Sándor Végh e a Camerata Salzburg
Uma forma diferente de fazer música...


Sándor Végh e a Camerata Salzburg

Végh conducts Schubert

Camerata Salzburg; Sándor Végh (dir.)

BMC Records
BMC CD 201

2016 / 2 CD


Nas últimas duas décadas a BMC Records – “label” do Budapest Music Center -  tem-se implementado com grande força no mercado da indústria discográfica de música erudita e de jazz, através de diversas edições de grande interesse e numa abordagem sistematicamente desafiadora, desde o ponto de vista gráfico às escolhas dos projectos musicais. Desta arrojada editora húngara têm saído títulos que têm granjeado um bom acolhimento por parte da crítica internacional, ano após ano. Assim, 2016 não fugiu à regra, uma vez que a BMC tem lançado novas edições em catadupa nos últimos meses, entre as quais salta à vista o CD duplo Sándor Végh conducts Schubert.

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Sándor Végh (1912-1997) foi um dos grandes nomes da música no século XX. Um intérprete e um mestre de referência. Tocou variadíssimas vezes ao lado dos grandes mestres da sua juventude, como Pablo Casals, Ernö Dohnányi ou Wilhelm Kempff, e com os grandes do seu tempo, como Yehudi Menuhin. Foi o grande mestre na juventude de muitos músicos do nosso tempo, através de sistemáticas digressões e masterclasses por toda a Europa, incluindo visitas regulares a Portugal, nos principais centros de actividade musical e festivais de música nacionais. O seu nome está invariavelmente ligado à Camerata Salzburg, fundada em 1951 por Bernhard Paumgartner, composta por alunos e professores do Mozarteum de Salzburgo, e que viria a ser digirida por Végh desde 1978 até à sua morte, em 1997, com enorme sucesso mundial. No culminar dessa ligação a música de Franz Schubert assume um papel fundamental, ocupando um lugar especial no seio da reflexão musical e interpretativa de Sándor Végh. A música de Schubert era uma presença regular nos programas de Sándor Végh, seja o repertório de  música de câmara, seja no caso da música orquestral.
Esta nova edição da BMC reúne uma compilação de gravações inéditas que tiveram lugar no Kölner Philharmonie, entre 26 de Maio e 2 de Junho de 1996, onde a Camerata Sazburg apresentou a integral das sinfonias de Schubert sob a direcção de Végh. Trata-se de uma produção levada a cabo pela Westdeutscher Rundfunk Kóln em 1996, que finalmente nos chega através da BMC, vinte anos depois. Estes dois discos confinam-se às primeiras quatro sinfonias do compositor de Viena (compostas entre 1813 e 1816), gravadas nos concertos de 26, 27 e 30 de Maio de 1996, sendo que a segunda metade do ciclo se encontrava já editada pela “label” Capriccio em 2 CD em separado.

Sándor Végh conducts Schubert é um autêntico encontro com Sándor Végh e a Camerata Salzburg, na medida em que estamos perante interpretações de um carácter marcadamente intimista. Na verdade, a influência da música de câmara adquire aqui um papel significativo, o que a meu ver acaba por ser um aspecto de sobressai pela positiva nestas gravações. Na verdade, não se tratam de interpretações que garantem o tradicional carácter grandioso que habitualmente se espera na música sinfónica. Aqui, sobressai a articulação de grande leveza e fluidez, um grande rigor do tratamento dinâmico, levado ao máximo na Sinfonia n.º 4, “Trágica”, – uma interpretação de arrepiar – bem como uma tensão e sobriedade constantes, que acabam por nunca deixar explodir por completo a música nos momentos em que isso mais se espera. Por outro lado, não é todos os dias que temos o privilégio de poder estar no meio da orquestra, de passear por entre os seus espaços enquanto ouvimos uma sinfonia. É precisamente dessa experiência que nos conseguimos aproximar um pouco com estes discos, através do quadro sonoro e interpretativo apresentado. Não estamos perante a máxima de uma estética acústica em que a orquestra nos é apresentada como um todo, como se estivéssemos colocados na plateia, assimilando toda essa massa sonora num sítio ideal. Não! Aqui estamos perante uma atmosfera sonora muito mais orgânica, em que esse quadro mais tradicional da escuta na plateia está garantido, mas é interpelado recorrentemente com a sensação de estarmos a viajar pela orquestra. Isso deve-se, não tanto a um trabalho meticuloso de captação ou de mistura, mas sobretudo à experiência e qualidade interpretativa da Camerata Salzburg, e da liderança de Sándor Végh, das suas escolhas interpretativas, que garantem precisamente esse carácter mais intimista, mais próximo, e ao mesmo tempo mais claro, sensível, em que cada momento, cada secção musical, cada frase, ao longo dos  andamentos das quatro sinfonias, adquire um sentido lógico e natural.

Ao escutar este álbum o ouvinte consegues ter a experiência de comunicação da orquestra com o ouvinte, o que não é de todo fácil de atingir num disco. E é exactamente aí que está a melhor face desta edição, que vale a pena ter numa colecção discográfica. Não é mais uma gravação de sinfonias de Schubert. É a gravação das quatro primeiras sinfonias de Schubert sob a leitura de Sándor Végh e da Camerata Salzburg, traçando um perfil da identidade artística dos intérpretes em questão. Estes são elementos que enriquecem consideravelmente a experiência musical e uma nova forma de olhar para a edição discográfica, como elemento fundamental ao conhecimento histórico. Através de edições como esta, vinte anos depois, podemos conhecer mais de perto os intérpretes de dado, e a dado momento histórico, a suas abordagens estéticas e tantas outras circunstâncias que refletem através da música um momento e contexto histórico, e vice-versa. E, acima de tudo, está é uma bela homenagem a uma personalidade apaixonante e apaixonada. Um daqueles ícones que fazem da partitura a preto e branco um novo mundo repleto de cores, que nos deixam atónitos com toda a naturalidade e sentido que colocam nessa mágica tarefa.

CD disponível em: http://artway.tictail.com/product/végh-conducts-schubert

 

BMCCD194 Végh Cover front

P.S.:
Uma breve nota para um outro álbum duplo, “Végh in Hungary” (BMC 2012), uma aquisição que também vale muito a pena. Os intervenientes são os mesmos do novo álbum Sandor Végh conducts Schubert, numa selecção de interpretações em concertos na Academia de Música de Budapeste (23 de Março de 1993) e no Centro de Congressos da mesma cidade (20 de Maço de 1995). Trata-se de uma edição riquíssima, com testemunhos de Gyórgy Kurtág e András Schiff a complementar um interessante texto de Dániel Lówenberg e excelentes interpretações da Abertura Coriolan de L. v. Beethoven, a Sinfonia n.º 35, “Haffner” de W. A. Mozart, a Sinfonia n.º 103 de J. Haydn e a Sinfonia n.º 9, “A Grande”, de F. Schubert. Um disco soberbo!

CD disponível em: http://artway.tictail.com/product/végh-in-hungary-sándor-végh-camerata-salzburg

Ambas as edições estão também disponíveis em Portugal na loja da Companhia Nacional de Música (Lisboa, Chiado).

Performance:

Qualidade Sonora / Recording:

Aparato Editorial / Artwork & Texts:

Tiago Manuel da Hora

Tiago Manuel da Hora

Produtor e Musicólogo, autor de várias publicações, rubricas e argumentos para espetáculos musicais. Com uma intensa actividade no ramo da produção discográfica, assinando edições nacionais e internacionais, tem sido também responsável pela criação, direcção artística e produção de diversos concertos e espetáculos. É investigador do INET-MD da Universidade Nova de Lisboa, onde dedica as suas atenções ao estudo da produção discográfica.

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