Ramon Llull (1232-1316) / Granada (1013-1502)
Duas edições preciosas por altura do 75º aniversário do mestre Jordi Savall


Ramon Llull (1232-1316) / Granada (1013-1502)

Granada (1013-1502)

La Capella Reial de Catalunya; Hespèrion XXI; Jordi Savall (dir.)

Alia Vox
AVSA9915

2016 / CD


Ramon Llull (1232-1316)

Ramon Llull (1232-1316)
Temps de conquestes, de diàleg i desconhort

La Capella Reial de Catalunya; Hespèrion XXI; Jordi Savall (dir.)

Alia Vox
AVSA9917

Livro + 2 CD
2016

Pense em três grandes intérpretes de Música Antiga à escala internacional... Sim, a probabilidade de Jordi Savall ter surgido na sua mente entre essas escolhas é enorme.
Tal como é a discografia do mestre catalão, que celebra este dia 1 de Agosto de 2016 o seu 75º aniversário.
Escrever sobre Jordi Savall e os agrupamentos que lidera é falar de história, paixão, excelência, e de uma estética sonora única, um universo riquíssimo no qual se inserem estas duas recentíssimas edições que aqui apresento.

Trata-se de dois lançamentos da Alia Vox, de Junho de 2016: Ramon Llull (1232-1316): Temps de conquestes, de diàleg i desconhort, em formato livro e 2 CD; Granada (1013-1502), em CD. Ambas as edições partem de gravações em concerto, um modelo cada vez mais comum na edição discográfica internacional, e que potencia em grande medida a naturalidade e espontaneidade da interpretação que fica registada, sobretudo quando estamos perante intérpretes de referência.
O primeiro dos dois títulos consiste num espetáculo concebido artisticamente por Jordi Savall, contando também com a pesquisa histórica ao cargo dos investigadores Manuel Forcano e Sergi Grau. O programa concilia música e narração - como tem vindo a ser regra nos projectos de Savall na última década - e traça o percurso da vida e obra de Ramon Llull, poeta, filósofo, teólogo, orador e missionário, que viveu em pleno período de esplendor cultural na Europa mediterrânica, marcado pelas vicissitudes das três culturas religiosas vigentes na época: cristã, muçulmana, judaica.
Num programa interligado com as variadíssimas viagens que Llull fez ao longo da sua vida - destaque para as passagens por Maiorca, Barcelona, Santiago de Compostela, França, Itália e o norte de África – esta narrativa não deixa de parte uma secção introdutória (pré-nascimento de Llull) e outra conclusiva, que serve como um epílogo à travessia reflectida na música e narração a partir das quais se conta esta história.
Ao livro (314 pp.) repleto de informação histórica pertinente, com cinco textos de grande interesse assinados por especialistas da historiografia em torno do legado de Ramon Llull, junta-se uma variada escolha musical com base nos momentos e locais por onde a vida de Llull se desenrolou. Desde as sonoridades características da “Maiorca muçulmana” e das culturas do mediterrâneo medieval, com o carácter improvisatório do “taksim” e o discurso poético da “moaxaja”, passando pelo canto gregoriano, a par com a famosa Cantiga de Santa Maria, Strela do dia, formas de polifonia sacra como o conductus ou o moteto do século XIII, e obras de Philippe de Vitry (1291-1361) e Guillaume Dufay (ca. 1400-1474), Jordi Savall criou um programa que nos permite viajar pelos espaços e momentos desta narrativa com grande fluidez.
Os fragmentos recitados incidem essencialmente sobre fontes históricas, bem como textos da autoria do próprio Ramon Llull. Neste concerto gravado a 28 de Novembro de 2015, no Saló del Tinell, integrado na inauguração do Ano Llull 2015-2016, em Barcelona, ao lado das interpretações sempre seguras e de grande naturalidade de La Capella Reial de Catalunya e do Hespèrion XXI, encontramos um leque de solistas de grande craveira, habituais companheiros de Jordi Savall em muitos dos mais recentes discos que tem realizado, destacando-se as interpretações de Waed Bauhassoun (veu e oud), Moslem Rahal (ney) e Hakan Güngör (kanun).

Jordi Savall

Dentro de uma linha de escolha musical idêntica, Granada centra-se mais na música e menos no discurso narrativo histórico. Neste CD, que aparece bem apetrechado com um booklet que poderia ser considerado um livro (280 pp.), a música é apenas pontuada com algumas cartas e textos recitados. O tónico que dá estrutura a este disco é a “Granada muçulmana”, sendo o programa subdividido pelas sucessivas seis épocas de domínio muçulmano em Granada, culminando numa última parte que anuncia o domínio castelhano. Aqui o repertório assume um âmbito cronológico mais extenso, basta olharmos para o título para o percebermos. Além das formas que são comuns à edição Ramon Llull (1232-1316): Temps de conquestes, de diàleg i desconhort, saltam à vista os vilancicos e romances do século XV, com excelentes interpretações de La Capella Reial de Catalunya. Além dos solistas habituais, as vozes de Waed Bouhassoun, Lior Elmaleh e Driss El Maloumi assinam este disco com Jordi Savall e os seus eternos agrupamentos, através de belíssimas interpretações.
As gravações incluídas dizem respeito a um registo realizado pela Rádio Nacional de Espanha, de um concerto no Palácio de Carlos V, em Alhambra, a 1 de Julho de 2013, durante o Festival Internacional de Música e Dança de Granada, e uma segunda gravação de um concerto na Abadia de Frontfroide, França, em 15 de Julho de 2013, durante o VIII Festival Musique et Histoire pour un Dialogue Interculturel, dirigido por Jordi Savall.
Trata-se de dois discos com francas semelhanças, repertório similar, com muitos pontos de contacto, praticamente o mesmo efectivo de músicos, e a marcada qualidade interpretativa. No entanto, Granada é, a meu ver, um disco mais bem conseguido, tanto do ponto de vista musical, como da qualidade sonora. Apesar deste compilar gravações parciais de dois concertos em espaços diferentes, isso não coloca em causa a homogeneidade sonora e qualidade interpretativa conseguidas.
Há em Granada uma riqueza tímbrica e um brilho que não encontramos no disco que homenageia Ramon Llull. O som deste último acaba por ser mais denso, refletindo uma atmosfera sonora mais distante e mais difusa. No caso de Granada tudo é mais claro, com maior recorte e um espectro sonoro que potencia a abordagem artística. Em todo o caso, ambas as edições apresentam uma grande qualidade. Aliás, se há coisa a que Jordi Savall nos habituou ao longo das últimas décadas foi o facto da sua marca, o seu “som”, estar sempre preservado e ser sinónimo de excelência e originalidade.

Como não poderia deixar de ser, ambas as edições apresentam um elaborado aparato gráfico e ricos conteúdos iconográficos, mas também importantes contribuições para o conhecimento do contexto, ou contextos, e novas leituras em torno dos programas escolhidos - ingredientes que marcam invariavelmente a vastíssima discografia de Jordi Savall, e que fazem destas duas edições excelentes escolhas para quem quer ouvir bom e bem!

+ info: https://www.alia-vox.com

Tiago Manuel da Hora

Tiago Manuel da Hora

Produtor e Musicólogo, autor de várias publicações, rubricas e argumentos para espetáculos musicais. Com uma intensa actividade no ramo da produção discográfica, assinando edições nacionais e internacionais, tem sido também responsável pela criação, direcção artística e produção de diversos concertos e espetáculos. É investigador do INET-MD da Universidade Nova de Lisboa, onde dedica as suas atenções ao estudo da produção discográfica.

Artway
APORFEST - Associação Portuguesa Festivais Música
Fnac
Bilheteira Online