebi. É uma escola que traz contribuições significativas para a música no país, principalmente, para a música instrumental.

XM – Quando decide ingressar na UNICAMP? Houve alguma razão especial para escolher esta faculdade?

J.B. – Na verdade, não. Eu havia desitido da carreira de músico e estava finalizando o primeiro ano de um bacharelato em teologia quando uma amiga me sugeriu fazer as provas para a UNICAMP. Na época, existiam poucos bacharelatos em música no país e o curso do Conservatório de Tatuí era suficiente para ingressar na carreira profissional. Contudo, a realidade mudou muito no país e o curso da UNICAMP foi, no mínimo, essencial para receber bolsas do governo brasileiro para realizar o mestrado e o doutoramento no exterior.

XM – Mesmo enquanto estudava, manteve sempre ligação a bandas como a Banda Municipal de Nova Odessa, a Banda do Instituto Adventista de Ensino, a Banda do Instituto Adventista de São Paulo e a Banda Jovem de Sumaré. Como conseguia conciliar os estudos com tanto trabalho? Pode deixar aqui algum conselho aos jovens que agora pensam em começar uma carreira musical? Como é que um músico deve gerir o seu tempo, tendo em conta que para além de um performer também é um docente?

J.B. – Participei destas bandas durante os seis anos que compreenderam, principalmente, o meu bacharelato. Mas não atuei em todas ao mesmo tempo. A formação musical oferecida por uma escola, raramente é completa o suficiente para o êxito profissional. Ela se completa com atividades noutros ambientes musicais. Cada tempo, cada local e cada ser humano têm as suas características e naturezas próprias. Contudo, alguns aspectos podem ser universais, como diretrizes no gerenciamento de atividades em função de objetivos. Entre eles, destacam-se a qualidade que damos aos relacionamentos e a clareza de leitura que fazemos do meio e das atividades em que estamos envolvidos. Certamente, a escolha, o tempo e a qualidade de dedicação às atividades são básicas, considerando que muitos músicos têm que atuar como docente e performer. Estes três aspectos têm que ser reformulados de tempo a tempo.

XM – O Primeiro Prémio do VIII Concurso Jovens Instrumentistas do Brasil em Piracicaba será um grande motivo de orgulho… Concorda?

J.B. – Este prémio foi muito importante, naquele momento, para dar confiança e segurança no caminho que estava trilhando. Concursos e competições musicais tendem a depreciar a música como arte. Música não é desporto. Entretanto, eles podem dar muito estímulo a alguns estudantes.

XM – Como surgiu a possibilidade de ir realizar o seu mestrado e doutoramento à University of Washington em Seattle nos Estados Unidos?

J.B. – William McColl, professor de clarinete da University of Washington, deu aulas em dois Festivais de Campos do Jordão, 1981 e 1982 – ocasiões em que pude estudar com ele. Desejava estudar com ele tanto o clarinete moderno como os históricos. O moderno pela formação que teve, principalmente, em Viena e os históricos por ser um dos maiores performers e construtor de clarinetes antigos. Quando surgiu a possibilidade de fazer o mestrado, em 1989, procurei-o imediatamente. Quando frequentava o mestrado, fiquei ainda mais contente com esta universidade porque pude estudar com William (Bill) Smith. Ele é um dos pioneiros em técnicas contemporâneas para o instrumento e um ícone do jazz para clarinete, tendo integrado o Dave Brubeck Quartet durante anos. Tive a oportunidade de trabalhar técnicas extendidas e improvisação com ele.

XM – Falar de Joel Barbosa é falar sobre a metodologia de ensino de instrumentos de banda em grupo. Em “traços gerais” como carateriza o método que tem vindo a divulgar?

Joel Barbosa @ XpressingMusicJ.B. – Os métodos Da Capo e Da Capo Criatividade constituem-se, em grande parte, em adaptações dos métodos de banda estadunidenses para a educação musical brasileira. Porém, o repertório provém do cancioneiro cantado no Brasil. Também trazem composições próprias e abordagens didáticas autorais, inspiradas na cultura brasileira. A metodologia coletiva torna o custo do aprendizado de instrumentos bem mais acessível, em relação ao ensino individual, e tem a sua efetividade pedagógica comprovada por pesquisas científicas. Ela é muito mais viável ao Brasil tanto economicamente como didaticamente. Traz muita motivação aos alunos e estimula uma participação ativa em trabalho de equipa. Os métodos Da Capo constituem-se em processos coletivos de educação musical, através da iniciação em instrumentos de banda e da sua prática, voltados à cultura musical brasileira. São, assim, utilizados também para formar bandas. O Da Capo Criatividade, por exemplo, compõem-se de atividades que trabalham, simultanemente e coletivamente, desde as primeiras aulas, as habilidades de leitura de partitura, técnica instrumental, performance, apreciação, criatividade e memorização, além de conhecimentos de teoria, por meio de canções obtidas das tradições musicais brasileiras ou na sua música de concerto, além de composições inspiradas nelas. Para tal, inclui atividades de cantar, tocar, solfejar, imitar (“tocar de ouvido”) e criar (improvisar, fazer arranjos e compor) em diferentes combinações instrumentais e texturas musicais, como uníssono, dueto, cânone, melodia acompanhada e polifonia. Um dos seus fundamentos é “aprender o desconhecido através do conhecido”. O conhecido, por exemplo, é a linguagem musical materna, como colocada por Zoltán Kodály, e o desconhecido, por outro, pode ser tanto a técnica instrumental como a leitura da partitura.

XM – Quando escreveu o primeiro método de banda brasileiro para ensino em grupo, editado pela Keyboard Editora com apoio da Weril Instrumentos Musicais, tinha consciência do impacto que este viria a alcançar posteriormente?

J.B. – Não, pois a didática convencional presente nas bandas brasileiras é de ensino individual com foco na leitura da partitura e na técnica instrumental, onde o instrumento é introduzido, normalmente, após alguns meses de prática de divisão musical.

XM – O seu método tem sido difundido por vários países. Sente que neste momento já dá para fazer um balanço da implementação deste método? Considera-o suficientemente flexível para que se adapte às diferentes realidades culturais de cada país?

J.B. – Na verdade, apenas os resultados dos trabalhos realizados com o método têm sido divulgados em cursos e encontros científicos em vários países. Mas não tenho notícias dele ser aplicado em outros países, além do Brasil, onde tem sido amplamente utilizado. O uso de métodos coletivos para banda é mais presente em países de língua inglesa ou multilíngues que incluem o inglês, como a Cingapura. Há excessões como o Japão, por exemplo. Estes países usam os métodos estadunidenses que são em inglês e predominam o mercado. O Da Capo é em português e foi elaborado para ser utilizado, especialmente no Brasil, assim emprega como em Portugal, o sistema de escrita musical latino com Dó fixo. No Brasil, ele tem sido utilizado em bandas musicais, conservatórios, escolas regulares, projetos sociais, ONG, igrejas e aulas particulares, nas cinco regiões do país.

XM – Muito obrigado mais uma vez por nos ter dado a honra desta entrevista. Para terminarmos gostaríamos de lhe perguntar… tem projetos futuros que deseje partilhar com os nossos leitores e seguidores?

J.B. – Sim. Desde 2012, há educadores utilizando o Da Capo Arco, para orquestra de câmara, disponível, gratuitamente, no site da Da Capo. O Da Capo Cordas, para orquestra de instrumentos de cordas dedilhadas, está em fase final de edição. O Da Capo Tutti, para instrumentos de sopro, cordas (dedilhadas e arco), teclado, fole e percussão, está sendo elaborado. Por fim, vários materiais didáticos da metodologia Da Capo, assim como trabalhos académicos sobre a mesma, podem ser obtidos, gratuitamente, no sítio eletrónico www.dacapo.mus.br, onde também posso ser contactado.


Paulo Costa Lima: "Saruê de Dois"
Clarinetes: Pedro Robatto e Joel Barbosa


Joao Milet Meireles: "4 Km de Um Só"
Clarinete: Joel Barbosa
Pianos: Lúcia Barrenechea e Manuel Vieira


Música: "Samba da Esmola Cantada" Tradição Oral -  Arr. Fred Dantas
Flauta - Andrea Bandeira
Clarinete - Joel Barbosa
Viola - Robson Barreto
Percussão - Jorge Sacramento (Baguinha)

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