Double Doodle
No início é uma tela em branco, e o silêncio. No final, o Double Doodle por ser quase tudo: um quadro, uma fachada ou uma montra transfiguradas, um registo permanente e indelével de um processo que, acima de tudo, se quer livre.
Double Doodle é o nome da aventura de Gon (ex-vocalista dos Zen) e Kinörm (ex-baterista dos Ornatos Violeta), dois músicos do Porto com provas dadas, também, nas artes plásticas. Juntos, os artistas querem percorrer o país com um desafio que concilia música e pintura, ou ilustração, de forma espontânea e criativa. Na sua liberdade, a ideia é simples: reunir na mesma sala um grupo de músicos, com apetência pelo improviso, e dar-lhes carta branca para criarem, enquanto Gon e Kinörm, inspirados pela música que vai nascendo, pintam «a manta».
O resultado gráfico deste processo, em que som e imagem se inspiram mutuamente, pode ser figurativo, abstrato, cartoonesco ou grafitteiro. Mas o que realmente importa é o caminho a que ele conduz, e no qual todos os elementos são vitais: o local, o ambiente, o público e toda a dinâmica que daí possa brotar, num jogo de símbolos que interagem entre si.
Anti-ensaio, anti-tema («O tema é o contexto», defendem), Double Doodle (expressão que remete para a ideia de sarrabisco) vive do momento, do agora, do que nunca foi feito antes – mas que deixa uma prova material atrás de si. Mais do que o fruto concreto de cada sessão de música e pintura, Gon e Kinörm querem desmistificar a ideia do processo criativo e expor aos espetadores a vulnerabilidade da arte – de como num mesmo momento se joga o brilhantismo ou a ruína de uma obra.
Convidar músicos locais e envolver a comunidade artística das cidades por onde passarem é a outra vontade destes ex-alunos da Escola Artística de Soares dos Reis, no Porto, que já levaram a sua «guerrilha» ao Hard Club e Uptown (ambos na Invicta), bem como a passagens de ano, edifícios devolutos e a Arcos de Valdevez, numa atuação memorável onde o público foi apanhado de surpresa, como se deseja.
Aproximando a geografia da música e a geografia da tela, os Double Doodle partem da ideia de que a inquietação que conduz à criação, seja no som ou na imagem, vive da mesma pulsão. E só páram quando sentirem que a exploração está completa. «Quando a água começa a ferver, quando entra em ebulição… é aí que está feito!».