O XpressingMusic entrevista a presidente da ABEM – Associação Brasileira de Educação Musical, Magali Kleber.
Magali Oliveira Kleber responde às questões do XpressingMusic. Numa viagem entre a carreira da nossa convidada e o seu pensamento relativamente à música, à educação musical e à investigação nestas áreas, tentaremos mostrar aos nossos leitores e seguidores os pontos que unem músicos, professores e investigadores em todo o mundo.
XpressingMusic (XM) – Sabendo da vida ocupada que tem, é com muito orgulho que a recebemos nesta entrevista. Magali Kleber tem parte da sua vida ligada à Casa de Cultura da Universidade Estadual de Londrina. Esta é a instituição que lhe ocupa mais tempo? Que funções desempenha neste contexto?
Magali Kleber (M.K.) – A vida académica é intensa para quem se envolve com os diversos contextos que constituem uma universidade. Trata-se de uma complexidade que implica entender a construção do conhecimento sempre apoiado em plataformas movediças, tanto em termos de paradigmas científicos, como em termos dos contextos socioeconómicos e culturais. Desta forma, é difícil dizer o que me ocupa mais tempo, pois os meus projetos e ações já se moldam integrados com as minhas funções e ideias! Atualmente na UEL sou Diretora da Casa de Cultura que é referência no incentivo, produção e fomento de atividades culturais e artísticas. A nossa atuação está voltada para quatro grandes áreas: Artes Cénicas, Artes Visuais, Música, Cinema e Vídeo – e como promotora, apoiante ou parceira, está presente nos mais importantes acontecimentos culturais da cidade e região. Esta direção envolve gestão nas diversas dimensões como Curadoria Artística, Recursos Humanos e Logística Institucional. Temos convénios com Fundações e Associações para desenvolver projetos integrados como o Festival de Música de Londrina, o FILO – Festival de Todas as ARTES, Festival de Dança, todos com uma abrangência nacional e internacional. Assim, já se desenha essa complexidade cujo conceito cunhei na minha tese e aplico no meu cotidiano “O Processo Pedagógico como Fato Social Total”. Tal escopo conceitual norteia-me e dá-me suporte para transitar por diversos contextos pelos quais respondo como Diretora desse órgão. Além disso, atuo também no Curso de Licenciatura em Música, como orientadora de projetos de ensino, pesquisa e extensão. Quero destacar que gosto muito do meu trabalho e tenho excelentes colaboradores e parceiros. Sou defensora das instituições públicas porque acredito que, bem geridas, contribuem para uma sociedade mais justa e com melhor qualidade vida. É uma das nossas missões.
XM – O facto de ser Doutorada em Educação Musical pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Mestre em Música pela UNESP - São Paulo, mostra-nos que, ao longo da sua vida académica, a Educação Musical começou a despertar em si preocupações e a ser fonte de interesse e entusiasmo. Como se encontra a educação musical no Brasil? É muito diferente da realidade de outros países?
M.K. – De facto, a minha carreira académica e artística sempre foi pautada pelo comprometimento institucional, desde que optei por ser educadora na esfera pública. Assim, as preocupações com os encaminhamentos das políticas públicas sempre me despertaram interesse e, sobretudo, envolvimento. Dessa forma, a minha trajetória como educadora musical e pesquisadora é fruto dessa postura e, teceu ao seu longo, premissas que norteiam tanto na academia como na minha atuação como cidadã.
Bem, isso também direcionou o meu mestrado e doutoramento para sociologia da educação musical e ampliou significativamente a minha visão de mundo, o papel da arte, da educação no mosaico social tão fragmentado que estamos imersos na atualidade. Trata-se de uma complexidade que deve ser considerada em qualquer análise e, sobretudo, encaminhamentos de políticas públicas. De facto sou uma entusiasta em busca de compreender e aplicar os conceitos que incorporo no meu escopo teórico, pois tornam-se parte de mim, das minhas argumentações! É uma síntese da teoria e da minha prática cotidiana.
A Educação Musical no Brasil hoje pode ser entendida nas suas mais diversas formas de acontecer. Se focarmos a educação pública, vivemos um momento especial com a promulgação da Lei 11769 que obriga o ensino de conteúdos musicais em todos os níveis da Educação Básica. Embora a sua implantação ainda deixe muita a desejar por diversos motivos, houve um avanço no sentido de trazer para a pauta das políticas públicas esse projeto. Ainda não temos educadores musicais formados suficientes para atender a um país com dimensões continentais como o Brasil, mas as ofertas do curso de licenciatura em música estão a aumentar e o movimento dos educadores musicais no país intensificou-se com essa Lei.
Por outro lado somos um país musical, com uma diversidade cultural riquíssima, na qual a música brota incessantemente com muita riqueza na cultura popular. Temos, nesse contexto, o reconhecimento de que este também é um espaço de aprendizagens cujo valor simbólico impacta a construção das identidades culturais. O Ministério da Cultura vem a desenvolver uma política de valorização desse contexto, proporcionando visibilidade de uma dinâmica cultural na qual localizamos muitas formas de educação não formal mediante uma cultura oral e pragmática de inestimável valor, pois está ligada às nossas raízes.
Nesse sentido, temos uma educação musical singular diferente de outros países, pois do ponto de vista epistemológico e sociocultural, temos uma forte corrente de educadores que defendem uma educação musical que agregue esse mosaico cultural.
XM – Quando surge o interesse pela Etnomusicologia, levando-a a enveredar por esta via no seu Pós Doutoramento realizado na Universidade Federal do Rio de Janeiro?
M.K. – Sempre tive muito interesse na área de Etnomusicologia pelo seu escopo teórico embasando a compreensão de contextos socioculturais. Pesquisar os projetos sociais nas duas maiores metrópoles brasileiras exigiu estudos na vertente sócio antropológica enriquecendo os interfaces com a educação musical. Realizar o pós-doutoramento no Laboratório de Etnomusicologia, sob orientação do professor Samuel Araújo foi um privilégio e permitiu-me aprofundar o conceito de redes sociomusicais.
XM – Sabemos que entre 1996 e 2003 dirigiu o Festival de Música de Londrina. Considera que esta experiência se constituiu como uma mais-valia no seu percurso?
M.K. – Foi uma experiência maravilhosa que me permitiu contatos com músicos excepcionais brasileiros e internacionais, repertórios e práticas pedagógicas inovadoras, fiz amizades que até hoje cultivo. Outro aspecto que fez grande diferença na minha carreira foi o trabalho com gestão de projetos culturais, aprendizagem que deveria estar presente na formação do músico e do educador em artes. Dirigir um Festival da Música com mais de mil participantes, realizar a produção de concertos e administrar toda uma logística requer expertise. E isso foi um plus muito importante na minha formação!
XM – Sente que enquanto membro do Board da Community Music Activity da ISME – International Society for Music Education, pode trazer outras perspetivas que a ajudem no trabalho que desenvolve como presidente da ABEM?
M.K. – Sem dúvida! Ter contato com uma rede de pesquisadores e educadores musicais de todo o mundo amplia significativamente a nossa atuação em todos os sentidos e dimesões! Ser membro, e atualmente sou Chair, dessa Comissão já trouxe muitos dividendos para a área e, sobretudo, para a realização da ISME no Brasil em 2014.
XM – A democratização da Educação Musical não tem sido uma tarefa fácil. A Música continua a ser uma área de certa forma elitista? Como pensa que poderíamos mudar esta forma de ver a música e a educação musical no seio da(s) sociedade(s)?
M.K. – Não é uma tarefa fácil, sobretudo no Brasil, com tantos contextos musicais diferenciados, importantes, ricos que devem ser considerados em uma proposta pedagógica. Esse é um desafio para não pensarmos numa educação musical que tenha somente uma vertente europeia, embora ela deva ser contemplada, pois é base da nossa cultura também, mas não é a única. Penso que não devemos hierarquizar as culturas musicais e isso já é mudar formas de se propor uma educação musical própria para o século XXI – multi e transcultural!
XM – Agradecemos muito ter aceitado o nosso convite. Para terminar gostaríamos de saber se tem alguns novos projetos para breve que possa partilhar com os nossos leitores…
M.K. – Eu é que agradeço a oportunidade! Gostei das questões, pois são instigantes. Novos projetos são pauta para educadores antenados! Vou mandar notícias sobre os próximos, mas para já convido para o Congresso Nacional da ABEM a acontecer em Pirinópolis, Estado de Goiás em novembro deste ano!!!
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