Joana David fala-nos do seu percurso académico e profissional…

Joana DavidJoana David nasceu no Porto, ingressando aos cinco anos de idade na Academia de Música de Vilar do Paraíso. Em 2004 licenciou‐se em piano de acompanhamento pela Escola Superior de Música e das Artes do Espetáculo do Porto (ESMAE) na classe de Jaime Mota e Luís Filipe Sá. A nossa entrevistada integrou o estágio do estúdio de ópera "Plácido Domingo" do Palau de les Artes Reina Sofia em Valência. Joana David trabalha regularmente no Teatro Nacional de S. Carlos sendo ainda pianista acompanhadora da ESMAE.

Joana, muito obrigado por esta oportunidade que nos concede. Ir aos cinco anos de idade aprender música para a Academia de Música de Vilar do Paraíso foi uma decisão sua? Aos cinco anos estava já muito vincada em si a vontade de abraçar a música? Já sonhava a música como profissão?
Obviamente que aos 5 anos não pensava na música como profissão. Pelo menos, não de uma forma consciente. Como qualquer criança queria ser médica, astronauta, pianista, cabeleireira... Aliás por volta dos 6, 7 anos implorei aos meus pais para desistir das aulas de música. Eles obrigaram-me a continuar e fui estudar piano por mero acaso. À medida que ia crescendo ia mudando de opinião: a Academia de Música de Vilar do Paraíso, com o seu ambiente enriquecedor e estimulante, fez-me apaixonar pela arte da música.

Joana DavidJaime Mota e Luís Filipe Sá foram determinantes para a Joana David? Que contributos realça terem advindo das experiências partilhadas com estes dois nomes?
Foi um privilégio ter trabalhado com estes dois grandes professores no ensino superior. Na altura ainda existia o curso de piano de acompanhamento na ESMAE e como tal eu tinha disciplinas de piano solo e piano dito "acompanhamento": música de câmara, leitura à primeira vista, transposição. Com o Luís Filipe Sá trabalhei o lado técnico e interpretativo enquanto pianista solista. Com o Jaime Mota trabalhei grande parte do repertório camerístico, quer com cantores quer com instrumentistas. E obviamente com qualquer um deles cresci como intérprete.

Em 2003 ganhou o Prémio Eng. António de Almeida, atribuído pelo Instituto Politécnico do Porto e, em 2009, ganhou o prémio Rotary para o melhor pianista acompanhador. Estes prémios funcionam como molas impulsionadoras e motivadoras para abraçar novos desafios?
O prémio Eng. António de Almeida é um prémio atribuído aos melhores alunos da ESMAE num determinado ano. Foi uma recompensa de um óptimo aproveitamento escolar. O prémio Rotary foi uma distinção muito agradável pois era atribuído ao melhor pianista acompanhador da competição de canto. Este último prémio possibilitou-me financeiramente ir estudar para o estúdio de ópera "Plácido Domingo" em Valência. Pessoalmente reconheço o valor dos prémios para a carreira dos músicos mas não costumo dar grande importância ao lado competitivo. Os concursos são bons para trocar impressões com outros músicos e para crescermos como indivíduos e intérpretes.

No âmbito da sua formação já trabalhou com nomes como Helena Sá e Costa, Luiz Moura e Castro, Havard Grimse, Jorge Fernando Azevedo, Julius Drake, Anne le Bozec, Ilma Rata, Christine Whittlesey e Jan Philip Schulze. Como condensa em si, hoje em dia, tão diversas aprendizagens? Elas mesclam-se fazendo da Joana David um ser mais completo profissional e pessoalmente?
Todos eles foram importantes para o meu crescimento enquanto pianista. Todos eles conheci em masterclasses, foram aulas esporádicas onde aprendi muito em poucos dias e guardo boas recordações desses momentos.

Joana DavidEm 1998, 1999 e 2000 foi selecionada para os estágios da Orquestra Nacional das Escolas de Música... Fale-nos um pouco destas experiências...
Era muito nova quando fui aos estágios da orquestra. Foi óptimo trabalhar com grandes professores e ter que preparar repertório em poucos dias. Fiz muito amigos (amigos que ainda hoje vou encontrando na vida profissional) e diverti-me imenso.

Sabemos acumular já algumas experiências no âmbito da música sinfónica... Em que projetos e orquestras já participou nesta área?
Como trabalho no teatro São Carlos agora, integro sempre a Orquestra Sinfónica Portuguesa quando é necessário. Também já colaborei com a Orquestra do Norte e a Orquestra do Porto Casa da Música.

Em que consistiu o seu trabalho em instituições com a Academia de Música de Vilar do Paraíso, a Escola das Artes da Universidade Católica e a Universidade de Évora?
Na Academia de Vilar do Paraíso cheguei a trabalhar como professora de piano, na mesma altura em que acabava o curso superior na ESMAE. Na escola das Artes e na Universidade Católica trabalhei como pianista acompanhadora de várias classes.

Completou o curso complementar de canto em 2005... O canto é outra paixão? O gosto pelo canto acompanhou-a desde sempre?
O estudo do canto foi um complemento. Não é, a meu ver, de todo um requisito essencial para um bom pianista acompanhador. Basicamente quis compreender mais sobre o canto e a técnica vocal para poder unir esses conhecimentos ao lado interpretativo. É óptimo para um cantor ter um coach de ópera/lied que perceba do aparelho vocal e saiba dar um feedback daquilo que ouve pois a voz dos cantores soa completamente diferente daquilo que eles ouvem enquanto cantam.

Fez correpetição para produções de várias óperas... Pode dizer-nos quais?
A lista começa a ser grande: "Le Pauvre Matelot" – Milhaud, "Comedy on the Bridge"- Martinu, "The Telephone"- Menotti, "O Gato das Botas" – Montasalvatge, "A little Madness in the Spring"- António Pinho Vargas (estreia absoluta), "O Rapaz de Bronze" e " Banksters" – Nuno Corte Real (estreias absolutas) "D. Giovanni", "Cosi fan tutte" e "Le Nozze di Fígaro" - Mozart, "L'elisir d'amore", "Don Pasquale", " La Fille du regiment"- Donizetti, "Carmen" – Bizet, "Rigoletto", "Il Trovatore", "Don Carlo", "Otello", "Falstaff" - Verdi, "La Rondine", "Madame Butterfly" e "La Bohème"- Puccini, "Il segreto di Susanna" – Wolf-Ferrari, "Il cappello di paglia di Firenze"- Nino Rota e "The Rake´s Progress" – Stravinsky, "Quartett" – Luca Francesconi, " Emilie" – Kaija Saariaho, e devo ter-me esquecido de algumas... Basicamente produções de ópera do teatro Sao Carlos, da Fundação Calouste Gulbenkian, da Fundação Casa da Música e da Orquestra do Norte.

Joana DavidO que a levou a ir prosseguir estudos na Royal Academy of Music? Como classifica esta experiência? Colin Stone e Michael Dussek e os prémios Alan Murray Scholarship, Alice Payne Scholarship e Scott Huxley Prize fizeram desta experiência um marco importante e inesquecível?
Quando acabei o curso superior senti que me faltava algum tempo de amadurecimento musical e pessoal. Como tive a possibilidade financeira de prosseguir estudos fora de Portugal escolhi a Inglaterra. A RAM é um marco como escola e como instituição: tem grandes professores, intensa atividade musical e uma forte tradição no ramo da canção e do piano como instrumento camerístico. O Colin Stone foi o meu professor de piano, voltei a trabalhar repertório solista e a cultivar o lado da técnica. O Michael Dussek foi o meu professor de música de câmara: com ele tive a possibilidade de ir a Berlim a uma masterclass internacional onde representei a RAM. No ano seguinte foi escolhida para pertencer ao clube "Song Circle" da RAM, um grupo restrito de 3 pianistas e 3 cantores escolhidos pela escola para gravar um CD de canções inglesas, alemãs, russas e finlandesas. As duas bolsas de estudo (Alan Murray e Alice Payne) foram cedidas pela RAM no início de cada ano lectivo para eu não ter que pagar propinas na mesma escola. O Prémio Scotte Huxley ganhei numa competição interna da RAM onde concorriam vários pianistas e eu ganhei. Foi uma boa surpresa e um óptimo reconhecimento pelo meu trabalho.

Enquanto performer, há algum ou alguns momentos que a tenham marcado mais, tanto em Portugal como no estrangeiro?
Tenho recordações de imensos concertos. Nenhum se destaca, todos eles são especiais quer seja pelos músicos com quem toquei, quer seja pela sala, pelo público... Não consigo eleger um, talvez daqui a algum tempo...

A sua primeira experiência em CD foi com a soprano Marina Pacheco. Como classifica a sua participação na primeira gravação da integral das canções de João Arroyo?
Joana DavidFoi muito interessante gravar a integral das canções de Arroyo. Não fazia sequer ideia que ele tinha tantas canções e fiquei muito contente quando a Marina me fez a proposta. Devo dizer que foi um desafio maior do que pensava. A música dele não é propriamente imediata e deu bastante trabalho prepará-la e chegar musicalmente a um consenso. Fiquei musicalmente muito feliz com o resultado final mas gostaria de o ter feito com mais tempo, pois a música pedia esse tipo de maturação.

Integrar o estágio do estúdio de ópera "Placido Domingo" do Palau de les Artes Reina Sofia em Valência também foi algo importante... Concorda?
Foi importante no sentido em que integrei um estúdio de ópera e trabalhei com o maestro Alberto Zedda (especialista no repertório de canto do século XIX, principalmente Rossini) e o maestro José-Perez Sierra. Após a minha estadia em Londres apercebi-me que daria uma excelente pianista correpetidora. Quase em toda a Europa e nos Estados Unidos existe uma forte tradição de ópera e de "coach" de ópera. No entanto, em Portugal esta profissão ainda está por desenvolver. O correpetidor é uma peça fulcral numa produção de ópera: prepara os cantores, toca a ópera durante os ensaios cénicos, dirige os internos de coro ou orquestra que existirem, apercebe-se de erros musicais que possam estar a prejudicar o resultado final e, por vezes, até é um bom apaziguador de drama! É impossível ensinar estas características que não seja "in the field". Qualquer estúdio de ópera, até o melhor do mundo, é um bom ponto de partida mas nunca de chegada.
Desta forma confesso que grande parte do que aprendi e continuo a aprender é com o maestro João Paulo Santos em Lisboa e com outros maestros que vão surgindo esporadicamente para fazerem determinada produção. Recentemente até tive o convite para ir fazer uma produção da "Emilie" da Saariaho a Salzburgo...

Muito obrigado por este bocadinho que nos dedicou. Para terminarmos, gostaríamos que nos revelasse quais os seus projetos para breve... Há algum sonho que gostasse de realizar num futuro próximo e que tenha vindo a adiar?
Nenhum em particular, quero continuar a trabalhar, conhecer excelentes músicos, trocar impressões, fazer amizades e dedicar-me à minha família.

Joana David

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